Editada em 6 de julho de 2015, a Lei 13.146 completa uma década trazendo transformações profundas no tratamento jurídico dispensado às pessoas com deficiência.
O Estatuto da Pessoa com Deficiência, também conhecido como Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, representou um grande avanço para a proteção jurídica desse grupo social. Baseada na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, da Organização das Nações Unidas, a lei traz conceitos importantes para a inclusão social dessa parcela da população.
Nessa linha, publicaram as seguintes notícias no site do STJ e STF:
Estatuto da Pessoa com Deficiência completa 10 anos
Ora, nesses dez anos, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça enfrentaram questões complexas envolvendo a aplicação do Estatuto.
A jurisprudência construída pelos tribunais superiores revela como juízes e ministros interpretaram as inovações legislativas, especialmente a adoção de um modelo biopsicossocial – abordagem que considera não apenas aspectos físicos, mas também sociais, culturais e ambientais na avaliação da deficiência.
O estatuto aborda aspectos como acesso à Justiça, direitos fundamentais (saúde, educação, lazer e trabalho, entre outros), acessibilidade, informação, comunicação, tecnologia assistiva, participação na vida pública e política, ciência e tecnologia.
A revolução no regime das incapacidades
Uma das mudanças mais significativas trazidas pelo Estatuto foi a alteração do regime de incapacidades previsto no Código Civil.
Diante das alterações promovidas pela LBI no Código Civil, a Terceira Turma do STJ reformou acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo para declarar a incapacidade relativa de um idoso com doença de Alzheimer que, em laudo pericial, foi considerado absolutamente incapaz e impossibilitado de gerir os atos da vida civil.
Para o colegiado, a partir da Lei 13.146 de 2015, apenas os menores de 16 anos são considerados absolutamente incapazes para exercer pessoalmente os atos da vida civil. O critério passou a ser apenas etário, tendo sido eliminadas as hipóteses de deficiência mental ou intelectual anteriormente previstas no Código Civil. O ministro Marco Aurélio Bellizze, relator do recurso, explicou que os objetivos da Lei 13.146 de 2015 são assegurar e promover a inclusão social das pessoas com deficiência física ou psíquica e garantir o exercício de sua capacidade em igualdade de condições com as demais.
Essa alteração teve reflexos importantes na prescrição.
Em outubro de 2023, no julgamento do REsp 2.057.555, a Segunda Turma considerou que, com o advento do Estatuto da Pessoa com Deficiência, aqueles que, por causa transitória ou permanente, não podem exprimir sua vontade (situação de enfermidade ou deficiência mental), a partir de 2016 passaram a ser considerados relativamente incapazes, na forma do artigo 4º, inciso III, do Código Civil, e ficaram sujeitos ao curso normal do prazo prescricional.
Até a publicação do estatuto, as pessoas com deficiências mentais, sem discernimento para a prática de atos civis, eram consideradas absolutamente incapazes, e contra elas não corria o prazo prescricional.
Proteção no direito de Família

Veja, a jurisprudência do STJ também avançou na proteção das pessoas com deficiência no âmbito das relações familiares.
A Terceira Turma, em julgamento sob segredo de justiça, reformou acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais que exonerou um pai da obrigação de continuar a pagar alimentos ao filho com doença mental crônica incapacitante, pois o rapaz havia atingido a maioridade e passado a receber o Benefício de Prestação Continuada (BPC), no valor de um salário mínimo.
A relatora do caso, ministra Nancy Andrighi, ressaltou que o valor do BPC, ainda que agregasse qualidade de vida ao rapaz, era insuficiente para suprir as suas necessidades.
Além disso, a ministra verificou que a mãe, única cuidadora de fato do filho, sobrevivia da coleta de materiais recicláveis. Segundo ela, o artigo 8º do Estatuto da Pessoa com Deficiência fixa como obrigação da família assegurar à pessoa com deficiência que não possa prover o próprio sustento a efetivação de toda a gama de direitos relativos a seu bem-estar pessoal, social e econômico.
Em outro caso relevante, após ajuizamento de ação de oferecimento de alimentos e o deferimento dos provisórios para filha com deficiência, a Terceira Turma manteve acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que mitigou a regra do artigo 485, parágrafo 4º, do Código de Processo Civil para atender ao melhor interesse de uma menina com síndrome de Down, cuja necessidade de receber alimentos seria presumida.
Nesse sentido, o relator do recurso no STJ, ministro Moura Ribeiro, foi claro ao afirmar que o direito de autor de desistir da ação não pode se sobrepor ao direito da demandada pela busca de uma decisão de mérito e, com mais razão, quando a homologação da decisão seria prejudicial aos interesses de pessoa com deficiência, cuja efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação e à sua dignidade deve ser assegurada com prioridade pelo Estado (artigo 8º da Lei 13.146 de 2015).
Curatela e autonomia
Também, o STJ também fixou parâmetros importantes sobre a curatela de pessoas com deficiência. A Terceira Turma, por unanimidade, analisando um recurso sob segredo de justiça, entendeu que não era possível nomear uma médica para atuar como curadora de uma paciente que estava internada na clínica psiquiátrica onde ela trabalhou. Segundo o colegiado, o reconhecimento da inaptidão para a curadoria decorria de um possível conflito de interesses.
O relator do recurso, ministro Marco Aurélio Bellizze, observou que, conforme o Código de Processo Civil, o Código Civil e o Estatuto da Pessoa com Deficiência, ao nomear o curador, o juiz deve dar preferência ao cônjuge e aos parentes do curatelado, podendo, residualmente, atribuir a curatela a outra pessoa, para atender ao melhor interesse do incapaz.
Ademais, o ministro destacou que a curatela, na esteira do artigo 85, caput e parágrafo 1º, do Estatuto da Pessoa com Deficiência, limitar-se-á aos atos de cunho econômico (a exemplo dos relativos a negócios jurídicos de disposição patrimonial), não alcançando o direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto.
E no Supremo Tribunal Federal?
No âmbito do Supremo Tribunal Federal, destaca-se a decisão na Ação Direta de Inconstitucionalidade 5357, em que o Plenário decidiu que escolas particulares devem cumprir normas do Estatuto que as obrigam a inserir pessoas com deficiência no ensino regular e fazer as adaptações necessárias sem repassar custos às mensalidades, anuidades e matrículas. Logo, essa decisão representa importante avanço na garantia do direito à educação inclusiva.
No julgamento da ADI 6476, o Supremo afastou interpretações do Decreto 9.546 de 2018 que retiravam o direito de candidatos com deficiência à adaptação razoável em provas físicas de concursos públicos. O Tribunal também considerou inconstitucional submeter candidatos com e sem deficiência aos mesmos critérios em provas físicas sem demonstrar sua necessidade para o exercício da função pública.
Por outro lado, na ADI 5583, o STF entendeu que se pode considerar como dependente o trabalhador com deficiência para dedução do imposto sobre a renda. O Plenário decidiu que, na apuração do imposto, a pessoa com deficiência com mais de 21 anos e capacitada para o trabalho pode ser considerada dependente quando sua remuneração não exceder as deduções autorizadas por lei.
Ademais, o Supremo também validou lei do Estado de São Paulo que exige que supermercados, hipermercados e estabelecimentos semelhantes tenham 5% dos carrinhos de compras adaptados para crianças com deficiência ou mobilidade reduzida. Tomou-se a decisão no julgamento do RE 1198269 (Tema 1.286 da repercussão geral). Assim, para a Corte, a iniciativa está alinhada aos compromissos constitucionais de facilitar a mobilidade dessa porção da população, e os estados têm o dever de adotar medidas efetivas para garantir a máxima independência possível a essas pessoas.
Consolidando as decisões
TRIBUNAL | PROCESSO | TEMA | ENTENDIMENTO FIXADO |
STJ | Recurso sob segredo (2023) | Incapacidade civil | Após o Estatuto, apenas menores de 16 anos são absolutamente incapazes. Critério passou a ser etário, eliminando hipóteses de deficiência mental |
STJ | REsp 2.057.555 (2023) | Prescrição | Pessoas com deficiência mental passaram a ser relativamente incapazes em 2016, ficando sujeitas ao curso normal da prescrição |
STJ | Recurso sob segredo | Alimentos | Necessidade de alimentos para filho com doença mental incapacitante é presumida e não cessa com maioridade. BPC não exime obrigação alimentar paterna |
STJ | Recurso sob segredo | Desistência processual | Pai não pode desistir unilateralmente de ação de alimentos após deferimento de provisórios para filha com deficiência (síndrome de Down) |
STJ | Recurso sob segredo | Curatela | Médica não pode ser curadora de paciente da clínica onde trabalhou. Curatela limita-se a atos econômicos, não alcançando direitos personalíssimos |
STF | ADI 5357 | Educação inclusiva | Escolas particulares devem inserir pessoas com deficiência no ensino regular sem repassar custos às mensalidades |
STF | ADI 6476 | Concursos públicos | Candidatos com deficiência têm direito à adaptação razoável em provas físicas. Inconstitucional submetê-los aos mesmos critérios sem demonstrar necessidade |
STF | ADI 5583 | Imposto de Renda | Trabalhador com deficiência maior de 21 anos pode ser dependente para dedução se remuneração não exceder deduções legais |
STF | RE 1198269 (Tema 1.286) | Acessibilidade | Válida lei que exige 5% de carrinhos adaptados em supermercados. Estados têm dever de adotar medidas para garantir independência |
STF | ADI 5452 | Locadoras de veículos | Válida exigência de um veículo adaptado a cada 20 da frota nas locadoras |
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