De início, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça pacificou importante controvérsia sobre execuções fiscais que afetava milhares de processos em todo o país, especialmente nos processos de baixo valor que já foram impactados por decisões do STF.
O Poder Judiciário — à luz da eficiência administrativa e respeitada a competência constitucional de cada ente federado — pode extinguir ação de execução fiscal cujo valor seja baixo, quando verificar a falta de interesse de agir, caracterizada pelo não exaurimento de medidas extrajudiciais e administrativas mais eficientes e menos onerosas capazes de viabilizar a cobrança da dívida.
Tese fixada pelo STF:
1. É legítima a extinção de execução fiscal de baixo valor pela ausência de interesse de agir tendo em vista o princípio constitucional da eficiência administrativa, respeitada a competência constitucional de cada ente federado.
2. O ajuizamento da execução fiscal dependerá da prévia adoção das seguintes providências:
a) tentativa de conciliação ou adoção de solução administrativa; e
b) protesto do título, salvo por motivo de eficiência administrativa, comprovando-se a inadequação da medida.
3. O trâmite de ações de execução fiscal não impede os entes federados de pedirem a suspensão do processo para a adoção das medidas previstas no item 2, devendo, nesse caso, o juiz ser comunicado do prazo para as providências cabíveis.
STF. Plenário. RE 1.355.208/SC, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 19/12/2023 (Repercussão Geral – Tema 1184) (Informativo 1121).
Pois bem, no julgamento dos Recursos Especiais nº 2.077.135-RJ e conexos, por unanimidade, os ministros fixaram o Tema 1248. Determinou-se, assim, que o valor de alçada deve considerar o montante total da Certidão de Dívida Ativa, não os débitos individualizados por exercício.
Perceba, a decisão, relatada pela Ministra Regina Helena Costa em 11 de junho de 2025, proveu recurso do Município de Magé e estabeleceu tese repetitiva que impactará centenas de execuções fiscais suspensas.
Isto porque, a Corte determinou que “nas execuções fiscais fundadas numa única Certidão de Dívida Ativa, composta por débitos de exercícios diferentes do mesmo tributo, a determinação da alçada, prevista no art. 34, caput e § 1º, da Lei n. 6.830/1980, deverá considerar o total da dívida constante do título executivo”.
Fundamentação jurídica
Ora, para compreender a relevância da decisão, é fundamental entender o conceito de alçada na execução fiscal.
O art. 34 da Lei de Execuções Fiscais (Lei nº 6.830/80) prevê a seguinte regra:
Art 34. Das sentenças de primeira instância proferidas em execuções de valor igual ou inferior a 50 (cinquenta) Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional - ORTN, só se admitirão embargos infringentes e de declaração.
Assim, se o juiz julga uma execução fiscal cujo valor é igual ou inferior a 50 ORTN, contra esta sentença só se admitirão embargos infringentes e de declaração. Em outras palavras, não cabe apelação.
Razão para a existência desta regra
“Essa peculiar hipótese de irrecorribilidade da sentença desfavorável ao Estado consiste na presunção legal - verdadeiramente absoluta - de que os prejuízos estatais com a prolongada tramitação de processo no qual já se encontra em situação de desvantagem superarão o benefício financeiro a ser obtido em juízo, máxime porque, tratando-se de recurso, a vitória se revela eventual e estatisticamente improvável (...)
O fato de a União haver imposto limites ao direito de recurso de outros Entes Públicos, para além de si mesma, não deve ser visto com reservas, senão como exercício natural da sua competência exclusiva para legislar sobre processo civil, o que fez, nessa hipótese, atenta ao norte da economicidade e eficiência”.
(STJ. 1ª Turma. AgInt no RMS 53.232/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 11/05/2017)
Embargos infringentes
Esses embargos infringentes mencionados no art. 34 da LEF não são os mesmos embargos infringentes que existiam no CPC/1973 e que foram extintos pelo CPC/2015.
Os embargos infringentes da LEF (chamados por alguns de “embargos infringentes de alçada”) são um recurso julgado pelo próprio juiz prolator da sentença, estando disciplinado nos §§ 2º e 3º do art. 34 da LEF:
Art. 34 (...)
§ 2º - Os embargos infringentes, instruídos, ou não, com documentos novos, serão deduzidos, no prazo de 10 (dez) dias perante o mesmo Juízo, em petição fundamentada.
§ 3º - Ouvido o embargado, no prazo de 10 (dez) dias, serão os autos conclusos ao Juiz, que, dentro de 20 (vinte) dias, os rejeitará ou reformará a sentença.
Nessa linha, essa limitação visa conferir “maior grau de definitividade às sentenças proferidas no executivo fiscal”, como explicou a relatora.
A controvérsia surgiu quando municípios começaram a consolidar débitos de IPTU de vários exercícios em uma única certidão.
Assim, Tribunais estaduais divergiam: alguns consideravam o valor global, outros analisavam cada exercício isoladamente.
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, por exemplo, entendia que “deveria ser considerada, para fins recursais, a análise individual de cada crédito tributário”. O STJ rejeitou tal posição.
A Ministra Regina Helena Costa construiu argumentação sólida baseada na “interpretação sistemática da legislação de regência” e nos “princípios informadores do direito processual civil”.
Assim, demonstrou que “não há vedação legal à inclusão, em uma única Certidão de Dívida Ativa, de débitos referentes ao mesmo tributo, ainda que correspondam a exercícios fiscais distintos”. Mais importante: a legislação incentiva essa consolidação, visando “conferir maior eficiência e racionalidade à propositura das execuções fiscais”.
Natureza unitária do título executivo

Logo, o cerne da decisão reside no reconhecimento da natureza unitária da Certidão de Dívida Ativa. Dessa forma, mesmo contemplando exercícios distintos, “a inscrição dá origem a um único título, cuja integridade é pressuposto do processo executivo”.
Ora, os atributos do título “não se desfiguram pelo só fato de a demanda executiva englobar múltiplas cobranças da mesma exação, fracionadas em exercícios distintos”.
Assim, a decisão afasta interpretação que geraria situações “manifestamente inviáveis”. Se prevalecesse a tese dos débitos individualizados, “o executado se veria obrigado a manejar, de forma simultânea e perante juízos distintos, embargos infringentes e apelação”, quando a certidão abarcasse valores acima e abaixo do limite de alçada.
Inclusive, em julgados anteriores, a Corte havia assentado que “o que existe é uma Certidão de Dívida Ativa – CDA que abrange mais de um exercício do mesmo tributo, o que não a desnatura como execução única”.
Logo, a fundamentação também se harmoniza com precedentes consolidados sobre valor de alçada. O próprio STJ já havia fixado, no Tema correlato, que o parâmetro monetário corresponde a “R$ 328,27, corrigido pelo IPCA-E a partir de janeiro de 2001”. O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, declarou a constitucionalidade do artigo 34 da Lei de Execuções Fiscais no Tema 408 de repercussão geral.
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