Sentença da 8ª Vara da Fazenda Pública de Salvador determina que o Estado nomeie 37 candidatos do concurso para Procurador do Estado de 2014. Cabe recurso.
O caso
Após término do prazo de validade do concurso público de provas e títulos para o cargo de Procurador do Estado da PGE-BA, realizado em 2014, o Ministério Público do Estado da Bahia ingressou com ação civil pública alegando omissão do governo em preencher os cargos vagos com os candidatos aprovados, priorizado servidores temporários e comissionados.

De acordo com o parquet, em 2018, ano do término da vigência do concurso, havia 69 cargos de procurador vagos na PGE-BA. Não obstante, o órgão realizou a contratação de servidores por regime precário (Regime Especial de Direito Administrativo – REDA) e nomeou servidores comissionados.
O Estado afirmou que, no período de vigência do concurso, houve a nomeação de todos os candidatos aprovados dentro do número de vagas do concurso (25), além da convocação de aproximadamente 200 aprovados.
O juiz da 8ª Vara da Fazenda Pública de Salvador deu razão ao Ministério Público, determinando a nomeação de 37 candidatos aprovados no concurso de 2014, tendo em vista que as contratações supostamente precárias se prorrogaram no tempo de forma indefinida, o que demonstra a necessidade do órgão de contratação de Procurador do Estado de forma de permanente:
“A expectativa de direito dos candidatos em cadastro de reserva, dentro do número residual, seja 37 (trinta e sete), convola em direito subjetivo a vaga, diante da preterição ilegal da Administração Pública, que durante o período de validade do certame e já com a assunção de competência das Procuradorias Jurídicas, optou por manter vínculos funcionais vedados em nosso ordenamento por meio de contrato REDA, em prejuízo de candidatos devidamente aprovados no concurso público para o cargo de Procurador do Estado”.
Dessa decisão de primeiro grau ainda cabe recurso.
Direito subjetivo à nomeação
Dentro do prazo de validade do concurso público, a Administração dispõe de discricionariedade para definir quando realizará a nomeação dos candidatos1. Além disso, a simples aprovação em concurso público não enseja direito subjetivo à nomeação do candidato, mas mera expectativa de direito. Entretanto, uma vez nomeado, surge o direito subjetivo à posse (STF, súmula 16: funcionário nomeado por concurso tem direito à posse).
No entanto, o STF possui entendimento de que, em algumas hipóteses, pode-se gerar direito subjetivo à nomeação de candidatos aprovados em concurso público. No julgamento do Recurso Extraordinário n. 598.099/MS definiu que “uma vez publicado o edital do concurso com número específico de vagas, o ato da Administração que declara os candidatos aprovados no certame cria um dever de nomeação para a própria Administração e, portanto, um direito à nomeação titularizado pelo candidato aprovado dentro desse número de vagas”.
A Corte estabeleceu que há um dever de boa-fé da Administração, que deve respeitar as regras do edital, inclusive quanto à previsão de vagas do concurso. Há também o necessário respeito à segurança jurídica, como princípio de proteção da confiança, uma vez que os cidadãos que decidem participar do certame público, depositam sua confiança no Estado, crendo que este observará as normas por ele mesmo instituídas no edital do concurso. Assim, a atuação da Administração quanto aos concursos públicos deve ser pautada na boa-fé, tanto no sentido objetivo, quanto no aspecto subjetivo.
“O reconhecimento de um direito subjetivo à nomeação deve passar a impor limites à atuação da Administração Pública e dela exigir o estrito cumprimento das normas que regem os certames, com especial observância dos deveres de boa-fé e incondicional respeito à confiança dos cidadãos. O princípio constitucional do concurso público é fortalecido quando o Poder Público assegura e observa as garantias fundamentais que viabilizam a efetividade desse princípio. Ao lado das garantias de publicidade, isonomia, transparência, impessoalidade, entre outras, o direito à nomeação representa também uma garantia fundamental da plena efetividade do princípio do concurso público.”.
Já no RE 837.311/PI, a Corte Suprema sintetizou três casos em que será constituído este direito subjetivo à nomeação do candidato aprovado:
- Aprovação dentro do número de vagas previstas no edital;
- Preterição na nomeação, por não observância da ordem de classificação (súmula n. 15 do STF2);
- Surgimento de novas vagas, ou abertura de novo concurso durante a validade do certame anterior, e ocorrer a preterição de candidatos de forma arbitrária e imotivada por parte da administração3.
Direito subjetivo quando demonstrada de forma inequívoca a necessidade de contratação
STJ: Quando há surgimento de novas vagas e manifestação inequívoca da Administração quanto à necessidade de contratação dos candidatos aprovados em concursos públicos, ainda que fora do número de vagas do edital, faz surgir o direito subjetivo à nomeação, desde que não exista restrição orçamentária ou qualquer impedimento financeiro4.
O caso da convocação de servidores temporários – configura preterição?
O STJ, definiu que a contratação de servidores temporários ou o emprego de servidores comissionados, terceirizados ou estagiários, por si só, não caracterizam preterição na convocação e na nomeação de candidatos advindos de concurso público, tampouco autorizam a conclusão de que tenham automaticamente surgido vagas correlatas no quadro efetivo, a ensejar o chamamento de candidatos aprovados em cadastro de reserva ou fora do número de vagas previstas no edital5.
No entanto, a Corte Superior e o próprio STF já decidiram que a expectativa de direito se convola em direito subjetivo caso haja preterição em virtude de contratações precárias realizadas com desvirtuamento da contratação temporária e preterição de forma arbitrária e imotivada por parte da Administração Pública, após o surgimento de novas vagas ou após abertura de novo certame6.
Contratação de servidores temporários ou o emprego de servidores comissionados, terceirizados ou estagiários, por si só, não caracterizam preterição na convocação e na nomeação de candidatos advindos de concurso público, salvo se demonstrada preterição de forma arbitrária e imotivada por parte da Administração Pública, após o surgimento de novas vagas ou após abertura de novo certame.
Vale lembrar que a ação judicial visando ao reconhecimento do direito à nomeação de candidato aprovado fora das vagas previstas no edital (cadastro de reserva) deve ter por causa de pedir preterição ocorrida na vigência do certame. RE 766.304/RS, relator Ministro Marco Aurélio, redator do acórdão Ministro Edson Fachin, julgamento finalizado em 02.05.2024”7.
O desfecho
Portanto, para que a contratação de servidores temporários de forma precária configure preterição de candidatos aprovados em concurso público, é necessário que haja:
- A demonstração de cargos vagos;
- O desvirtuamento da contratação temporária por não preencher os requisitos da Constituição Federal (art. 37, IX);
- A preterição tenha ocorrido durante o prazo de validade do concurso.
No caso concreto, o juiz entendeu que os requisitos acima foram preenchidos, sobretudo porque o governo do Estado contratou servidores temporário, porém, prorrogou os seus contratos indefinidamente, desvirtuando a espécie de contratação.
Com isso, determinou a nomeação de 37 candidatos aprovados no concurso público para Procurador do Estado de 2014.
E você, o que acha desse caso?
- RE 598099, Relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 10/08/2011, REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-189 DIVULG 30-09-2011 PUBLIC 03-10-2011 EMENT VOL-02599-03 PP-00314 RTJ VOL-00222-01 PP-00521. ↩︎
- STF. Súmula n. 15: Dentro do prazo de validade do concurso, o candidato aprovado tem o direito à nomeação, quando o cargo for preenchido sem observância da classificação. ↩︎
- A Corte definiu que o postulado do concurso público se traduz na necessidade essencial de o Estado conferir efetividade a diversos princípios constitucionais, corolários do merit system, dentre eles o de que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (CRFB/88, art. 5º, caput). RE 837311, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 09/12/2015, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-072 DIVULG 15-04-2016 PUBLIC 18-04-2016. ↩︎
- MS n. 22.813/DF, relator Ministro Og Fernandes, Primeira Seção, julgado em 13/6/2018, DJe de 22/6/2018. ↩︎
- AgInt no RMS 49084/RJ, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/06/2018, DJe 25/06/2018. ↩︎
- AgRg no AREsp 453742/RO,Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, Julgado em 20/03/2014,DJE 04/04/2014 e RE 837311. ↩︎
- RE 766304/RS, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 17.9.2020. ↩︎
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