Imagine a Vale, uma empresa brasileira, que tem empresas controladas em outros países (Bélgica, Dinamarca, Luxemburgo e Bermudas).
Quando essas empresas controladas têm lucro, surge a questão: o Brasil pode cobrar impostos sobre esses lucros? E quando?
VALE (contra a tributação) | FAZENDA NACIONAL (a favor da tributação) |
Argumento central: Os tratados internacionais assinados pelo Brasil proíbem a dupla tributação do mesmo lucro. | Argumento central: A tributação incide sobre o aumento patrimonial da empresa brasileira, não sobre o lucro da empresa estrangeira. |
Como funciona: O lucro já é tributado no país onde a empresa controlada está estabelecida (Bélgica, Dinamarca, Luxemburgo). A tributação no Brasil só deveria ocorrer quando esse lucro for efetivamente distribuído para cá. | Como funciona: Quando a controlada no exterior obtém lucro, o patrimônio da controladora brasileira aumenta automaticamente, refletindo no balanço através do Método de Equivalência Patrimonial (MEP). É esse aumento patrimonial que deve ser tributado. |
Analogia usada: Similar a um trabalhador brasileiro no exterior – ele paga impostos no país onde trabalha e só pagaria impostos no Brasil quando trouxesse o dinheiro para cá. | Analogia usada: Como uma pessoa com conta bancária no exterior – o Brasil não tributa o banco estrangeiro, mas tributa o titular da conta (residente no Brasil) pelo aumento do seu patrimônio. |
Exceção reconhecida: Para a controlada nas Bermudas, como não há tratado internacional, a tributação seria possível. | Base legal: Utiliza o princípio da universalidade do sistema tributário brasileiro, que permite tributar residentes por seus rendimentos globais. |
Contexto

Qual é o pano de fundo? A grande questão é: quando uma empresa controlada no exterior tem lucro, isso representa um aumento real do patrimônio da empresa brasileira (que deveria ser tributado imediatamente) ou é apenas um lucro estrangeiro que só deveria ser tributado quando vier para o Brasil?
O Supremo Tribunal Federal (STF) já tinha decidido que essa tributação é possível (na ADI 2.588 e outros casos). Porém, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), no caso específico da Vale, entendeu diferente, dizendo que os tratados internacionais impediriam essa tributação. Agora o STF está reanalisando a questão.
Para simplificar ainda mais: é como se o debate fosse "quando sua filha que mora no exterior ganha dinheiro, seu patrimônio aumenta imediatamente (visão da Fazenda) ou só quando ela te mandar o dinheiro (visão da Vale)?"
Em um dos casos mais relevantes em discussão no STF em 2025, envolvendo a tributação de lucros auferidos no exterior por empresas brasileiras, temos como protagonista a Vale S/A em um embate que movimenta cifras bilionárias e princípios fundamentais do direito tributário internacional.
Nessa linha, a Fazenda Nacional defendeu a tributação desses lucros. Argumentou que o caso transcende a mera interpretação de tratados internacionais, envolve a própria efetividade do sistema constitucional tributário brasileiro e a autoridade das decisões do STF, que já reconheceu a constitucionalidade do art. 74 da Medida Provisória (MP) 2.158-35/2001:
Decisões
O STF, por maioria, julgou parcialmente procedente a ação, para conferir interpretação conforme, no sentido de que o art. 74 da MP nº 2.158-35/2001 não se aplica às empresas “coligadas” localizadas em países sem tributação favorecida (não “paraísos fiscais”), e que o referido dispositivo se aplica às empresas “controladas” localizadas em países de tributação favorecida ou desprovidos de controles societários e fiscais adequados ("paraísos fiscais", assim definidos em lei). Também, por maioria, o STF declarou inconstitucional a retroatividade prevista no parágrafo único do art. 74 da MP 2.158-35, de 2001. O dispositivo prevê que “os lucros apurados por controlada ou coligada no exterior até 31 de dezembro de 2001 serão considerados disponibilizados em 31 de dezembro de 2002, salvo se ocorrida, antes desta data, qualquer das hipóteses de disponibilização previstas na legislação em vigor”. Nesse ponto, os Ministros destacaram que a retroatividade fica afastada tanto para controladas e coligadas situadas em paraísos fiscais quanto para aquelas instaladas em países de tributação não favorecida. STF. Plenário. ADI 2588/DF, rel. orig. Min. Ellen Gracie, red. p/ o acórdão Min. Joaquim Barbosa, 10/4/2013 (Informativo 701).
A questão central, segundo a argumentação fazendária, não reside na tributação da empresa estrangeira – o que de fato existe uma vedação pelos tratados internacionais – mas sim na tributação do lucro da controladora brasileira, obtido através de suas controladas no exterior.
O STF estabeleceu claramente este entendimento em diversos precedentes. Ressalta-se, especialmente, a ADI 2.588, o RE 611.586 (com repercussão geral – Tema 537) e o RE 541.090.
No entanto, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o caso específico da Vale, entendeu pela prevalência dos tratados internacionais sobre a legislação interna. Isso gerou uma interpretação que, segundo a Fazenda Nacional, não apenas contraria os precedentes do STF, mas também viola diretamente diversos dispositivos constitucionais.
O caso ganha especial relevância não apenas pelo valor envolvido - aproximadamente R$ 26 bilhões - mas principalmente por seu potencial de definir os contornos da tributação internacional no Brasil e a efetividade do sistema de precedentes.
Argumentos da Fazenda Nacional
De início, a principal discussão paira em torno do seguinte artigo:
Art 74. Para fim de determinação da base de cálculo do imposto de renda e da CSLL, nos termos do art. 25 da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995, e do art. 21 desta Medida Provisória, os lucros auferidos por controlada ou coligada no exterior serão considerados disponibilizados para a controladora ou coligada no Brasil na data do balanço no qual tiverem sido apurados, na forma do regulamento. Parágrafo único. Os lucros apurados por controlada ou coligada no exterior até 31 de dezembro de 2001 serão considerados disponibilizados em 31 de dezembro de 2002, salvo se ocorrida, antes desta data, qualquer das hipóteses de disponibilização previstas na legislação em vigor.
Pode-se sintetizar o argumento central da Fazenda Nacional em uma premissa fundamental: o que se está tributando não é o lucro da empresa estrangeira (controlada), mas sim o lucro da empresa brasileira (controladora).
Este ponto é crucial porque desmonta toda a construção argumentativa contrária baseada nos tratados internacionais.
Para entender melhor, vamos usar uma analogia: quando uma empresa brasileira tem uma filial no Brasil, o lucro dessa filial é automaticamente considerado lucro da matriz, certo?
O que a Fazenda Nacional argumenta é que, no caso das controladas no exterior, ocorre algo semelhante. Isto é, através do Método de Equivalência Patrimonial (MEP), o lucro da controlada no exterior passa a integrar o patrimônio da controladora brasileira no momento da apuração do balanço.
O STF estabeleceu esta compreensão em diversos precedentes, especialmente na ADI 2.588 e no RE 611.586. O Ministro Teori Zavascki foi muito claro ao afirmar que “a tributação não está prevista para incidir sobre lucro obtido por empresa situada no exterior, mas, sim, sobre os lucros obtidos por empresa situada no Brasil, provenientes de fonte situada no exterior.”
Assim, quando o STJ decide que os tratados internacionais impedem essa tributação, ele comete dois equívocos fundamentais segundo a Fazenda Nacional. Primeiro, ignora os precedentes vinculantes do STF. Segundo, ele parte de uma premissa equivocada de que se estaria tributando a empresa estrangeira, quando na verdade se tributa o acréscimo patrimonial da empresa brasileira.
Isso significa que não há conflito real entre a legislação brasileira e os tratados internacionais, pois estes proíbem a tributação da empresa estrangeira (o que de fato não está ocorrendo), mas não impedem que o Brasil tribute o lucro de suas empresas nacionais, independentemente da origem desses lucros.
O que decidiu o STF até agora?
Argumentos contra a tributação
O Ministro André Mendonça votou contra a Fazenda Nacional impedindo a tributação.
No mérito, o ministro desenvolveu sua argumentação em torno de alguns pontos fundamentais:
- Diferença entre as normas brasileiras e internacionais: enquanto outros países adotaram regras específicas (CFC rules) para tributar apenas situações suspeitas de evasão fiscal, o Brasil optou por uma tributação universal (full inclusion) de todos os lucros de empresas controladas no exterior, independentemente da natureza da operação.
- Prevalência dos tratados: os acordos internacionais firmados pelo Brasil com aqueles três países na década de 1970 preveem expressamente que os lucros de uma empresa só podem ter tributação no país onde ela está estabelecida (art. 7 dos tratados), salvo exceções específicas.
- Método de Equivalência Patrimonial (MEP): o ministro rejeitou o argumento da Fazenda de que o MEP seria uma forma diferente de tributação que não conflitaria com os tratados. Para ele, o MEP é apenas um método contábil neutro que não altera a natureza do que está sendo tributado – que continua sendo o lucro das empresas controladas.
- Contextualização histórica: o ministro ressaltou que estes acordos foram firmados em um momento em que o Brasil buscava atrair investimentos estrangeiros. Ademais, eventual perda de arrecadação sobre empresas brasileiras seria compensada pela vinda de multinacionais.
- Segurança jurídica: destacou que mudar a interpretação dos tratados agora prejudicaria a confiança dos contribuintes que estruturaram suas operações com base na legislação vigente à época dos fatos.
Tratados com países
Diante do caso concreto, quanto à Vale, André Mendonça referenciou que suas empresas controladas na Bélgica, Dinamarca e Luxemburgo estão “protegidas” pelos tratados contra a tributação. Tais tratados impedem a aplicação da legislação brasileira.
Por outro lado, apenas para a controlada que esteja situada nas Bermudas (país com o qual não há acordo) se aplicaria a tributação prevista no art. 74 da MP 2.158-35/2001.
De outra banda, o Ministro fez questão de ressaltar que sua decisão não significa omissão com práticas evasivas. Isto porque, apenas em casos de empresas estabelecidas em paraísos fiscais ou com intuito comprovado de evasão, a tributação seria possível. Isso já é uma decisão do STF através da ADI 2.588/DF.
Por fim, concluiu que a pretensão da Fazenda Nacional poderia prejudicar não apenas as relações internacionais do Brasil, mas também o ambiente de negócios e a própria credibilidade do sistema jurídico-tributário brasileiro.
Argumentos a favor da tributação
O Ministro Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes votaram a favor da Fazenda Nacional permitindo a tributação.
Ministro Gilmar Mendes argumentou que:
A questão é constitucional e não meramente de interpretação de tratados internacionais. Embora reconheça a importância dos tratados internacionais tributários para evitar a bitributação, entende que não há conflito entre o artigo 74 da MP 2.158-35/2001 e os tratados, pois a norma brasileira tributa o acréscimo patrimonial da empresa controladora residente no Brasil, sem violar os tratados.
Explicou que os tratados visam evitar apenas a dupla tributação jurídica (mesmo sujeito, mesma renda), e não a tributação econômica decorrente de diferentes situações.
Destacou que a própria OCDE reconhece a validade das normas CFC (Controlled Foreign Company) como instrumentos legítimos para proteger a base tributária nacional.
Ministro Alexandre de Moraes acompanhou o voto de Gilmar Mendes, acrescentando que:
A matéria é constitucional e atrai a competência do STF. Citou precedentes do STF (RE 611.586-RG e RE 541.090) que já haviam reconhecido a constitucionalidade do artigo 74 da MP 2.158-35 para empresas controladas, mesmo as localizadas em países sem tributação favorecida (não considerados paraísos fiscais).
Concordou que não há conflito entre a legislação brasileira e as diretrizes internacionais. Isso porque o sistema tributário brasileiro se baseia no princípio da universalidade. Assim, permite-se tributar empresas residentes por seus rendimentos globais. Destacou ainda que a não utilização do Método de Equivalência Patrimonial importaria em privilégio anti-isonômico às empresas controladas.
Ambos os ministros votaram pelo provimento do Agravo Regimental e do Recurso Extraordinário para restabelecer o acórdão do TRF-2, que havia permitido a tributação.
Resumo
A FAVOR da tributação | CONTRA a tributação |
Gilmar Mendes: Entende que não há conflito entre o art. 74 da MP 2.158-35/2001 e os tratados internacionais, pois a norma brasileira tributa o acréscimo patrimonial da empresa controladora residente no Brasil. Os tratados visam evitar apenas a dupla tributação jurídica, não a tributação econômica. | André Mendonça: Defende que os acordos internacionais firmados pelo Brasil preveem expressamente que os lucros de uma empresa só podem ser tributados no país onde ela está estabelecida (artigo 7 dos tratados). O Brasil optou por uma tributação universal enquanto outros países adotaram regras específicas apenas para situações suspeitas. |
Alexandre de Moraes: Acompanha Gilmar Mendes e acrescenta que o sistema tributário brasileiro se baseia no princípio da universalidade, permitindo tributar empresas residentes por seus rendimentos globais. Cita precedentes do STF que já reconheceram a constitucionalidade do artigo 74 da MP. |
Como o tema já caiu em provas
(ESAF 2013 Receita Federal) As filiais, sucursais, agências ou representações no País das pessoas jurídicas com sede no exterior sujeitam-se à incidência do Imposto de Renda sobre Pessoas Jurídicas - IRPJ. (Certo).
(ESAF 2013 Receita Federal) As sociedades coligadas e controladas, com sede no exterior, que tenham as respectivas pessoas jurídicas controladoras residentes ou domiciliadas no Brasil, não são sujeitos passivos do Imposto de Renda sobre Pessoas Jurídicas - IRPJ. (Certo).
Isso cairá em provas.
Fique ligado!
Quer saber quais serão os próximos concursos?
Confira nossos artigos para Carreiras Jurídicas!