Posse em APP não gera usucapião

Posse em APP não gera usucapião

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

Decisão do STJ

O Superior Tribunal de Justiça decidiu que a ocupação de imóvel em Área de Preservação Permanente não gera direito à aquisição por usucapião (REsp 2.211.711).

A controvérsia consistiu em definir se é possível o acolhimento de exceção de usucapião em ação reivindicatória que tem por objeto imóvel situado em Área de Preservação Permanente (APP).

Entenda o caso

O caso teve origem em uma ação reivindicatória ajuizada em 2021. O autor alegava ser o legítimo proprietário de cinco imóveis rurais em Jaciara/MT e buscava a restituição da posse de uma parte da área que estaria sendo ocupada irregularmente.

A parte ré apresentou contestação e um pedido contraposto de usucapião. Alegou exercer posse mansa, pacífica, e com ânimo de dono sobre a área há mais de vinte anos, tendo inclusive edificado residência e realizado melhorias.

A usucapião pode ser arguida em defesa, conforme a Súmula 237 do STF.

Inicialmente, julgou-se a ação reivindicatória improcedente em primeiro grau, com o reconhecimento da prescrição aquisitiva em favor do réu.

Contudo, o Tribunal de Justiça do Mato Grosso reformou a sentença, dando provimento à apelação do autor e julgando procedente a reivindicatória. O TJ/MT considerou que a localização do imóvel em APP configurava a posse injusta, o que impedia a aquisição por usucapião, em razão da vedação prevista no art. 8º do Código Florestal (Lei nº 12.651/2012).

CFlo

Art. 8º A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente somente ocorrerá nas hipóteses de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental previstas nesta Lei.

No Recurso Especial, o recorrente alegou que o acórdão do TJ/MT desconsiderou o princípio da função social da propriedade e que o art. 8º do Código Florestal não proíbe de modo absoluto a usucapião em APP. Ademais, argumentou que os requisitos para a usucapião extraordinária foram preenchidos antes da vigência da lei.

Fundamento

O STJ, através de sua Terceira Turma, analisou se o reconhecimento da usucapião seria possível em áreas sob limitação administrativa de APP.

1. Natureza da APP e propriedade privada: a Área de Preservação Permanente (APP) é definida pelo Código Florestal como uma área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com função ambiental (preservar recursos hídricos, biodiversidade etc.). O reconhecimento da APP não impede o domínio privado do imóvel, mas sim constitui uma limitação administrativa que restringe as prerrogativas da propriedade, possibilitando o exercício do poder de polícia ambiental.
2. Antijuridicidade da ocupação irregular: embora a APP admita o domínio privado, a posse exercida em tais áreas não pode ser dissociada da função socioambiental da propriedade e do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Através de uma interpretação teleológica dos artigos 7º e 8º do Código Florestal, o STJ depreendeu que invasões e ocupações irregulares de imóveis em APP são antijurídicas. Tais ocupações favorecem a supressão de vegetação e dificultam a fiscalização pelo Poder Público.
3. Óbice intransponível: estimular a invasão dessas áreas seria "absolutamente deletéria" para a garantia da propriedade e para a função socioambiental. Na hipótese sob julgamento, era incontroverso que a usucapião recaía sobre um imóvel em APP, próximo a um curso d'água (Rio São Lourenço), e que a construção do recorrente estava a aproximadamente quarenta metros do leito do rio, caracterizando ocupação em área ambientalmente protegida.
4. Conclusão sobre a posse: mesmo que o recorrente comprovasse a posse por mais de 20 anos, o fato de o imóvel estar em APP e a ocupação ser irregular configura um óbice intransponível à pretensão. A vedação à ocupação irregular decorre dos artigos 7º e 8º do Código Florestal, interpretados à luz do direito fundamental da coletividade ao meio ambiente.

Ainda que a APP não se trate de bem público, deve-se observar que o artigo 8º do CFlo veda a intervenção ou a supressão de vegetação nativa nessas áreas, ressalvadas as hipóteses de utilidade pública, interesse social e baixo impacto ambiental. Portanto, no que tange ao exercício da posse qualificada para fins de usucapião, deve-se observar que a limitação administrativa correspondente à caracterização como área de preservação permanente implica restrições às atividades que podem ser desenvolvidas no local, especialmente no que concerne à sua exploração econômica.

Ao final, a Terceira Turma do STJ, por unanimidade, conheceu do recurso especial e negou-lhe provimento, mantendo o acórdão do TJ/MT, afastando a pretensão de usucapião e julgando procedente a ação reivindicatória.

APP

A Área de Preservação Permanente – APP é uma área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, que possui importante papel na preservação dos elementos formadores do ecossistema (recursos hídricos, paisagem, estabilidade geológica, biodiversidade, solo), além de assegurar o bem-estar das populações humanas.   

usucapião

As APP’s podem estar situadas tanto em áreas rurais como em áreas urbanas e estão elencadas no artigo 4º do Código Florestal.

O Chefe do Executivo poderá, por meio de ato oficial e através da declaração de interesse social, instituir novas APP’s em áreas cobertas por vegetação, desde que a função [da vegetação] seja a de:

I - conter a erosão do solo e mitigar riscos de enchentes e deslizamentos de terra e de rocha;

II - proteger as restingas ou veredas;

III - proteger várzeas;

IV - abrigar exemplares da fauna ou da flora ameaçados de extinção;

V - proteger sítios de excepcional beleza ou de valor científico, cultural ou histórico;

VI - formar faixas de proteção ao longo de rodovias e ferrovias;

VII - assegurar condições de bem-estar público;

VIII - auxiliar a defesa do território nacional, a critério das autoridades militares;

IX - proteger áreas úmidas, especialmente as de importância internacional.

Em regra, veda-se a supressão de vegetação em APP (haja vista sua importância ambiental), e é dever do proprietário, possuidor ou ocupante manter tal vegetação.

Caso haja desmatamento ou degradação, o proprietário, possuidor ou ocupante é obrigado a recuperar a área, mesmo que não tenha sido ele o responsável pela degradação, pois a obrigação aqui é propter rem (segue a coisa).

Só se permite intervenção ou supressão de vegetação nativa em APP nos casos de:

  • Utilidade pública;
  • Interesse social; ou
  • Baixo impacto ambiental. 

Como caiu em prova

O tema APP é recorrente em provas das mais diversas carreiras jurídicas. Vejamos:

Promotor SP - 2025

Em uma Área de Preservação Permanente (APP), localizada em imóvel rural, constatou-se intervenção antrópica indevida. Diante desse cenário, foi ajuizada ação civil pública em face do antigo proprietário do imóvel, responsável pelo dano, com o objetivo de promover a recuperação ambiental da área degradada. Considerando esses fatos, assinale a alternativa incorreta.

a) A obrigação de reparar o dano recai sobre o poluidor em razão da atividade que gerou a degradação ambiental, sendo considerada poluidor toda pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, que, direta ou indiretamente, tenha contribuído para o dano.

b) O alienante do imóvel não se responsabiliza pelo dano que causou, pois a obrigação se transfere aos adquirentes do bem.

c) A responsabilidade pela recomposição ambiental possui natureza propter rem, podendo ser exigida do proprietário ou possuidor atual, bem como dos anteriores, individualmente ou em conjunto.

d) Caso a execução específica não seja viável, a obrigação poderá ser convertida em perdas e danos, especialmente quando o responsável demandado já não detiver a posse do imóvel.

e) A degradação ambiental enseja responsabilidade civil objetiva, solidária e ilimitada, garantindo maior proteção ao meio ambiente e facilitando a reparação dos danos causados.

Gabarito: B

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