Monitoramento das redes sociais: Big Brother na Suprema Corte?

Monitoramento das redes sociais: Big Brother na Suprema Corte?

Supremo Tribunal Federal vai monitorar redes sociais e rastrear usuários.

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

Big Brother na Suprema Corte? Entenda como vai funcionar o monitoramento

O STF anunciou a abertura de licitação para contratar uma empresa que será encarregada pelo monitoramento das redes sociais sobre conteúdos que envolvam a Corte. O valor do contrato, segundo o edital, é de R$345.000,00, e prevê duração de um ano. A iniciativa surge quando a Corte vem aumentando, ano a ano, o combate à disseminação de fake news e ataques sofridos na internet. O objetivo da medida é oferecer um ambiente digital mais seguro e informado.

A vencedora da licitação deverá fazer um acompanhamento minucioso em várias plataformas digitais, como Facebook, Twitter, Youtube, Instagram, TikTok e Linkedin. 

Como funcionará esse monitoramento?

A empresa responsável pelo monitoramento terá por atribuição acompanhar, de forma integral, as menções feitas ao STF nas diferentes redes sociais, o que inclui observação das postagens, análises sobre como a Corte é vista digitalmente, que tipo de assuntos são vinculados a ela e como esses tópicos são tratados pelo público, classificação do material relacionado à Corte.

A empresa também irá identificar quem são as pessoas que estão compartilhando os conteúdos — especialmente os autores de menções negativas. Consta no edital, inclusive, que a vencedora deve ser capaz de “identificar públicos, formadores de opinião, discursos adotados, georreferenciamento da origem das postagens, bem como avaliar a influência dos públicos, dos padrões das mensagens e de eventuais ações organizadas na web”.

A empresa contratada será responsável por entregar “relatórios com alertas (enviados por mensagem instantânea), relatórios analíticos (diário, semanal e mensal com análise quantitativa e qualitativa), boletins eventuais e elaboração de plano mensal de ação estratégica para atuação em redes sociais”, segundo informações do próprio edital de licitação.

O STF saberá, portanto, quem comentou algo sobre a corte e de onde essa pessoa disseminou a informação.

Justificativas e Objetivos do Monitoramento

O Supremo emitiu nota, afirmando que:

Trata-se de um serviço para compilar o conteúdo público das redes sociais sobre o STF, assim como já existe o clipping para as notícias dos jornais e dos sites. A consolidação do conteúdo público das redes é feito na maioria dos órgãos da administração pública e orienta os trabalhos da comunicação social, para a definição de temas que devem ser melhor explicados à sociedade, por exemplo”. 

A ferramenta vai desempenhar um relevante papel na prevenção e resposta às ameaças tanto à Corte quanto ao próprio estado democrático de direito, com a possibilidade de comunicação imediata de riscos institucionais à Polícia Federal.

Podemos apontar, em resumo, os seguintes procedimentos que serão efetivados pela nova ferramenta:

  • Monitoramento 24/7 de todas as principais redes sociais;
  • Análise detalhada da imagem e impacto das publicações relacionadas ao STF;
  • Relatórios periódicos que guiam as estratégias de comunicação e segurança do Supremo;
  • Colaboração direta com órgãos de segurança para garantir a integridade dos envolvidos;

Vistos os detalhes relacionados ao uso desta ferramenta, vamos à análise jurídica do tema. Será que esse monitoramento é constitucional, ou pelo menos adequado para uma Suprema Corte? Ou será que o direito à livre expressão do pensamento e da privacidade estão sendo atingidos?

Existem argumentos para ambas as correntes de pensamento.

Favoráveis ao monitoramento

Aqueles que defendem a medida advogam a tese que o monitoramento é medida salutar para garantir um ambiente digital mais seguro e confiável, sendo necessário para a salvaguarda das instituições, o que inclui o próprio Supremo Tribunal Federal, e do próprio estado democrático de direito.

Passe esses defensores, não há qualquer violação a direitos fundamentais, haja vista que as informações já são públicas, e a ferramenta irá apenas compilar esses dados para fins de acompanhamento e planejamento. 

Além do mais, esse protocolo serviria para prevenir e reprimir “práticas que afetam a confiança das pessoas no Supremo, distorcem ou alteram o significado das decisões e colocam em risco direitos fundamentais e a estabilidade democrática, como ressaltada pela Suprema Corte. Ou seja, o uso da ferramenta serviria para garantir a observância de diversos direitos fundamentais.

Contrários ao monitoramento

Já os críticos da medida afirmam que a ferramenta contribui para um patrulhamento indevido da opinião pública, pondo em xeque a liberdade de expressão e pensamento. Para esses, os termos utilizados para justificar a medida são extremamente vagos, imprecisos (defesa da verdade, riscos à democracia, fake news, confiança nas instituições), o que abriria espaço para uma ingerência desmedida sobre a privacidade e a liberdade de expressão do cidadão. 

Até que ponto uma crítica à determinada decisão do Supremo Tribunal Federal seria considerada uma ameaça à instituição? Quem teria a competência para definir o que é a verdade? A linha, de fato, é bastante tênue.

O STF estaria, de acordo com essa corrente de pensamento, inconformada com as críticas que vem recebendo de parte da sociedade, e essa seria uma reação desproporcional que acaba por restringir a liberdade de expressão garantida na própria Constituição Federal.

O monitoramento, portanto, seria uma mordaça em face de críticas ou objeções às medidas tomadas pelo Supremo Tribunal Federal. 

Outro ponto que se impõe: é papel de uma Suprema Corte realizar esse patrulhamento de ideias e pensamentos, ou isso deveria ser feito por outros órgãos de controle, já que muitas dessas questões acabarão chegando e sendo julgadas pelo próprio STF? Seriam os ministros isentos para julgar uma questão surgida em decorrência do uso dessa ferramenta? A imparcialidade seria preservada? São questões que precisam ser refletidas e ponderadas de forma parcimoniosa.   

Choque de valores

Diante de todo esse contexto fático-jurídico, podemos perceber um potencial choque de valores em relação ao monitoramento, a saber: LIBERDADE DE EXPRESSÃO X COMBATE ÀS FAKE NEWS.

A Constituição Federal garante, em seu artigo 5º: 

“IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;”

Já o artigo 220, da Carta Magna, complementa: 

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

 § 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.

§ 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.

Em contraponto, a mesma Constituição prescreve que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito e elenca, como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, em seu artigo 3º:

I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II – garantir o desenvolvimento nacional;

III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

O compartilhamento de fake news acaba por fragilizar o estado de direito na medida em que dissemina ódio, desinformação, discriminação, racismo, manipulação eleitoral etc., sendo, portanto, imprescindível o seu combate diuturno pela sociedade e pelo poder público. 

Esse estado de desinformação intencional pode resultar no cometimento de crimes de ódio, na alteração do resultado das eleições, no incitamento às revoltas populares contra as instituições e à própria República, além de enfraquecer a participação popular na condução do estado em decorrência da desconfiança forjada artificialmente. 

Ou seja, não se constrói uma sociedade livre, justa, fraterna, solidária, que combate o racismo e a discriminação, em um ambiente de ódio, de mentira, de desinformação e de preconceito.

Reflexões Finais sobre o Monitoramento

Enfim, o grande desafio é garantir um ambiente informacional seguro, ético, baseado na verdade, sem que haja restrição indevida à liberdade de expressão e crítica, sem que haja um estado policialesco de patrulhamento.

E para conseguir esse mundo ideal cabe a todos – sociedade, poder público, instituições, mercado, comunidade acadêmica – se comprometerem em construir pontes e utilizarem ferramentas e soluções que reprimam, de forma contundente, qualquer incitação ao ódio e desinformação, ao mesmo tempo em que fomentem a ampla liberdade de expressão, o debate crítico, a discussão saudável, a dialética necessária para o desenvolvimento de qualquer nação.

A adoção, pelo STF, de instrumentos de monitoramento é capaz de garantir esse ambiente saudável e seguro? Não sabemos com certeza. Precisamos acompanhar o desenrolar dos fatos. 

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