Notícia
Foi noticiada uma decisão do STJ no REsp 2.150.191, em que assim se afirmou: “A penhora de valores a serem recebidos das administradoras de cartão de crédito se equipara à penhora sobre o faturamento da empresa, exigindo a demonstração efetiva de que foram esgotados todos os meios para a localização de outros bens penhoráveis”:
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Recebidos via cartão de crédito se equiparam a faturamento para fins de penhora
Fazenda pediu penhora de valores recebidos das administradoras de cartão
O caso
Com esse entendimento, uma empresa de confecção de roupas conseguiu afastar a penhora de valores pedida pela Fazenda Nacional para quitação de R$ 592,5 mil devidos em impostos.
O Fisco tentou penhorar ativos da empresa via sistema Sisbajud, sem sucesso.
Logo na sequência, pediu a hipoteca de valores destinados à executada por operadora de cartão de crédito.
A Fazenda identificou, com base na Declaração de Operações com Cartão de Crédito de 2022, que o contribuinte recebe quantias decorrentes de operações com cartão de crédito, que seriam suficientes para quitar a dívida tributária.
O Tribunal Regional Federal da 5ª Região rejeitou o pedido, que considerou abusivo. Para o tribunal, a penhora de valores a se receber das administradoras de cartões de crédito se equipara à penhora sobre o faturamento da empresa.
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Decisão mantida
Entretanto, queremos fazer uma análise jurídica mais profunda.
Isto porque, na verdade, o STJ não validou esse entendimento, uma vez que o mérito não foi analisado.
Perceba, o complemento da notícia:
“Relator do recurso especial, o ministro Francisco Falcão não conheceu do pedido. Para ele, rever as conclusões do TRF-5 exigiria reanálise de fatos e provas, medida vedada ao STJ. O magistrado aplicou a Súmula 7 do tribunal. A votação foi unânime.”
Em outras palavras, em que pese a notícia veiculada sobre o REsp 2.150.191 trouxe a afirmação de que a “penhora de valores a serem recebidos das administradoras de cartão de crédito se equipara à penhora sobre o faturamento da empresa”, esse entendimento, contudo, não foi expressamente validado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Reitere-se, o STJ não analisou o mérito da controvérsia, mas apenas aplicou a Súmula 7, que impede a reavaliação de fatos e provas em sede de recurso especial. Logo, o conteúdo foi mantido pelo entendimento do TRF5 mas não foi apreciado no mérito.
Traduzindo: manteve-se a decisão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5), por uma questão processual, sem ingressar na essência da tese jurídica.
Diante desse cenário, é essencial aprofundarmos a questão central: a penhora de recebíveis de cartão de crédito deve ser tratada como penhora de faturamento ou se assemelha à penhora de dinheiro? Qual a finalidade disso?
Penhora de faturamento e penhora de recebíveis
Ok, professor, mas qual é a diferença teórica entre penhora de faturamento e penhora de recebíveis de cartão de crédito?
De início, o principal argumento utilizado pelo TRF-5 para afastar a penhora dos recebíveis de cartão de crédito foi o de que essa constrição se equipararia à penhora sobre o faturamento, devendo, portanto, seguir os mesmos requisitos exigidos para essa modalidade.
Penhora de faturamento
Pois bem, a penhora de faturamento encontra-se disciplinada no art. 866 do Código de Processo Civil (CPC) e no art. 11, §1º, da Lei de Execuções Fiscais (LEF – Lei nº 6.830/1980).
Desta feita, por ser uma medida que atinge diretamente a atividade da empresa, essa penhora é considerada excepcional, só podendo ser deferida quando inexistirem bens mais líquidos e de mais fácil alienação.
Além disso, a penhora sobre faturamento exige:
- nomeação de administrador-depositário, que será responsável por gerir os valores constritos e prestar contas ao juízo;
- comprovação de que não há outros bens penhoráveis disponíveis;
- fixação de um percentual razoável, a fim de não comprometer a atividade econômica da empresa.
Inclusive, há repetitivo do STJ tratando sobre o assunto:
A necessidade de esgotamento das diligências como requisito para a penhora do faturamento foi afastada após a reforma do CPC/1973 pela Lei n. 11.382/2006.
II - No regime do CPC/2015, a penhora do faturamento, listada em décimo lugar na ordem preferencial de bens passíveis de constrição judicial, poderá ser deferida após a demonstração da inexistência dos bens classificados em posição superior, ou, alternativamente, se houver constatação, pelo juiz de que tais bens são de difícil alienação; finalmente, a constrição judicial sobre o faturamento empresarial poderá ocorrer sem a observância da ordem de classificação estabelecida em lei, se a autoridade judicial, conforme as circunstâncias do caso concreto, assim o entender (art. 835, § 1º, do CPC/2015), justificando-a por decisão devidamente fundamentada.
III - A penhora de faturamento não pode ser equiparada à constrição sobre dinheiro.
IV - Na aplicação do princípio da menor onerosidade (art. 805 e parágrafo único do CPC/2015; art. 620 do CPC/1973): a) a autoridade judicial deverá estabelecer percentual que não inviabilize o prosseguimento das atividades empresariais; e b) a decisão deve se reportar aos elementos probatórios concretos trazidos pelo devedor, não sendo lícito à autoridade judicial empregar o referido princípio em abstrato ou com base em simples alegações genéricas do executado.
STJ. 1ª Seção.REsps 1.835.864-SP, 1.666.542-SP e 1.835.865-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 18/4/2024 (Recurso Repetitivo – Tema 769) (Informativo 769).
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Penhora de créditos
Por outro lado, a penhora de créditos, prevista nos arts. 855 a 860 do CPC, tem natureza distinta.
No fundo, na tese das Procuradorias, trata-se de valores que já foram reconhecidos como devidos ao devedor por terceiros, ou seja, créditos certos e líquidos que apenas aguardam a efetivação do pagamento.
No caso dos recebíveis de cartão de crédito, os valores já foram processados pela administradora e, em muitos casos, até antecipados ao lojista mediante contratos de cessão fiduciária. Ou seja, a empresa já possui o direito líquido e certo ao recebimento.
Dessa forma, na visão da Fazenda Nacional, não há que se falar em penhora sobre faturamento nesses casos.
Em outras palavras, os valores oriundos de operações com cartões de crédito têm natureza de dinheiro disponível e circulante, apenas depositado temporariamente em um terceiro (a administradora do cartão), e não de faturamento bruto da empresa.
É como se no fundo, a penhora de recebíveis de cartão de crédito se equiparasse a “dinheiro” podendo ser uma das primeiras medidas numa medida de execução.
Como tem sido as decisões dos Tribunais Federais?
Em que pese não tenha tido uma decisão de mérito do STJ, de maneira geral, os Tribunais Federais tem equiparado a penhora de faturamento à penhora de recebíveis de cartão de crédito:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. BLOQUEIO DE RECEBÍVEIS DE CARTÃO DE CRÉDITO. NATUREZA DE PENHORA SOBRE FATURAMENTO. TEMA 769 DE RECURSO REPETITIVO DO STJ. PERCENTUAL. 5% SOBRE O FATURAMENTO DA PESSOA JURÍDICA. A constrição dos recebíveis das operadoras de cartão de crédito tem natureza de penhora do faturamento. Os requisitos necessários para deferir o pedido de penhora do faturamento da pessoa jurídica foram fixados pelo STJ no Tema 769 de recurso repetitivo. Apesar de não ter constado expressamente das teses firmadas pela Corte Superior, no julgado que lhe deu origem concluiu-se também que é requisito para o deferimento dessa medida constritiva a citação prévia do executado e a constatação de seu funcionamento, além da possibilidade de ser realizada se a penhora existente nos autos for insuficiente para garantir a integralidade do débito cobrado. Acerca do percentual a ser aplicado, é razoável a penhora sobre 5% do faturamento. Precedente STJ. Agravo de instrumento desprovido. (TRF 3ª R.; AI 5015382-30.2017.4.03.0000; SP; Quarta Turma; Rel. Des. Fed. André Nabarrete Neto; Julg. 20/08/2024; DEJF 28/08/2024)
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA SOBRE REPASSES MENSAIS DAS OPERADORAS DE CARTÕES DE CRÉDITO. PARTE DO FATURAMENTO DA EMPRESA. EQUIPARAÇÃO. TEMA 769 DO STJ. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE INSUFICIÊNCIA DE OUTROS BENS PASSÍVEIS DE PENHORA. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO. 1. Inexiste o vício apontado no acórdão embargado, sendo certo que omissão haveria caso não ocorresse a apreciação das questões de fato e de direito relevantes para o deslinde do recurso. 2. Sobre a questão ventilada, o voto condutor do acórdão foi explícito no sentido de que "o Superior Tribunal de Justiça entende que os recebíveis de operadoras de cartão de crédito se equiparam ao faturamento da sociedade empresária e, por isso, os atos constritivos que sobre eles recaiam devem ser restringidos, de forma a viabilizar o regular desempenho da atividade empresarial (RESP n. 1.786.846/RS, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 12/3/2019, DJe de 29/5/2019)". 3. Com base em alegação de omissão, deseja a embargante modificar o julgado por não-concordância, sendo esta a via inadequada. 4. Consoante a jurisprudência consolidada da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, "a estreita via dos embargos de declaração não é adequada para o simples rejulgamento da causa" (EDCL no AgInt na AR nº 4.858, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, DJe 19.3.2020). 5. Embargos de declaração conhecidos e desprovidos. (TRF 2ª R.; AI 5013366-23.2023.4.02.0000; Terceira Turma Especializada; Relª Desª Fed. Cláudia Neiva; Julg. 06/11/2024; DJe 11/11/2024)
A penhora de recebíveis de cartão de crédito equipara-se à penhora de faturamento para fins processuais e não pode ser equiparada a dinheiro. 2. Os embargos de declaração não são via adequada para rediscutir matéria de mérito decidida de forma fundamentada. dispositivos relevantes citados: CPC/2015, art. 1.022; CPC/2015, art. 835, § 1º. jurisprudência relevante citada: STJ, aresp nº 845253/RS, Rel. Min. Napoleão nunes maia filho, DJ 13/03/2020; STJ, RESP nº 1.666.542/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, DJ 11/04/2022 (tema 769). (TRF 2ª R.; AI 5009901-69.2024.4.02.0000; Terceira Turma Especializada; Rel. Des. Fed. Paulo Leite; Julg. 06/11/2024; DJe 09/11/2024)
O que isso significa?
Veja, se há vinculação da matéria ao Tema 769 dos Recursos Repetitivos do STJ, que trata da penhora sobre faturamento, isso muda os requisitos para pedir a penhora de recebíveis de cartão de crédito.
Isto porque, no geral, o repetitivo do STJ firmou o entendimento de que a penhora de faturamento somente pode ocorrer após o esgotamento das buscas por bens mais líquidos e deve se limitar a um percentual da receita da empresa, para evitar sua inviabilidade financeira, bem como ter uma certa proporcionalidade pelo juízo.
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Opinião pessoal do professor
A distinção é fundamental. Equiparar os recebíveis de cartão de crédito ao faturamento, além de juridicamente impreciso, pode gerar distorções na aplicação das normas processuais.
Se a penhora de recebíveis fosse tratada como faturamento, seria necessário cumprir todos os requisitos da penhora excepcional, o que dificultaria a efetividade da execução fiscal.
Do ponto de vista jurídico, os argumentos para afastar essa equiparação são robustos:
- Os recebíveis de cartão de crédito já foram reconhecidos como devidos por terceiros (administradoras de cartão), diferindo do faturamento bruto da empresa.
- A penhora sobre esses valores não exige nomeação de administrador-depositário e prestação de contas ao juízo, como ocorre na penhora de faturamento.
- A liquidez desses créditos os aproxima mais da penhora de dinheiro do que da penhora sobre faturamento.
- A aplicação do Tema 769 do STJ não se justifica, pois esse precedente trata de uma situação distinta.
Vamos aguardar uma decisão final do STJ.
Fica aqui para reflexão o texto.
Um abraço!
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