* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Acaba de ser publicada a lei federal nº 15.163/2025, que endurece as penas de crimes relacionados ao abandono e aos maus-tratos de crianças, idosos e PcDs.
A nova lei acabou alterando:
- Código Penal;
- Estatuto da Pessoa Idosa;
- Estatuto da Pessoa com Deficiência; e
- Estatuto da Criança e do Adolescente.
Vejamos em detalhes então as importantes mudanças.
Código Penal
Art. 133 – Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono (abandono de incapaz): | |
COMO ERA | COMO FICOU |
Pena – detenção, de seis meses a três anos. | Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos. |
Se do abandono resulta lesão corporal de natureza grave: Pena – reclusão, de um a cinco anos. | Se do abandono resulta lesão corporal de natureza grave: Pena – reclusão, de 3 (três) a 7 (sete) anos. |
Se resulta a morte: Pena – reclusão, de quatro a doze anos. | Se resulta a morte: Pena – reclusão, de 8 (oito) a 14 (quatorze) anos. |
Art. 136 – Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina (Maus-tratos): | |
COMO ERA | COMO FICOU |
Pena – detenção, de dois meses a um ano, ou multa. | Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos. |
Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave: Pena – reclusão, de um a quatro anos. | Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave: Pena – reclusão, de 3 (três) a 7 (sete) anos. |
Se resulta a morte: Pena – reclusão, de quatro a doze anos. | Se resulta a morte: Pena – reclusão, de 8 (oito) a 14 (quatorze) anos. |
Estatuto da Pessoa Idosa (Lei nº 10.741/2003)
COMO ERA | COMO FICOU |
Art. 94. Aos crimes previstos nesta Lei, cuja pena máxima privativa de liberdade não ultrapasse 4 (quatro) anos, aplica-se o procedimento previsto na Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995, e, subsidiariamente, no que couber, as disposições do Código Penal e do Código de Processo Penal. | Art. 94. Aos crimes previstos nesta Lei aplicam-se, no que couber, as disposições do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), e do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal). Parágrafo único. Aos crimes previstos nesta Lei e aos crimes praticados com violência contra a pessoa idosa, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995. |
COMO ERA | COMO FICOU |
Art. 99. Expor a perigo a integridade e a saúde, física ou psíquica, do idoso, submetendo-o a condições desumanas ou degradantes ou privando-o de alimentos e cuidados indispensáveis, quando obrigado a fazê-lo, ou sujeitando-o a trabalho excessivo ou inadequado: Pena – detenção de 2 (dois) meses a 1 (um) ano e multa. | Art. 99. Expor a perigo a integridade e a saúde, física ou psíquica, da pessoa idosa, submetendo-a a condições desumanas ou degradantes ou privando-a de alimentos e cuidados indispensáveis, quando obrigado a fazê-lo, ou sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos. |
Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave: Pena – reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos. | Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave: Pena – reclusão, de 3 (três) a 7 (sete) anos. |
Se resulta a morte: Pena – reclusão de 4 (quatro) a 12 (doze) anos. | Se resulta a morte: Pena – reclusão, de 8 (oito) a 14 (quatorze) anos. |
Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015)
Art. 90. Abandonar pessoa com deficiência em hospitais, casas de saúde, entidades de abrigamento ou congêneres: | |
COMO ERA | COMO FICOU |
Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, e multa. | Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. |
Parágrafo único. Na mesma pena incorre quem não prover as necessidades básicas de pessoa com deficiência quando obrigado por lei ou mandado. | Parágrafo único. (Revogado). |
— | Se do abandono resulta lesão corporal de natureza grave: Pena – reclusão, de 3 (três) a 7 (sete) anos, e multa. |
— | Se do abandono resulta morte: Pena – reclusão, de 8 (oito) a 14 (quatorze) anos, e multa. |
— | Nas mesmas penas incorre quem não prover as necessidades básicas de pessoa com deficiência quando obrigado por lei ou mandado. |
Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90)
Art. 230. Privar a criança ou o adolescente de sua liberdade, procedendo à sua apreensão sem estar em flagrante de ato infracional ou inexistindo ordem escrita da autoridade judiciária competente: | |
COMO ERA | COMO FICOU |
Pena – detenção de seis meses a dois anos. | Pena – detenção de seis meses a dois anos. |
Parágrafo único. Incide na mesma pena aquele que procede à apreensão sem observância das formalidades legais. | § 1º Incide na mesma pena aquele que procede à apreensão sem observância das formalidades legais. |
— | Ao crime previsto neste artigo não se aplica a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995. |
A norma teve origem em um projeto de lei apresentado pelo deputado Helio Lopes. O texto (PL 4.626/2020) foi aprovado pela Câmara dos Deputados, e contou com emendas do Senado Federal.
Os deputados concordaram com as alterações do Senado, que aumentaram as penas e excluíram a competência dos juizados especiais para o crime de apreensão de crianças e adolescentes sem ordem judicial ou flagrante de ato infracional.
Dessa forma, o objetivo da nova lei é fortalecer a proteção às pessoas vulneráveis (idosos, crianças e pessoas com deficiência), tornando mais severas as consequências para quem atenta contra sua dignidade, saúde e segurança.
O crime de maus-tratos é caracterizado por expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância em ambiente de educação, ensino, tratamento ou custódia, privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis ou abusando de meios de correção ou disciplina.
Conheça um pouco sobre PcD
A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência define PcD da seguinte forma:
“Pessoas com Deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”.

Evolução da nomenclatura
1º) PPD (Pessoa Portadora de Deficiência) -> O termo Pessoa Portadora de Deficiência ou PPD foi utilizado no passado, inclusive no texto da Constituição de 1988, mas acabou caindo em desuso devido ao grande enfoque na deficiência das pessoas.
A utilização desse termo induz a enxergarmos a deficiência como a única característica que define a pessoa, sem levar em consideração outros aspectos, como habilidades, virtudes e competências pessoais e profissionais daquele indivíduo.
2º) PNE (Pessoa com Necessidades Especiais) -> Esse termo substituiu a sigla PPD, nos anos 90, mas continuou problemática, já que também enfatizava a deficiência, colocando a pessoa em posição de dependência, como se ela não conseguisse fazer as tarefas básicas do dia a dia.
3º) PcD (Pessoa com Deficiência) -> É o termo utilizado atualmente na legislação nacional e internacional. É o termo mais adequado para usar, já que foca na pessoa e não na sua deficiência.
Como bem ressaltado pelo ministro Gilmar Mendes, a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência foi o primeiro tratado internacional aprovado pelo rito legislativo previsto no art. 5º, § 3º, da Constituição Federal, o qual foi internalizado por meio do Decreto Presidencial 6.949/2009.
Assim, a Convenção ingressou em nosso ordenamento jurídico com força de emenda constitucional.
Por meio de referida convenção, os Estados se comprometeram a adotar medidas legislativas, administrativas e de quaisquer outras naturezas para implementação dos direitos nela reconhecidos e rechaçar, combater e erradicar, em plenitude, todas as formas, diretas e indiretas, de discriminação das pessoas com deficiência.
Conclusão
A nova lei é bem-vinda, já que a Constituição Federal estabelece a proteção dos vulneráveis como um dever do Estado, buscando assegurar direitos sociais e garantir a igualdade.
Logo, o aumento de pena para os crimes de maus-tratos a essas pessoas mais vulneráveis (crianças, idosos, PcDs) vem concretizar esse dever estatal e reafirmar o compromisso do Brasil com a dignidade da pessoa humana, fundamento da República insculpido no artigo 1º, III, da Carta Magna.
CF/88
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
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