A recente operação denominada “18 Minutos“, deflagrada pela Polícia Federal com a autorização do Superior Tribunal de Justiça (STJ), expõe relevantes questões jurídicas envolvendo crimes contra a administração da justiça e contra o sistema financeiro nacional.
Segundo as investigações, magistrados do Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA), incluindo quatro desembargadores e dois juízes, são suspeitos de integrar uma organização criminosa voltada para a manipulação de decisões judiciais, visando o desvio de recursos financeiros, notadamente do Banco do Nordeste.
Condutas apuradas
Os fatos investigados indicam a prática de crimes previstos na Lei de Organização Criminosa (Lei n.º 12.850/13) e na legislação penal correlata, como corrupção passiva (art. 317 do Código Penal) e lavagem de dinheiro (Lei n.º 9.613/98).
Entre as condutas apuradas estão:
- distribuição direcionada de processos,
- correções monetárias indevidas,
- aceleração seletiva de procedimentos judiciais, e
- expedição de alvarás com vultosos valores sem fundamento jurídico adequado.
Essas práticas evidenciam, além da possível violação de deveres funcionais dos magistrados envolvidos, a utilização da máquina judiciária para fins ilícitos, comprometendo a imparcialidade e integridade das decisões judiciais.
Uma das decisões analisadas na investigação teria resultado no desvio de R$ 14 milhões, exemplificando o impacto econômico do esquema.
Além disso, há indícios de que advogados, inclusive um ex-defensor do Banco do Nordeste, tinham sido cooptados para ajuizar ações fraudulentas, objetivando a obtenção de honorários advocatícios indevidos. Tal conduta, se comprovada, caracteriza atos de improbidade administrativa (Lei n.º 8.429/92), que prejudicam a administração pública e violam os princípios da legalidade e moralidade.
A operação resultou em medidas cautelares determinadas pelo STJ, como o afastamento das funções públicas dos magistrados investigados, o bloqueio de bens e a expedição de mandados de busca e apreensão. Tais medidas visam garantir a preservação das provas e a interrupção das atividades ilícitas enquanto perduram as investigações.
A organização criminosa identificada se estruturava em três núcleos:
- o núcleo dos magistrados,
- o núcleo de advogados e ex-servidores do Banco do Nordeste, e
- o núcleo de operadores financeiros que facilitavam as movimentações irregulares.
Essa divisão interna indica uma complexa articulação criminosa com ramificações no âmbito judiciário, bancário e financeiro, configurando uma atuação coordenada e sistemática para fraudar o sistema de justiça.
Implicações
A posição das instituições envolvidas reforça a gravidade da situação. O TJMA, em nota oficial, afirmou que coopera plenamente com as investigações e cumpre as determinações emanadas do STJ, em observância aos princípios da transparência e da governança. O Banco do Nordeste, por sua vez, se posicionou como vítima, destacando que já havia denunciado as reiteradas decisões judiciais arbitrárias ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e à Corregedoria do TJMA.
O caso apresenta repercussões significativas não só para os agentes diretamente envolvidos, mas também para a confiança do público na administração da justiça.
Se confirmadas as irregularidades, haverá implicações no âmbito penal, administrativo e civil, com potenciais desdobramentos em processos de responsabilização disciplinar no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e ações de reparação civil por danos causados ao erário.
A operação “18 Minutos” destaca, portanto, a necessidade de rigor na apuração de desvios que comprometem a integridade das instituições públicas, sendo crucial a atuação integrada entre os órgãos de controle e o Poder Judiciário para a restauração da legalidade.
Corrupção passiva
A conduta de um juiz que vende sentenças pode configurar o crime de corrupção passiva, previsto no art. 317 do Código Penal. Esse dispositivo tipifica a prática de solicitar, receber ou aceitar promessa de vantagem indevida em razão de função pública.
No caso do magistrado, a venda de decisões judiciais ofende gravemente a imparcialidade e a probidade exigidas de um juiz, ferindo a confiança pública na justiça.
Aspectos Doutrinários
A doutrina entende que o juiz, ao comercializar decisões judiciais, realiza ato que ultrapassa o mero descumprimento ético-profissional, inserindo-se no âmbito criminal. A infração se caracteriza pela prática dolosa de receber vantagem indevida, seja para proferir, seja para omitir decisões, corrompendo o exercício da função jurisdicional.
Luiz Regis Prado destaca que, no crime de corrupção passiva, o elemento subjetivo especial é o dolo. Assim, é irrelevante o recebimento efetivo da vantagem, bastando a solicitação ou aceitação da promessa.
Nessa linha, Guilherme de Souza Nucci afirma que o juiz que vende sentenças pratica ato de manifesta gravidade. Isso porque violam-se os princípios da legalidade e da moralidade pública, fundamentais à administração da justiça.
Análise Jurisprudencial
A jurisprudência dos tribunais superiores reitera a gravidade dessa conduta. Em diversos julgados, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF) têm firmado entendimento de que a venda de sentenças por magistrados constitui não apenas o crime de corrupção passiva, mas, dependendo do caso, pode configurar também associação criminosa (art. 288 do Código Penal) e prevaricação (art. 319 do Código Penal).
Por exemplo, no julgamento da Ação Penal 470/MG (o famoso “Mensalão“), o STF enfrentou situação semelhante ao analisar a conduta de agentes públicos que negociavam decisões favoráveis mediante pagamento, reforçando que tais práticas lesam a função pública e a moralidade administrativa.
Análise Doutrinária e Jurisprudencial do Art. 317 do Código Penal
O artigo 317 do Código Penal tipifica o crime de corrupção passiva. Tal prática caracteriza-se pela solicitação ou recebimento de vantagem indevida por parte de funcionário público em razão de sua função, ou pela aceitação de promessa de tal vantagem.
A conduta pode ocorrer direta ou indiretamente, ainda que fora do exercício da função ou antes de assumi-la. Isso desde que o ato tenha relação com o cargo exercido ou futuro exercício.
1. Tipo Objetivo e Subjetivo
No plano objetivo, o crime de corrupção passiva se consuma com a mera solicitação, recebimento ou aceitação de promessa de vantagem indevida. E isso independe de a vantagem ser efetivamente recebida ou do ato de ofício ser realizado.
A doutrina majoritária, como exposta por Rogério Greco, entende que a expressão “em razão dela” se refere à relação de causalidade entre o ato corrupto e o exercício da função pública.
Ou seja, o funcionário público deve ter solicitado, recebido ou aceitado a promessa de vantagem devido à sua posição, mesmo que a vantagem seja entregue posteriormente ou durante um período em que ele não exerça formalmente o cargo.
O elemento subjetivo do crime é o dolo, que consiste na vontade consciente de solicitar, receber ou aceitar vantagem indevida.
Não se exige, para a configuração do crime, a obtenção de qualquer vantagem específica para o agente. Assim, basta a intenção de obter a vantagem, o que se alinha com a concepção de que o crime é formal.
2. Modalidades e Aumento de Pena (Art. 317, § 1º e § 2º)
O § 1º prevê um aumento de pena de um terço quando, em razão da vantagem ou promessa, o funcionário público retarda, omite ou pratica ato de ofício infringindo dever funcional. Aqui, o legislador agrava a pena ao considerar o impacto negativo causado pelo desvio de conduta no exercício das funções públicas. Nesse contexto, o aumento é justificado pelo maior grau de lesividade ao interesse público.
O § 2º do art. 317 traz uma modalidade mais branda de corrupção passiva, conhecida como corrupção passiva privilegiada.
Essa forma ocorre quando o funcionário público pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício com infração de dever funcional por ceder a pedido ou influência de outrem. A pena prevista é de detenção de três meses a um ano, ou multa.
Neste caso, a conduta é menos reprovável. Isso porque a vantagem indevida não é diretamente relacionada ao agente, mas a sua ação ou omissão resulta de um pedido ou influência externa.
3. Aspectos Jurisprudenciais – art. 317 do Código Penal
A jurisprudência dos tribunais superiores, como o STJ e o STF, tem consolidado o entendimento de que a configuração da corrupção passiva não depende da prática efetiva do ato de ofício solicitado, sendo suficiente a solicitação, recebimento ou aceitação da promessa da vantagem.
Em casos como o HC 401.986/RS, o STJ reafirmou que o simples fato de o funcionário público se dispor a receber vantagem em troca de sua função já é suficiente para configurar o delito.
Adicionalmente, a jurisprudência tem destacado que terceiros, como advogados, podem ser coautores ou partícipes no crime de corrupção passiva quando, de forma consciente e voluntária, contribuem para a prática do delito em conjunto com o funcionário público.
Esse entendimento pode ser observado em decisões do STJ. No AgRg no AREsp 597.512/SP, reconheceu-se o concurso de agentes em crimes dessa natureza. Essa interpretação é relevante ao evidenciar que terceiros também podem responder como coautores ou partícipes no crime de corrupção passiva.
No âmbito do STF, o caso conhecido como “Mensalão” (AP 470/MG) é um exemplo emblemático. Nele, o Tribunal condenou diversos agentes políticos pelo crime de corrupção passiva, reforçando a gravidade da prática e sua incompatibilidade com o Estado de Direito.
Probidade no exercício das funções públicas
O crime de corrupção passiva, previsto no art. 317 do Código Penal, revela-se um dos mais danosos à Administração Pública, por corromper a moralidade e a confiança da sociedade no Estado.
Além das implicações penais, o agente que comete esse delito também está sujeito a sanções administrativas. Há, por exemplo, a perda do cargo e a inabilitação para o exercício de funções públicas.
A legislação e a jurisprudência buscam coibir essa prática com rigor. Por isso, há a aplicação de penas severas tanto ao funcionário público quanto a eventuais colaboradores ou beneficiários da vantagem indevida.
Assim, o art. 317 do Código Penal, em conjunto com sua interpretação doutrinária e jurisprudencial, demonstra o papel central da probidade no exercício das funções públicas. O dispositivo funciona como um dos pilares para a preservação da integridade do serviço público no Brasil.
Considerações Finais
A venda de sentenças é uma prática abominável que atinge diretamente a função essencial da jurisdição, comprometendo a confiança da sociedade no sistema de justiça.
Além da responsabilidade penal, o magistrado que incorre nessa prática estará sujeito a sanções no âmbito administrativo, como a perda do cargo, conforme estabelece a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LC 35/1979).
Portanto, o crime cometido por um juiz de direito ao vender sentenças, além de configurar corrupção passiva, é um atentado à própria essência do poder judiciário, minando os pilares do Estado Democrático de Direito.
Provas de Concursos
Por fim, para as provas de concursos públicos o candidato devera memorizar as seguintes teses do STJ sobre o assunto “corrupção passiva”1:
“Não há bilateralidade entre os crimes de corrupção passiva e ativa, uma vez que estão previstos em tipos penais distintos e autônomos, são independentes e a comprovação de um deles não pressupõe a do outro”.
“No crime de corrupção passiva, é indispensável haver nexo de causalidade entre a conduta do servidor e a realização de ato funcional de sua competência”.
“O crime de corrupção passiva praticado pelas condutas de ‘aceitar promessa’ ou ‘solicitar’ é formal e se consuma com a mera solicitação ou aceitação da vantagem indevida”.
“O crime de corrupção ativa é formal e instantâneo, consumando-se com a simples promessa ou oferta de vantagem indevida”.
- Disponível em https://scon.stj.jus.br/SCON/jt/doc.jsp?livre=%2757%27.tit. Acesso em 15/08/2024, às 17h25. ↩︎
Quer saber quais serão os próximos concursos?
Confira nossos artigos para Carreiras Jurídicas!