MP pode recorrer de absolvição no júri se a decisão é manifestamente contrária à prova dos autos? STJ aplica o Tema 1087 STF na prática

MP pode recorrer de absolvição no júri se a decisão é manifestamente contrária à prova dos autos? STJ aplica o Tema 1087 STF na prática

Imagine a cena: um homem é julgado pelo Tribunal do Júri por homicídio qualificado. As provas são robustas: testemunhas presenciaram o crime, há laudos periciais, filmagens, confissão extrajudicial. A defesa, durante todo o julgamento, sustenta apenas duas teses: negativa de autoria (“meu cliente não foi o autor”) e, subsidiariamente, desclassificação para homicídio simples. Os jurados respondem SIM aos dois primeiros quesitos, reconhecendo a materialidade do crime e a autoria do réu. Mas no terceiro quesito, o genérico (“O jurado absolve o acusado?”), respondem SIM, absolvendo o réu. Não houve pedido de clemência registrado em ata. Não houve tese defensiva que justificasse essa absolvição.

A pergunta que vale sua aprovação é: o Ministério Público pode recorrer dessa decisão? Ou a soberania dos veredictos do Júri impede qualquer revisão? E se puder recorrer, o Tribunal pode anular o julgamento e determinar novo júri?

Durante anos, essa questão gerou divergências acaloradas. De um lado, defensores da soberania absoluta do júri sustentavam que qualquer absolvição no quesito genérico seria irrecorrível, pois os jurados são soberanos. De outro, promotores e juízes argumentavam que absolvições contraditórias, sem qualquer justificativa fática ou jurídica, violavam o próprio sistema de quesitação e autorizavam recurso.

Em outubro de 2024, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema 1087 de Repercussão Geral (ARE 1.225.185), pacificou definitivamente a controvérsia. E em novembro de 2025, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento dos EDcl no AREsp 2.802.065-PR, aplicou essa tese na prática, mostrando exatamente como ela funciona em casos concretos.

Neste artigo, você vai dominar o Tema 1087 do STF, compreender a aplicação prática pelo STJ, entender quando há contradição entre quesitos e quando a absolvição é válida, conhecer os limites constitucionais da clemência, e aprender a resolver questões sobre o assunto. Preparado? Vamos começar.

A mudança de 2008: o quesito genérico e seus problemas

O que mudou com a Lei 11.689/2008

Antes de 2008, a sistemática de quesitação no Tribunal do Júri era extremamente complexa e gerava inúmeras nulidades. A Lei 11.689/2008 reformou profundamente o procedimento do júri, buscando simplificar a quesitação e reduzir as chances de vícios formais.

júri

A principal alteração foi a introdução do quesito genérico obrigatório, previsto no art. 483, III, do CPP: após os jurados responderem aos quesitos sobre materialidade e autoria, deve-se sempre perguntar “O jurado absolve o acusado?”, mesmo que as respostas anteriores tenham sido afirmativas.

Isso significa que, mesmo reconhecendo que o crime existiu e que o réu foi o autor, os jurados ainda podem absolvê-lo no quesito genérico. Essa possibilidade foi criada para permitir absolvições por razões extralegais, especialmente a clemência ou compaixão, sem necessidade de quesitação específica sobre cada causa de exclusão da ilicitude ou da culpabilidade.

O que é a absolvição por clemência?

A absolvição por clemência é um conceito jurídico que se refere à situação em que os jurados, no âmbito do Tribunal do Júri, decidem pela absolvição do acusado mesmo quando reconhecem a autoria e materialidade. Esse tipo de absolvição é possível graças ao quesito genérico e não requer justificativa estritamente jurídica.

Os jurados possuem ampla autonomia para decidir pela absolvição, não estando obrigatoriamente vinculados às teses apresentadas em plenário ou a fundamentos de índole estritamente jurídica. Isso significa que a decisão dos jurados não precisa se basear exclusivamente nas provas dos autos e eles podem, em regra, absolver o réu por qualquer motivo, inclusive por sentimentos de compaixão. Em outras palavras, os jurados podem optar pela absolvição por razões humanitárias ou metajurídicas, como a clemência.

O problema: quando a absolvição no quesito genérico gera contradição?

O quesito genérico trouxe um problema prático sério: absolvições aparentemente contraditórias. Os jurados reconhecem que o réu matou a vítima (materialidade + autoria), mas o absolvem no quesito genérico, sem que haja qualquer tese defensiva ou pedido de clemência que justifique essa decisão.

Exemplo clássico: João é acusado de matar José com golpes de faca. Há filmagens, testemunhas e confissão. A defesa alega apenas “João não foi o autor, foi outra pessoa”. Os jurados respondem:

  • 1º quesito (materialidade): SIM, José morreu por golpes de faca.
  • 2º quesito (autoria): SIM, foi João quem desferiu os golpes.
  • 3º quesito (absolvição): SIM, absolvemos João.

A pergunta óbvia é: se os jurados reconheceram que João matou José, por que o absolveram? Não havia legítima defesa alegada, não havia inimputabilidade, não havia pedido de clemência. Há uma contradição lógica evidente entre as respostas.

Esse tipo de situação gerou enorme insegurança jurídica. Tribunais estaduais divergiam radicalmente: alguns anulavam esses julgamentos por contradição; outros mantinham a absolvição sob o argumento da soberania dos veredictos.

O Tema 1087 do STF: a tese que pacificou a controvérsia

O reconhecimento da repercussão geral

O Supremo Tribunal Federal reconheceu repercussão geral no tema, indicando que a questão ultrapassava o interesse das partes e tinha relevância social, econômica e jurídica para todo o país. O leading case foi o ARE 1.225.185, relatado pelo Ministro Gilmar Mendes, com acórdão redigido pelo Ministro Edson Fachin.

A tese fixada pelo STF (Tema 1087)

O STF fixou tese em duas partes, que devem ser lidas em conjunto:

Parte 1: “É cabível recurso de apelação com base no artigo 593, III, d, do Código de Processo Penal, nas hipóteses em que a decisão do Tribunal do Júri, amparada em quesito genérico, for considerada pela acusação como manifestamente contrária à prova dos autos.”

Parte 2: “O Tribunal de Apelação não determinará novo júri quando tiver ocorrido a apresentação, constante em ata, de tese conducente à clemência ao acusado, e esta for acolhida pelos jurados, desde que seja compatível com a Constituição, com os precedentes vinculantes do Supremo Tribunal Federal e com as circunstâncias fáticas dos autos.”

O que significa na prática

A tese do STF estabelece um equilíbrio entre dois valores constitucionais: a soberania dos veredictos do júri e o direito ao recurso. Vejamos o que cada parte significa.

A primeira parte da tese reconhece que o Ministério Público (ou o querelante, em ação privada) pode apelar de absolvição no júri quando a decisão for manifestamente contrária à prova dos autos, mesmo que a absolvição tenha se dado no quesito genérico. Isso significa que a soberania dos veredictos não é absoluta. Há um controle mínimo de racionalidade que o Tribunal pode exercer.

A segunda parte da tese estabelece quando o Tribunal não pode anular o julgamento: quando houver tese defensiva conducente à clemência registrada em ata e essa tese for compatível com a Constituição, com precedentes do STF e com as circunstâncias dos autos. Em outras palavras: se a defesa pediu clemência explicitamente, se isso está documentado na ata, e se o pedido não viola a Constituição, a absolvição é válida e irrecorrível.

Os fundamentos da decisão

O STF fundamentou sua decisão em pilares essenciais:

Pilar 1 – Soberania relativa: A Constituição assegura a soberania dos veredictos (art. 5º, XXXVIII, “c”), mas essa soberania é compatível com controle mínimo de racionalidade. Soberania não significa arbitrariedade. Se a decisão é manifestamente contrária às provas, sem qualquer justificativa, há vício que autoriza revisão.

Pilar 2 – Clemência legítima: O quesito genérico permite absolvições por razões extralegais (clemência, compaixão), mas essas razões devem ser expressamente alegadas pela defesa e registradas em ata. Não se presume clemência. Ela deve ser invocada e documentada.

Pilar 3 – Racionalidade mínima: Ainda que o Júri disponha de ampla margem para absolvição, podendo fazê-lo por clemência, equidade ou razões humanitárias, dentro de sua íntima convicção, a decisão, assim como qualquer outra, deve guardar racionalidade e objetividade mínimas.

Pilar 4 – Lastro probatório mínimo: A absolvição pelo Júri deve se basear em um mínimo lastro probatório. Assim, ainda que haja divergência entre as provas, nesse caso, deve sempre prevalecer a decisão do Júri. Mas se não há qualquer indício probatório que justifique a absolvição, o Tribunal pode anular.

Os limites constitucionais da clemência: o caso dos crimes hediondos

O precedente fundamental: RHC 229.558 AgR/STF

Um dos aspectos mais importantes e menos conhecidos do Tema 1087 diz respeito aos limites constitucionais da clemência. O STF, no julgamento do RHC 229.558 AgR (2ª Turma, Rel. Min. Nunes Marques, Relator p/ Acórdão Min. Edson Fachin, j. 21/11/2023), estabeleceu que:

“Ainda que fundada em eventual clemência, a decisão do júri não pode implicar a concessão de perdão a crimes que nem mesmo o Congresso Nacional teria competência para perdoar.”

Essa afirmação tem consequências práticas gigantescas. Vamos entender através de um caso concreto.

Caso prático: o feminicídio e a impossibilidade de clemência

Imagine a seguinte situação: João foi acusado pela prática de homicídio triplamente qualificado. O crime foi cometido com emprego de meio cruel, mediante dissimulação, e por motivo fútil.

João confessou a prática delitiva. A defesa apresentou apenas a tese de que o delito fora cometido por uma “paixão doentia”. João foi levado a julgamento pelo Tribunal do Júri.

Os jurados responderam:

  • 1º quesito (materialidade): SIM
  • 2º quesito (autoria): SIM
  • 3º quesito (absolvição): SIM

João foi absolvido com base no quesito genérico, mesmo tendo confessado. O Ministério Público apelou, argumentando que a decisão era manifestamente contrária às provas. O Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso e determinou novo júri, em que João foi condenado. A defesa recorreu ao STF.

A decisão do STF: clemência não se aplica a crimes hediondos

O STF, no voto do Ministro Edson Fachin, estabeleceu fundamentos cruciais:

1. Limitação das razões de absolvição: A existência de diversas novas hipóteses de absolvição não implica que elas sejam indetermináveis ou ilimitadas. Deve haver margem para que o Tribunal, em sede recursal, possa identificar a causa de absolvição e se há compatibilidade com o ordenamento jurídico.

2. Vedação constitucional: Os crimes classificados como hediondos (como o feminicídio, espécie de homicídio qualificado – art. 1º, I, Lei 8.072/90) são, segundo a Constituição Federal, insuscetíveis de graça ou anistia (art. 5º, XLIII, CF). Logo, com muito mais motivo, os crimes hediondos são insuscetíveis de clemência pelo Tribunal do Júri, por incompatibilidade com a Constituição Federal.

3. Lógica constitucional: Se nem mesmo o Congresso Nacional, por meio de lei de anistia, pode perdoar crimes hediondos, muito menos podem os jurados, por meio de clemência, conceder esse perdão. Seria uma contradição constitucional inadmissível.

4. Hipóteses de anulação: Não se podendo identificar a causa de exculpação, ou não havendo qualquer indício probatório que justifique plausivelmente uma das possibilidades de absolvição, ou ainda sendo aplicada a clemência a um caso insuscetível de graça ou anistia, pode o Tribunal ad quem, provendo o recurso da acusação, determinar a realização de novo júri.

Quais crimes são insuscetíveis de clemência?

Com base no art. 5º, XLIII, da Constituição Federal, são insuscetíveis de graça ou anistia (e, portanto, de clemência no júri):

  • Crimes hediondos (Lei 8.072/90): homicídio qualificado, latrocínio, extorsão qualificada pela morte, extorsão mediante sequestro qualificada, estupro, estupro de vulnerável, epidemia com resultado morte, falsificação/corrupção de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais, genocídio, etc.
  • Tráfico de drogas (Lei 11.343/06)
  • Terrorismo (Lei 13.260/16)
  • Tortura (Lei 9.455/97)

Exemplo prático: Se um réu é julgado por homicídio qualificado, crime hediondo, e os jurados o absolvem no quesito genérico sem qualquer justificativa ou com alegação de clemência, o Tribunal pode anular o julgamento, pois a clemência não se aplica a crimes hediondos.

A aplicação prática pelo STJ: EDcl no AREsp 2.802.065-PR

O caso concreto julgado em novembro/2025

O STJ, no julgamento dos Embargos de Declaração no AREsp 2.802.065-PR (Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, j. 11/11/2025), aplicou o Tema 1087 do STF a um caso concreto típico.

Situação fática: O réu foi julgado por homicídio qualificado. Os jurados reconheceram a materialidade e a autoria (respostas afirmativas aos dois primeiros quesitos), mas o absolveram no quesito genérico. As teses defensivas registradas em ata se limitavam à negativa de autoria e à desclassificação (para lesão corporal seguida de morte, para homicídio privilegiado ou para homicídio simples). Não havia pedido de clemência registrado.

O Tribunal de origem manteve a absolvição, entendendo que não havia contradição, pois os jurados são soberanos. O MP recorreu ao STJ, que reformou a decisão, anulando o julgamento e determinando novo júri.

O raciocínio do STJ

O STJ utilizou raciocínio estruturado:

Primeira etapa – Identificação das teses defensivas: O Tribunal examinou a ata de julgamento e identificou que as únicas teses defensivas registradas eram: (a) negativa de autoria; e (b) desclassificação.

Segunda etapa – Análise da compatibilidade entre quesitos: Se os jurados responderam SIM aos quesitos de materialidade e autoria, isso significa que rejeitaram a tese de negativa de autoria. Portanto, ao absolvê-lo no quesito genérico, os jurados estariam se contradizendo.

Terceira etapa – Verificação de clemência: O STJ verificou se havia pedido de clemência registrado em ata. Não havia. Logo, a absolvição não tinha qualquer fundamento.

Conclusão do STJ: “Se a valoração dos elementos probatórios pelo Conselho de Sentença aponta ser o agravante o autor do delito, torna-se manifestamente contrária a esta mesma prova a sua absolvição, se não há qualquer argumento defensivo outro que não a negativa de autoria.”

A aplicação da tese do STF

O STJ aplicou diretamente o Tema 1087:

  • Havia cabimento do recurso (parte 1 da tese): A decisão era manifestamente contrária à prova.
  • Não havia clemência registrada (parte 2 da tese): Como não havia tese defensiva conducente à clemência constante em ata, o Tribunal poderia anular.

Resultado: novo júri determinado.

Quando há contradição e quando não há: guia prático

Cenários em que HÁ contradição (anulação é possível)

🟧 Cenário 1 – Negativa de autoria rejeitada + absolvição sem clemência:

  • Tese defensiva: “o réu não foi o autor”
  • Quesito de autoria: SIM
  • Quesito genérico: SIM (absolvem)
  • Clemência em ata: NÃO
  • Resultado: Contradição. Anulação possível.

🔶 Cenário 2 – Crime hediondo + absolvição por clemência:

  • Crime: feminicídio (hediondo)
  • Tese defensiva: clemência registrada em ata
  • Quesitos: reconhecem materialidade e autoria
  • Quesito genérico: absolvem
  • Resultado: Clemência inconstitucional. Crime hediondo é insuscetível de graça/anistia. Anulação possível.

🟠 Cenário 3 – Desclassificação rejeitada + absolvição sem justificativa:

  • Tese defensiva: “foi homicídio simples, não qualificado”
  • Quesito de qualificadora: SIM
  • Quesito genérico: SIM (absolvem completamente)
  • Clemência em ata: NÃO
  • Resultado: Contradição. Anulação possível.

Cenários em que NÃO HÁ contradição (absolvição é válida)

🟧 Cenário 1 – Clemência expressamente pedida em crime não hediondo:

  • Crime: homicídio simples (não hediondo)
  • Tese defensiva: clemência registrada em ata
  • Compatibilidade constitucional: SIM
  • Quesitos: reconhecem materialidade e autoria
  • Quesito genérico: absolvem
  • Resultado: Absolvição válida.

🔶 Cenário 2 – Tese de legítima defesa acolhida implicitamente:

  • Tese defensiva: “réu agiu em legítima defesa”
  • Quesitos: reconhecem materialidade e autoria
  • Quesito genérico: absolvem
  • Resultado: Absolvição válida. Jurados podem ter acolhido a legítima defesa.

🟠 Cenário 3 – Múltiplas teses defensivas:

  • Tese defensiva: negativa de autoria + subsidiariamente, legítima defesa + subsidiariamente, clemência
  • Quesitos: reconhecem materialidade e autoria (rejeitam negativa)
  • Quesito genérico: absolvem
  • Resultado: Absolvição pode ser válida se houver registro de tese subsidiária.

A importância do registro em ata

O Tema 1087 enfatiza: a tese defensiva deve estar “constante em ata”. Não basta menção oral. É necessário registro formal.

Dica para advogados: Ao final dos debates, requerer expressamente ao juiz presidente que registre em ata o pedido de clemência. “Meritíssimo juiz presidente, requeiro que conste expressamente em ata que esta defesa, subsidiariamente, requereu clemência ao Conselho de Sentença.”

Dica para juízes: Registrar na ata todas as teses defensivas apresentadas, incluindo pedidos de clemência, ainda que subsidiários.

Questão comentada

QUESTÃO (Estilo CESPE/FCC - Magistratura/MP/Defensoria)

Pedro foi julgado pelo Tribunal do Júri pelo crime de homicídio qualificado, crime classificado como hediondo. Durante o julgamento, a defesa sustentou a negativa de autoria e, subsidiariamente, pediu clemência aos jurados, alegando que Pedro era primário e tinha bons antecedentes. O pedido de clemência foi expressamente registrado em ata pelo juiz presidente. Os jurados, ao responderem os quesitos, reconheceram a materialidade do delito e a autoria de Pedro (respostas afirmativas aos dois primeiros quesitos), mas o absolveram no quesito genérico (terceiro quesito). O Ministério Público apelou, sustentando que a decisão era manifestamente contrária à prova dos autos e que a clemência não poderia ser aplicada a crime hediondo.

Com base no Tema 1087 do STF e na jurisprudência do STF (RHC 229.558 AgR), assinale a alternativa CORRETA:

(A) A apelação do MP não é cabível, pois houve clemência registrada em ata, o que torna a absolvição irrecorrível independentemente da natureza do crime.

(B) A apelação do MP é cabível e o Tribunal pode anular o julgamento determinando novo júri, pois homicídio qualificado é crime hediondo, insuscetível de graça ou anistia constitucionalmente, logo também insuscetível de clemência pelo júri.

(C) A apelação do MP não é cabível, pois a soberania dos veredictos impede qualquer revisão de absolvição no quesito genérico, ainda que se trate de crime hediondo.

(D) A apelação do MP é cabível, mas o Tribunal não pode anular o julgamento, devendo apenas reduzir a pena ou desclassificar o crime.

(E) A apelação do MP não é cabível, pois o pedido de clemência estava registrado em ata e era compatível com as circunstâncias fáticas, sendo irrelevante a natureza hedionda do crime.

GABARITO: LETRA B


COMENTÁRIOS:

Alternativa A – INCORRETA. Ignora o limite constitucional da clemência estabelecido pelo STF. Embora a clemência esteja registrada em ata, ela não pode ser aplicada a crimes hediondos, pois a CF estabelece que tais crimes são insuscetíveis de graça ou anistia (art. 5º, XLIII). O STF foi expresso: “ainda que fundada em eventual clemência, a decisão do júri não pode implicar a concessão de perdão a crimes que nem mesmo o Congresso Nacional teria competência para perdoar” (RHC 229.558 AgR).

Alternativa B – CORRETA. Aplicação exata do Tema 1087 do STF combinado com o precedente do RHC 229.558 AgR. O homicídio qualificado é crime hediondo (Lei 8.072/90, art. 1º, II). Crimes hediondos são constitucionalmente insuscetíveis de graça ou anistia. Logo, também são insuscetíveis de clemência pelo júri. Ainda que haja clemência registrada em ata, ela é incompatível com a Constituição quando aplicada a crime hediondo. O Tribunal pode anular e determinar novo júri.

Alternativa C – INCORRETA. Contraria o Tema 1087 do STF. A soberania dos veredictos não é absoluta. Há controle mínimo de racionalidade, especialmente quando a clemência é aplicada em violação à Constituição. A parte 2 da tese do STF é clara: o Tribunal não anulará “desde que seja compatível com a Constituição”. No caso de crime hediondo, não há compatibilidade constitucional.

Alternativa D – INCORRETA. Quando há incompatibilidade constitucional da clemência ou contradição que autoriza anulação, o Tribunal determina novo júri, não reduz pena ou desclassifica. Essas medidas são cabíveis em outras hipóteses de recurso, não nesta.

Alternativa E – INCORRETA. A natureza hedionda do crime é absolutamente relevante. É justamente o que torna a clemência inconstitucional. Ainda que o pedido esteja registrado em ata e seja compatível com as circunstâncias fáticas, ele é incompatível com a Constituição Federal quando aplicado a crime hediondo.

Memorização estratégica

Fórmula prática: checklist da contradição no júri

PASSO 1: Os jurados reconheceram materialidade e autoria? Se SIM, prossiga.

PASSO 2: Os jurados absolveram no quesito genérico? Se SIM, prossiga.

PASSO 3: O crime é hediondo, tráfico, terrorismo ou tortura? Se SIM, clemência é INCONSTITUCIONAL. Anulação possível.

PASSO 4: Se não é crime hediondo, havia tese defensiva que justifica absolvição?

  • Legítima defesa? Absolvição pode ser válida.
  • Estado de necessidade? Absolvição pode ser válida.
  • Clemência registrada em ata? Absolvição é válida.

PASSO 5: Se a única tese era negativa de autoria ou desclassificação, e não há clemência em ata, HÁ CONTRADIÇÃO. Anulação possível.

Tese do STF (Tema 1087) + limites da clemência

Parte 1 (cabimento do recurso): “É cabível recurso de apelação (art. 593, III, d, CPP) quando a decisão do júri, no quesito genérico, for manifestamente contrária à prova dos autos.”

Parte 2 (quando NÃO anular): “Não haverá novo júri se houver clemência constante em ata, compatível com CF, STF e circunstâncias fáticas.”

Limite constitucional (RHC 229.558 AgR): “Clemência não se aplica a crimes hediondos, tráfico, terrorismo e tortura, pois são insuscetíveis de graça ou anistia (CF, art. 5º, XLIII).”

Quadro-resumo

SituaçãoClemência possível?Anulação possível?
Homicídio simples + clemência em ataSIMNÃO
Feminicídio + clemência em ataNÃO (hediondo)SIM
Homicídio qualificado + sem clemência + só negativa autoriaNÃO (hediondo)SIM (contradição)

Conclusão: por que este tema pode aprovar você

O Tema 1087 do STF é recente (outubro/2024) e extremamente relevante. A aplicação prática pelo STJ (novembro/2025) e o precedente sobre limites da clemência (RHC 229.558 AgR/2023) formam um conjunto de conhecimentos que poucos candidatos dominam.

Promotores precisam saber quando podem recorrer e como fundamentar. Defensores precisam saber como registrar clemência em ata e quando ela é constitucional. Juízes precisam saber quando anular julgamentos. E candidatos precisam dominar a tese para acertar questões.

Quando você encontrar uma questão sobre júri e absolvição no quesito genérico, lembre-se: verifique se há clemência em ata, se o crime é hediondo, se há contradição entre quesitos. Essa análise estruturada pode ser seu diferencial.


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