* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Decisão do STJ
O Superior Tribunal de Justiça, através de sua 3ª Turma, decidiu que o divórcio pode ser decretado por meio de uma decisão liminar (julgamento antecipado de mérito). O julgamento do caso ocorreu por meio do REsp 2.189.143.
Esse entendimento do STJ permite que o divórcio seja reconhecido antes da citação da outra parte e independentemente da existência de contraditório.
Entenda o caso concreto.
Uma mulher ajuizou ação de divórcio cumulada com fixação de guarda, alimentos e partilha de bens. Em decorrência de um episódio de violência doméstica cometida pelo marido, a autora pediu que o divórcio fosse decretado liminarmente.
As instancias ordinárias negaram a tutela de evidência para decretação do divórcio (liminar). A justificativa foi de que o divórcio, por gerar efeitos irreversíveis, demanda a abertura do contraditório, ainda que potestativo o direito.
Houve recurso ao Superior Tribunal de Justiça. A Corte entendeu ser o divórcio um direito potestativo do cônjuge, ou seja, que pode ser exercido por seu titular sem necessidade de consentimento da outra parte.

Ao final, a relatora, ministra Nancy Andrighi, deu razão à autora da ação, com fundamento nas transformações promovidas pela Emenda Constitucional 66/2010, que suprimiu o requisito de prévia separação judicial para o divórcio.
Portanto, basta a manifestação de uma das partes, cabendo à outra parte apenas se sujeitar à decisão.
Embora o divórcio possa trazer inúmeras questões agregadas, como partilha de bens, fixação de guarda e pagamento de pensão alimentícia, nada impede que seu mérito seja julgado de maneira antecipada e direta.
A ministra foi clara:
“Reconhecendo-se o caráter potestativo do divórcio, a sua decretação pode se dar em julgamento antecipado parcial de mérito, diante da desnecessidade de dilação probatória ou contraditório”.
Análise jurídica
Direitos potestativos
A Emenda Constitucional 66/2010 inaugurou uma nova era para o direito de família. Ela suprimiu o requisito de prévia separação judicial para a decretação do divórcio, que, a partir de então, passa a ser direto, pertencendo à categoria de direito potestativo extintivo.
O professor Fernando Noronha leciona sobre o tema, aduzindo que potestativos são “os direitos que permitem a uma pessoa, por simples manifestação unilateral de sua vontade (isto é, sem a necessidade de concurso de qualquer outra pessoa), modificar ou extinguir uma relação jurídica preexistente, que é de seu interesse”[1].
É direito potestativo dos cônjuges acabar com a relação por meio do divórcio, independentemente de decurso de prazo ou qualquer outra condição impeditiva.
Rompimento simplificado do vínculo conjugal
Como bem pontuado pela relatora do REsp em comento, a Emenda Constitucional do Divórcio, ao simplificar o rompimento do vínculo conjugal, deixou ao julgador o papel de interpretar as consequências jurídicas de tal facilitação, como a pertinência do instituto da separação judicial no ordenamento jurídico brasileiro.
O Supremo Tribunal Federal tem entendimento neste mesmo sentido, inclusive com tese fixada em tema de repercussão geral.
TEMA 1.053 DO STF |
“Após a promulgação da EC nº 66/2010, a separação judicial não é mais requisito para o divórcio nem subsiste como figura autônoma no ordenamento jurídico. Sem prejuízo, preserva-se o estado civil das pessoas que já estão separadas, por decisão judicial ou escritura pública, por se tratar de ato jurídico perfeito (art. 5º, XXXVI, da CF)”. |
Portanto, a exigência da separação prévia, judicial ou de fato, para a efetivação do divórcio, deixou de valer com a entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 66/2010.
Com a alteração do texto constitucional, a separação judicial – que estava prevista no Código Civil – deixou de ser uma das formas de dissolução do casamento, independentemente de os dispositivos sobre o tema não terem sido retirados do texto.
Para o Supremo, a figura da separação judicial e suas condicionantes deixaram de existir como norma autônoma.
Dissolução apenas por divórcio
Agora, se uma pessoa quiser dar fim ao seu casamento, deverá entrar com uma ação de divórcio (e não de separação).
A nova regra é boa para os casais que querem se divorciar. Eles não precisam mais fazer dois pedidos diferentes para o juiz (um para a separação e outro para o divórcio). Isso torna o processo de encerrar o casamento mais acessível (rápido e barato). Além disso, se o casal se divorciar e depois quiser voltar atrás, eles podem se casar novamente.
No REsp 2022649 (DJe 21/05/2024), o STJ decidiu que, após a edição da Emenda Constitucional n. 66/2010, é possível a dissolução do casamento pelo divórcio, independentemente de condições e exigências de ordem temporal previstas na Constituição ou por ela autorizadas, passando a constituir direito potestativo dos cônjuges, cujo exercício decorre exclusivamente da manifestação de vontade de seu titular.
Inclusive o próprio STJ já reconheceu a viabilidade de decretação do divórcio póstumo.
É possível decretar o divórcio na hipótese de falecimento de um dos cônjuges após a propositura da respectiva ação, desde que haja a manifestação de vontade clara para a dissolução do casamento antes do falecimento.
Conclusão
Não se mostra razoável fazer a parte aguardar o tempo até o contraditório ou a realização de sessão de mediação ou audiência de conciliação se uma das partes já manifestou a sua inequívoca vontade de se divorciar (exercício do direito potestativo).
Não se vislumbra prejuízo à parte contrária em deferir o pleito da parte autora. Até porque nenhuma alegação será capaz de impedir, modificar ou extinguir o direito do divórcio, que é potestativo.
Em resumo, posicionando-se o divórcio na categoria dos chamados “direitos potestativos”, a vontade de um dos cônjuges de romper o vínculo conjugal deve bastar para a decretação do divórcio. Isso porque cabe, ao outro, apenas sujeitar-se a tanto, o que justifica sua decretação de forma liminar, por meio de tutela de evidência.
[1](NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 76/77.
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