Prof. Gustavo Cordeiro
Introdução: a mudança de paradigma que pegou as bancas de surpresa
Se você está se preparando para concursos jurídicos para carreiras de Estado, prepare-se para uma reviravolta que pode mudar completamente o cenário das provas de Direito Processual Penal Militar. O Superior Tribunal de Justiça acaba de consolidar um entendimento que contraria anos de jurisprudência: o acordo de não persecução penal (ANPP) agora é aplicável aos crimes militares.
Esta mudança representa uma completa reformulação do entendimento sobre os institutos despenalizadores na Justiça Militar, tema que tradicionalmente aparece em questões de concursos para Magistratura, Ministério Público e Defensoria Pública.
Para compreender a magnitude desta transformação, é fundamental entender que, até recentemente, vigorava o princípio da absoluta vedação dos institutos da Lei 9.099/95 na seara militar, conforme estabelece o art. 90-A da referida lei. Agora, o ANPP quebra esse paradigma, criando uma nova categoria de tratamento penal diferenciado.
O panorama anterior: vedação histórica dos institutos despenalizadores
A regra do art. 90-A da Lei 9.099/95
Tradicionalmente, o art. 90-A da Lei 9.099/95 estabeleceu uma barreira intransponível: “As disposições desta Lei não se aplicam no âmbito da Justiça Militar“. Essa vedação foi consistentemente confirmada pelo STF e STJ, abrangendo:
- Transação penal (art. 76 da Lei 9.099/95)
- Suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei 9.099/95)
- Juizados Especiais Criminais como um todo
A constitucionalidade dessa vedação foi amplamente reconhecida pelos Tribunais Superiores, como demonstra o leading case do STF:

HC 99.743/RJ (STF, Pleno, Rel. Min. Luiz Fux): “O art. 90-A da Lei n. 9.099/95 não afronta o art. 98, inciso I, § 1º, da Carta da República no que veda a suspensão condicional do processo ao militar processado por crime militar.”
O fundamento da vedação: hierarquia e disciplina militar
O STF sempre justificou essa vedação com base na especificidade do regime militar, conforme explicitado no HC 119.567/DF (Rel. Min. Dias Toffoli):
“A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal inclina-se pela constitucionalidade do tratamento processual penal mais gravoso aos crimes submetidos à justiça militar, em virtude da hierarquia e da disciplina próprias das Forças Armadas.”
Esse entendimento criou uma blindagem quase absoluta contra institutos despenalizadores na Justiça Militar, gerando uma jurisprudência consolidada que perdurou por mais de duas décadas.
A reviravolta: o ANPP como exceção à regra tradicional
O precedente paradigmático do STF
Em 2024, a Segunda Turma do STF, no HC 232.254/PE (Rel. Min. Edson Fachin), promoveu uma verdadeira revolução jurisprudencial. O Tribunal reconheceu que, diferentemente dos institutos da Lei 9.099/95, o ANPP possui fundamento constitucional autônomo e base legal específica no art. 28-A do CPP.
A fundamentação jurídica da mudança
O STF baseou sua decisão em uma interpretação sistemática que considera:
- Art. 28-A, § 2º, do CPP: Não inclui os crimes militares entre as vedações expressas
- Art. 3º do CPPM: Permite aplicação subsidiária do CPP quando não houver disposição específica
- Princípios constitucionais: Individualização da pena, proporcionalidade e razoabilidade
A resistência inicial: STM Súmula 18/2022
O Superior Tribunal Militar, em 2022, editou a Súmula nº 18 (DJe nº 140, de 22.08.2022), estabelecendo expressamente:
“O art. 28-A do Código de Processo Penal comum, que dispõe sobre o Acordo de Não Persecução Penal, não se aplica à Justiça Militar da União.”
Essa súmula representou a cristalização da resistência dos tribunais especializados à aplicação do ANPP, criando um impasse jurisprudencial que só seria resolvido com a intervenção do STF.
A adesão do STJ: consolidação do entendimento
O STJ, que inicialmente resistiu seguindo a linha do STM (vide AgRg no HC 628.275/SP, de 2023), aderiu ao entendimento do STF no recente EDcl no AgRg no AREsp 2.481.489/MS (6ª Turma, fev/2025).
Mais recentemente, o informativo nº 857 do STJ (agosto/2025) consolidou definitivamente essa posição no HC 993.294-MG (5ª Turma, Rel. Min. Carlos Cini Marchionatti):
“O instituto do acordo de não persecução penal, previsto no art. 28-A do CPP, aplica-se aos crimes militares previstos na legislação penal militar, tendo em vista os princípios constitucionais da individualização da pena, da proporcionalidade e razoabilidade.”
Análise comparativa: ANPP vs. institutos da Lei 9.099/95
Quadro comparativo dos institutos despenalizadores na Justiça Militar
Instituto | Base legal | Aplicabilidade na Justiça Militar | Fundamento da decisão |
Transação penal | Art. 76, Lei 9.099/95 | ❌ VEDADA | Art. 90-A + especificidade militar |
Suspensão condicional do processo | Art. 89, Lei 9.099/95 | ❌ VEDADA | Art. 90-A + hierarquia/disciplina |
ANPP | Art. 28-A, CPP | ✅ PERMITIDA | Ausência de vedação + princípios constitucionais |
Por que o ANPP é diferente?
A distinção fundamental reside em três aspectos técnicos:
- Ausência de vedação expressa: O art. 28-A, § 2º, do CPP não menciona crimes militares
- Base constitucional autônoma: Fundamenta-se diretamente nos princípios da individualização da pena e proporcionalidade
- Aplicação subsidiária: O art. 3º do CPPM permite aplicação do CPP quando não houver disposição específica
Requisitos e limitações do ANPP na Justiça Militar
Requisitos gerais (art. 28-A do CPP)
Para aplicação do ANPP aos crimes militares, devem estar presentes:
- Confissão formal e circunstanciada da prática do crime
- Ausência de violência ou grave ameaça
- Pena mínima inferior a 4 anos
- Necessidade e suficiência para reprovação e prevenção do crime
Condições aplicáveis (cumulativas ou alternativas)
- Reparação do dano ou restituição à vítima
- Renúncia a bens (instrumentos, produto ou proveito do crime)
- Prestação de serviços à comunidade
- Prestação pecuniária a entidade pública/social
- Outras condições proporcionais indicadas pelo MP
Vedações específicas
O ANPP não se aplica quando:
- Cabível transação penal (JECrim)
- Agente reincidente ou com conduta habitual
- Benefício anterior nos últimos 5 anos
- Crimes de violência doméstica/familiar ou contra mulher
Impacto prático para concursos públicos
Exemplo de questão atualizada
QUESTÃO INÉDITA (Estilo CESPE/CEBRASPE)
Julgue o item a seguir:
"Embora a Lei 9.099/95 vede expressamente sua aplicação aos crimes militares, o acordo de não persecução penal (ANPP) pode ser aplicado na Justiça Militar, desde que preenchidos os requisitos do art. 28-A do CPP, conforme entendimento atual do STF e STJ."
✅ GABARITO: CERTO
Comentário: A questão explora exatamente a distinção técnica fundamental: enquanto a Lei 9.099/95 possui vedação expressa (art. 90-A), o ANPP baseia-se em fundamento legal autônomo, permitindo sua aplicação na Justiça Militar conforme jurisprudência consolidada do STF (HC 232.254/PE) e STJ (HC 993.294-MG).
Estratégia de estudo: o que memorizar
Pontos-chave para a prova
DECORAR:
- Art. 90-A da Lei 9.099/95: Veda aplicação na Justiça Militar
- Art. 28-A do CPP: Não possui vedação expressa para crimes militares
- Art. 3º do CPPM: Aplicação subsidiária do CPP
- HC 232.254/PE (STF) e HC 993.294-MG (STJ): Precedentes paradigmáticos
LEMBRAR DA EVOLUÇÃO:
- Fase 1: Vedação absoluta (Lei 9.099/95)
- Fase 2: Resistência inicial (STM Súmula 18/2022) – “não se aplica à Justiça Militar da União“
- Fase 3: Mudança paradigmática (STF 2024)
- Fase 4: Consolidação (STJ 2025)
Conclusão: a nova era dos institutos despenalizadores militares.
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