O Mandado de Segurança como controle da competência dos Juizados Especiais e os limites impostos pelo STJ

O Mandado de Segurança como controle da competência dos Juizados Especiais e os limites impostos pelo STJ

De início, vamos comentar o seguinte julgado do STJ:

mandado de segurança

Nessa linha, perceba que a estrutura recursal dos juizados especiais sempre representou um desafio para o direito processual brasileiro.

Isto porque foi concebido como microssistema orientado pelos princípios da celeridade, simplicidade e informalidade. No entanto, esse modelo impacta peculiaridades que exigiram da jurisprudência essa busca por harmonizar a busca pela efetividade com as garantias processuais fundamentais. Vamos explicar.

Nessa linha, em caráter excepcional, admitia-se o mandado de segurança como instrumento de controle da competência dos juizados, e agora, tivemos mais uma decisão importante.

O problema da ausência de recurso adequado

De início, a questão surge da constatação de uma lacuna recursal no sistema dos juizados especiais.

Quem julga as causas e os recursos no sistema dos Juizados?

Um Juiz do Juizado examina as causas em 1° grau. A Turma Recursal julga o recurso contra a sentença proferida pelo juiz do juizado. A Turma Recursal é um colegiado formado por três juízes (não é composta por Desembargadores), que tem a função de julgar os recursos contra as decisões proferidas pelo juiz do juizado. Funciona como instância recursal na estrutura dos Juizados Especiais.

Lei nº 9.099/95:

Art. 41. Da sentença, excetuada a homologatória de conciliação ou laudo arbitral, caberá recurso para o próprio Juizado.

§ 1º O recurso será julgado por uma turma composta por três Juízes togados, em exercício no primeiro grau de jurisdição, reunidos na sede do Juizado.

§ 2º No recurso, as partes serão obrigatoriamente representadas por advogado.

§  Instância julgadora em 1º grau: Juiz do Juizado.

§  Instância que julga os recursos:Turma Recursal.

Quais os recursos cabíveis contra as decisões proferidas pelo juiz do juizado?

🟠  Decisão interlocutória: não cabe qualquer recurso.

🟠  Sentença: contra a sentença, é possível interpor:

a) embargos de declaração;

b) recurso inominado.

Quais os recursos cabíveis contra as decisões proferidas pela Turma Recursal?

Contra os acórdãos prolatados pela Turma Recursal somente é possível interpor:

🟠  embargos de declaração;

🟠  recurso extraordinário.

No âmbito do sistema dos Juizados Especiais Federais, é possível, ainda, o pedido de uniformização de interpretação de lei federal. Ele é cabível quando houver divergência entre decisões sobre questões de direito material proferidas por Turmas Recursais na interpretação da lei (art. 14 da Lei nº 10.259/2001).

É cabível a interposição de Recurso Especial?

NÃO. Súmula 203-STJ: Não cabe recurso especial contra decisão proferida por órgão de segundo grau dos Juizados Especiais.

Por que é cabível o RE, mas não o REsp?

Previsão do RE na CF/88Previsão do REsp na CF/88
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:III — julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância […]Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:III — julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios […]

Desse modo, o RE é cabível contra causas decididas em única ou última instância por qualquer órgão jurisdicional. Já o REsp cabe somente contra causas decididas em única ou última instância pelo TJ ou TRF. Como a Turma Recursal não é Tribunal, suas decisões não desafiam REsp.

Súmula 640-STF: É cabível recurso extraordinário contra decisão proferida por juiz de primeiro grau nas causas de alçada, ou por turma recursal de juizado especial cível e criminal.

Vale ressaltar que somente caberá RE contra acórdão da Turma Recursal se a causa envolver questão constitucional.

Assim, frise-se contra decisões das turmas recursais, a legislação prevê apenas duas possibilidades: 1)os embargos de declaração, quando houver obscuridade, omissão ou contradição, e 2) o recurso extraordinário, caso presente questão constitucional.

Dessa maneira, lembre-se, o recurso especial, todavia, não é admitido, consoante o enunciado da Súmula 203 do Superior Tribunal de Justiça, que estabelece não caber recurso especial contra decisão proferida por órgão de segundo grau dos juizados especiais.

Situações processuais

Assim, essa limitação recursal gera situações processuais delicadas.

Por exemplo, consideremos o caso em que o juizado especial federal julga uma causa e, posteriormente, na fase de execução, verifica-se que o valor da condenação excede os 60 (sessenta) salários mínimos previstos no art. 3º da Lei 10.259/2001.

Veja, a parte prejudicada, conquanto alegue incompetência absoluta do juízo, não dispõe de recurso especial para submeter a questão ao STJ, uma vez que se trata de matéria infraconstitucional decidida por turma recursal.

Além disso, tampouco o recurso extraordinário seria cabível, porquanto a discussão não envolve questão constitucional, mas tão somente interpretação de legislação federal ordinária acerca dos limites de competência dos juizados.

Assim, foi justamente esse vácuo recursal que motivou a construção jurisprudencial objeto do presente estudo.

Entendimento STJ

Isto porque, em resposta a essa lacuna, o Superior Tribunal de Justiça desenvolveu entendimento segundo o qual é excepcionalmente cabível mandado de segurança perante os tribunais para fins específicos de controle da competência dos juizados especiais, inaugurando assim uma importante exceção à regra geral consagrada na Súmula 376 do STJ, que estabelece competir à turma recursal processar e julgar mandado de segurança contra ato de juizado especial:

Excepcionalmente, admite-se o conhecimento da impetração de mandado de segurança nos tribunais de justiça para fins de exercício do controle de competência dos juizados especiais.

STJ. 2ª Turma. AgInt no RMS 70.750-MS, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 8/5/2023 (Info 777).
É cabível mandado de segurança, a ser impetrado no Tribunal Regional Federal, com a finalidade de promover o controle da competência dos Juizados Especiais Federais.

STJ. 2ª Turma. RMS 37959-BA, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 17/10/2013 (Info 533).

Marco inicial

Ora, o marco inicial dessa construção encontra-se no RMS 37.959/BA, relatado pelo Ministro Herman Benjamin e julgado pela Segunda Turma do STJ em 17 de outubro de 2013.

Isto porque, nesses precedentes, o STJ assentou ser cabível mandado de segurança, a ser impetrado no Tribunal Regional Federal, com a finalidade específica de promover o controle da competência dos Juizados Especiais Federais.

Por exemplo, tratava-se de situação em que o INSS questionava a competência do juizado para julgar execução cujo valor excedia os limites legais, tendo a autarquia se insurgido mediante mandado de segurança após ver rejeitada sua exceção de incompetência.

Inclusive, como vimos, a Terceira Turma, sob a relatoria do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, reafirmou e aprofundou esse entendimento no RMS 48.413/MS, julgado em 4 de junho de 2019.

Assim, o acórdão não apenas confirmou a tese do precedente de 2013, mas também explicitou com maior clareza os fundamentos que justificam essa excepcionalidade, destacando que, quando o cerne da controvérsia é a própria definição de qual órgão jurisdicional deve julgar a causa, não faz sentido que a turma recursal, integrante do sistema dos juizados, decida sobre os limites de competência desse mesmo sistema. Impõe-se, nessa hipótese, o controle externo exercido pelos tribunais.

Julgado recente

Mais recentemente, no AgInt no RMS 70.750/MS, julgado em 8 de maio de 2023, a Segunda Turma, sob a relatoria do Ministro Francisco Falcão, aplicou concretamente esse entendimento.

No caso, tratava-se de ação de fornecimento de medicamento em que a turma recursal havia reconhecido a incompetência da justiça estadual, determinando a remessa à justiça federal sob o fundamento de que exclusivamente a União adquiria o medicamento.

Nessa linha,o autor impetrou mandado de segurança no tribunal de justiça, que declinou da competência com base na Súmula 376.

Logo, ao reformar essa decisão, o STJ, invocando expressamente o precedente do RMS 48.413/MS, reafirmou que, embora a regra geral estabeleça a competência da turma recursal para julgar mandado de segurança contra ato de juizado, essa regra comporta exceção quando o objeto do writ é o exercício do controle de competência dos juizados especiais.

A vedação imposta pelo RMS 69.603/SP

Então, em resumo, conquanto consolidado o entendimento sobre o cabimento excepcional do mandado de segurança para controle de competência, a jurisprudência do STJ recentemente enfrentou questão ainda mais delicada: seria possível utilizar esse instrumento quando a decisão sobre competência já transitou em julgado?

E nessa linha, a resposta veio no RMS 69.603/SP, relatado pelo Ministro Paulo Sérgio Domingues e julgado por unanimidade pela Primeira Turma em 14 de outubro de 2025:

O art. 5°, III, da Lei n. 12.016/2009 impede que seja concedido mandado de segurança cujo objeto seja decisão judicial transitada em julgado, ainda que o objetivo seja o controle de competência dos Juizados Especiais.

RMS 69.603-SP, Rel. Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 14/10/2025.

Perceba, nesse caso específico, o mandado de segurança fora impetrado contra acórdão de turma recursal que havia rejeitado alegação de incompetência de juizado especial, mas a particularidade residia no fato de que a decisão já havia transitado em julgado.

Nessa linha, o Tribunal de Justiça indeferiu a petição inicial invocando a vedação expressa do art. 5º, inciso III, da Lei 12.016/2009, que estabelece não caber mandado de segurança contra decisão judicial transitada em julgado, bem como o enunciado da Súmula 268 do Supremo Tribunal Federal.

Assim, ao manter a decisão do tribunal estadual, o STJ realizou importante distinção em relação aos precedentes anteriormente mencionados.

Outros julgados

Primeiro, o Ministro Relator destacou que nenhum dos julgados que admitiram o mandado de segurança para controle de competência havia enfrentado a situação específica de decisão já acobertada pela coisa julgada.

Com efeito, o precedente inaugural da Corte Especial que admitiu essa possibilidade é anterior à vigência da Lei 12.016/2009, de sorte que não se discutiu, naquela oportunidade, a aplicação da vedação legal expressa contida no artigo 5º, inciso III, daquele diploma.

Outrossim, o Ministro Paulo Sérgio Domingues observou que, embora alguns julgados posteriores à vigência da Lei 12.016/2009, especificamente o RMS 30.170/SC e o RMS 37.775/ES, tenham mencionado a possibilidade de mandado de segurança para controle de competência mesmo após o trânsito em julgado, tratava-se de decisões de órgãos fracionários da Segunda Seção do STJ, sem caráter vinculante para os demais órgãos da Corte.

Por conseguinte, na ausência de precedente qualificado sobre o tema, deve prevalecer a vedação legal expressa, sob pena de se atribuir ao mandado de segurança caráter rescisório que o legislador deliberadamente quis evitar no âmbito dos juizados especiais.

Assim, o que o RMS 69.603/SP estabeleceu foi um limite temporal claro: uma vez operado o trânsito em julgado, nem mesmo a excepcionalidade do controle de competência justifica o manejo do mandado de segurança, prevalecendo a proteção à coisa julgada e aos objetivos de celeridade e definitividade que norteiam o sistema dos juizados especiais.

Como o tema já foi cobrado em provas

Prova: CESPE / CEBRASPE - 2019 - TJ-BA - Juiz Leigo

Nos juizados especiais, admite-se o mandado de segurança em caso de

Alternativas

A) decisão ilegal que acarrete dano real (dano ex iure e ex facto).

B) deferimento ou indeferimento de prova documental, pericial ou testemunhal.

C) admissão de prova supostamente ilícita ou ilegal.

D) admissão de prova emprestada.

E) decisão de inversão do ônus da prova.

Gab.: A.

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