* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
O Superior Tribunal de Justiça, julgando o TEMA 1.306, fixou teses sobre o uso da fundamentação por referência em decisões judiciais.
Fundamentação per relationem ou fundamentação aliunde
Técnica utilizada em atos administrativos e decisões judiciais onde a motivação ou justificativa para a decisão é feita através da referência a outro documento, como pareceres, decisões anteriores ou alegações de partes. Em vez de repetir os argumentos, o ato ou decisão simplesmente declara que concorda com as razões apresentadas no documento referenciado.
A fundamentação aliunde pode simplificar a elaboração de atos e decisões, especialmente quando há documentos detalhados que já abordam a questão. No entanto, é crucial que a decisão deixe claro que houve uma análise e concordância com o documento referenciado, para evitar questionamentos sobre a falta de fundamentação.
Há previsão expressa desta técnica na Lei nº 9.784/1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. O artigo 50, §1º da referida lei estabelece:
“Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:
...
§ 1º A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato.”
O direito a uma fundamentação adequada, que é decorrente do devido processo legal, é um direito fundamental do jurisdicionado, com fundamento no art. 93, IX, da Constituição Federal.
CF/88
Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:
...
IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;
O artigo 489, §1º, do CPC, traz rol de elementos essenciais à sentença. Já o parágrafo único, do artigo 1.022, também do CPC, traz as hipóteses para as decisões serem consideradas omissas. Vejamos:
CPC
Art. 489. São elementos essenciais da sentença:
...
§ 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:
I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;
II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;
III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;
IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;
V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;
VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.
...
Art. 1.022. Cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para:
...
Parágrafo único. Considera-se omissa a decisão que:
I - deixe de se manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência aplicável ao caso sob julgamento;
II - incorra em qualquer das condutas descritas no art. 489, § 1º.
O relator do TEMA 1.306, ministro Luis Felipe Salomão, destacou que o dever de fundamentação “…subordina todos os integrantes do Poder Judiciário, aos quais é vedado proferir decisões arbitrárias, ou seja, pronunciamentos jurisdicionais que não se coadunem com o conceito democrático do exercício do poder, que exige a justificação – dialógica, racional e inteligível – do ato decisório, de modo a viabilizar o seu ‘controle interno’ pela parte e pelas instâncias judiciais subsequentes, bem como o seu ‘controle externo e difuso’ pela sociedade, o que revela uma dupla função dessa obrigatoriedade”.
Fundamentação por referência pura x fundamentação per relationem
A doutrina majoritária entende que a utilização da fundamentação por referência exclusiva ou pura – ou seja, aquela que apenas faz remissão ou transcrição integral dos fundamentos de outra peça processual, sem análise específica dos argumentos trazidos pela parte – viola o direito fundamental ao contraditório e desrespeita as disposições contidas no parágrafo 1º do art. 489 do CPC.

Essa mesma doutrina reconhece, entretanto, a validade da fundamentação por referência integrativa ou moderada, na qual a transcrição de decisão ou parecer anterior é acompanhada de análise própria (do julgador) que dialoga com os argumentos levantados pela parte em sua impugnação.
O Supremo Tribunal Federal possui jurisprudência que reconhece a validade da fundamentação por referência, embora considere nula a decisão que deixar de enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador.
Ao final, o Superior Tribunal de Justiça fixou as seguintes teses:
Teses Tema 1.306
1) A técnica da fundamentação por referência (per relationem) é permitida desde que o julgador, ao reproduzir trechos de decisão anterior, documento e/ou parecer como razões de decidir, enfrente, ainda que de forma sucinta, as novas questões relevantes para o julgamento do processo, dispensada a análise pormenorizada de cada uma das alegações ou provas.
2) A reprodução dos fundamentos da decisão agravada como razões de decidir para negar provimento ao agravo interno, na hipótese do parágrafo 3º do artigo 1.021 do Código de Processo Civil (CPC), é admitida quando a parte deixa de apresentar argumento novo e relevante a ser apreciado pelo colegiado.
Como cai na prova
Veja só como a prova de juiz do TJDFT cobrou essa questão, em 2023:
(2023 – CEBRASPE – JUIZ TJDFT)
A jurisprudência veda a chamada fundamentação per relationem, ainda que a decisão faça referência concreta às peças que pretende encampar, transcrevendo as partes delas que julgar interessantes para legitimar o raciocínio lógico que embasa a conclusão a que se quer chegar.
Gabarito: Errado.
Podemos concluir, portanto, que é possível a utilização da técnica de fundamentação da decisão por remissão, mas com cautela para garantir o contraditório e o direito à defesa, como bem ressaltado pelo ministro Luis Felipe Salomão.
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