O debate sobre o impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) ganhou destaque recentemente no cenário político-jurídico brasileiro.
Em síntese, a discussão, que toca em questões fundamentais sobre “federalismo”, a separação de poderes e até equilíbrios institucionais, foi recentemente abordada pelo presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, em entrevista à CNN Brasil:
A partir do 00min46 segundos o Ministro comentou:
“Você tem os onze jogadores (mesmo número de ministros do STF). Evidentemente, a gente tem posições diferentes, cada um tem a sua estratégia. Faz parte do jogo. Mas quando um dos times passa a trabalhar para que puxem jogadores do outro time, você deixou de jogar e não quer deixar que o outro time jogue, portanto. Eu acho que o impeachment é um elemento não desejável do debate público, que é querer expulsar o jogador do outro time”.
Assim, a análise do tema requer uma compreensão profunda do sistema jurídico brasileiro, do papel do STF na democracia e das implicações de tal medida para a estabilidade institucional do país.
Vamos fazer a análise do impeachment de Ministros do STF.
Na história brasileira, nunca tivemos um “impeachment” de Ministro do STF, porém, já tivemos quanto ao de Presidente da República, quando o STF já decidiu alguns temas relevantes sobre o rito:
Principais conclusões do STF na decisão que definiu o rito do processo de impeachment da Presidente Dilma: 1) Não há direito à defesa prévia antes do recebimento da denúncia pelo Presidente da Câmara. 2) É possível a aplicação subsidiária dos Regimentos Internos da Câmara e do Senado que tratam sobre o impeachment, desde que sejam compatíveis com os preceitos legais e constitucionais pertinentes. 3) Após o início do processo de impeachment, durante a instrução probatória, a defesa tem o direito de se manifestar após a acusação. 4) O interrogatório deve ser o ato final da instrução probatória. 5) O recebimento da denúncia no processo de “impeachment” ocorre apenas após a decisão do Plenário do Senado Federal. Assim, a Câmara dos Deputados somente atua no âmbito pré-processual, não valendo a sua autorização como um recebimento da denúncia, em sentido técnico. Compete ao Senado decidir se deve receber ou não a denúncia cujo prosseguimento foi autorizado pela Câmara. O Senado não está vinculado à decisão da Câmara. 6) A decisão do Senado que delibera se instaura ou não o processo se dá pelo voto da maioria simples, presente a maioria absoluta de seus membros. 7) É possível a aplicação analógica dos arts. 44, 45, 46, 47, 48 e 49 da Lei 1.079/1950 — os quais determinam o rito do processo de “impeachment” contra Ministros do STF e o PGR — ao processamento no Senado Federal de crime de responsabilidade contra o Presidente da República. 8) Não é possível que sejam aplicadas, para o processo de impeachment, as hipóteses de impedimento do CPP. Assim, não se pode invocar o impedimento do Presidente da Câmara para participar do processo de impeachment com base em dispositivos do CPP. 9) A eleição da comissão especial do impeachment deve ser feita por indicação dos líderes e voto aberto do Plenário. Os representantes dos partidos políticos ou blocos parlamentares que irão compor a chapa da comissão especial da Câmara dos Deputados deverão ser indicados pelos líderes, na forma do Regimento Interno da Câmara dos Deputados. Assim, não é possível a apresentação de candidaturas ou chapas avulsas para a formação da comissão especial. STF. Plenário. ADPF 378/DF, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 16, 17 e 18/12/2015 (Info 812).
A partir disso, vamos extrair as lições. O que significa impeachment?
Impeachment é uma palavra de origem inglesa que significa “impedimento” ou “impugnação”.
Juridicamente falando, o vocábulo impeachment tem dois significados:
1º) Consiste no nome dado ao processo instaurado para apurar se o Presidente da República, o Governador, o Prefeito e outras autoridades praticaram crime de responsabilidade. Ex.: foi aberto o processo de impeachment da Presidente Dilma Roussef.
2º) É como se chama uma das sanções (punições) aplicadas ao governante que foi condenado por crime de responsabilidade. O Presidente da República que é condenado por crime de responsabilidade recebe duas sanções:
a) A perda do cargo (denominada de impeachment). Ex.: os Senadores aprovaram o impeachment do ex-Presidente Fernando Collor.
b) A inabilitação para o exercício de funções públicas por 8 anos.
Quais autoridades podem sofrer um processo de impeachment?
- Presidente da República;
- Vice-Presidente da República;
- Ministros de Estado (nos crimes conexos com aqueles praticados pelo Presidente da República);
- Ministros do STF;
- membros do CNJ e do CNMP;
- Procurador-Geral da República;
- Advogado-Geral da União;
- Governadores;
- Prefeitos.
Diferenças do rito do Impeachment
O processo de impeachment de um Ministro do STF difere do impeachment presidencial em aspectos cruciais, principalmente no que diz respeito ao seu início e tramitação.
Enquanto o processo contra o Presidente da República começa na Câmara dos Deputados, o procedimento contra um Ministro do Supremo inicia-se diretamente no Senado Federal. Esta distinção está fundamentada na Constituição Federal, em seus artigos 51 e 52.
No caso presidencial, o artigo 51, inciso I, da Constituição estabelece que compete privativamente à Câmara dos Deputados “autorizar, por dois terços de seus membros, a instauração de processo contra o Presidente e o Vice-Presidente da República e os Ministros de Estado”.
Por outro lado, para os Ministros do STF, o artigo 52, inciso II, determina que compete privativamente ao Senado Federal “processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal”.
Esta diferença reflete a estrutura de checks and balances (freios e contrapesos) do sistema político brasileiro. No caso presidencial, a Câmara funciona como um filtro inicial, representando a vontade popular mais direta, antes que o processo chegue ao Senado. Para os Ministros do STF, considerou-se que o Senado, como casa representativa dos Estados, teria a maturidade institucional necessária para conduzir todo o processo desde o início.
Uma importante informação, qualquer cidadão brasileiro pode apresentar uma denúncia, desde que bem fundamentada e acompanhada de provas ou testemunhas.
Apenas a título ilustrativo, “Senado já tem ao menos 47 pedidos de impeachment contra ministros do STF” (de 2021 a 2024), o recordista é o ministro Alexandre de Moraes, com 22, vide: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/senado-ja-tem-ao-menos-47-pedidos-de-impeachment-contra-ministros-do-stf/
E quais são as hipóteses de Impeachment de Ministro do STF e como é o rito especificamente?
Há “tudo” na Lei nº 1.079, de 10 de abril de 1950, também conhecida como Lei do Impeachment. Nessa linha, ela lei define os crimes de responsabilidade e regula o respectivo processo de julgamento.
Especificamente para os Ministros do STF, a lei dedica sua Parte Terceira, que compreende os artigos 39 a 73, detalhando o seguinte:
- Quais os crimes de responsabilidade dos Ministros do STF (art. 39);
- Como é o processo de denúncia (arts. 41-43);
- Como se faz a formação da acusação (arts. 44-46);
- Como funciona o julgamento (arts. 47-73).
Vamos fazer um breve resumo, ok?
Primeiramente, o artigo 39 da Lei 1.079/1950 enumera as condutas que constituem crimes de responsabilidade dos Ministros do STF:
"Art. 39. São crimes de responsabilidade dos Ministros do Supremo Tribunal Federal: 1- alterar, por qualquer forma, exceto por via de recurso, a decisão ou voto já proferido em sessão do Tribunal; 2- proferir julgamento, quando, por lei, seja suspeito na causa; 3- exercer atividade político-partidária; 4- ser patentemente desidioso no cumprimento dos deveres do cargo; 5- proceder de modo incompatível com a honra dignidade e decoro de suas funções."
Para o advogado Clóvis Bertolini, doutorando em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e mestre em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo (USP), a definição de crime de responsabilidade para ministros do STF é vaga, assim como ocorre com presidentes da República.
“Quando a lei do impeachment foi editada, em 1950, o Brasil vinha do regime totalitário de Getúlio Vargas e tentou-se impedir alguns abusos cometidos os anos 1930 e 1940, mas não houve um detalhamento sobre o que poderia constituir um crime de responsabilidade para um ministro do STF“, disse Bertolini à BBC News Brasil.
BBC News Brasil. Moraes na berlinda? Como funcionaria impeachment de ministro do STF. BBC News Brasil, 14 ago. 2024. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/c1w70zxglx7o. Acesso em: 30 set. 2024.
Ademais, o rito do impeachment de um Ministro do STF envolve diversas etapas. Inicialmente, o Presidente do Senado avalia a admissibilidade da denúncia.
Se aceita, forma-se uma Comissão Especial composta por 21 Senadores, que analisará o caso e emitirá um parecer. Este parecer é então votado no plenário do Senado, necessitando de maioria simples para prosseguir.
Caso aprovado, o Ministro acusado tem a oportunidade de se defender.
Após a defesa, a Comissão Especial reavalia o caso e o Senado vota novamente.
Aqui, se o processo continuar, o Ministro é afastado temporariamente e o caso segue para julgamento, presidido pelo Presidente do STF.
A etapa final é uma votação no Senado, onde é necessário o voto de dois terços dos senadores para aprovar o impeachment.
Se aprovado, o Ministro perde o cargo e pode ficar inabilitado para funções públicas por até cinco anos.
Em outras palavras, pode-se trazer o rito:
Autorização: cabe ao presidente do Senado autorizar o início do processo de impeachment de um ministro do STF ou não. Se ele autorizar, o caso vai para a fase seguinte; Comissão especial: cria-se uma comissão especial formada por integrantes do Senado. Essa comissão terá a função de elaborar um relatório sobre a denúncia e aprovar, preliminarmente, se ela atende os requisitos legais ou não. Após a elaboração do relatório, ele pode ser aprovado ou rejeitado. Se for aprovado por maioria simples (metade mais um dos presentes à comissão), o relatório é encaminhado ao Plenário do Senado; Admissibilidade no Plenário: caberá ao Plenário do Senado votar pela admissibilidade da denúncia. Se o relatório for aprovado por maioria simples, o processo de impeachment tem prosseguimento. Caso isso ocorra, o ministro é afastado do seu cargo pelo prazo de até 180 dias. Se o processo não for julgado neste prazo, o afastamento preliminar perde a validade e o ministro pode voltar ao cargo até que haja a finalização do caso; Julgamento: nesta fase, há a coleta de provas, depoimentos e o ministro alvo do processo pode, se quiser, fazer sua defesa no Plenário do Senado. Nesta etapa, a condução dos trabalhos do julgamento no Senado será feita pelo presidente do STF. Ao final desta fase, é feita uma votação. Para a perda do cargo, é preciso que pelo menos dois terços dos senadores votem a favor do impeachment. BBC News Brasil. Moraes na berlinda? Como funcionaria impeachment de ministro do STF. BBC News Brasil, 14 ago. 2024. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/c1w70zxglx7o. Acesso em: 30 set. 2024.
Perspectiva internacional
Em uma perspectiva internacional, o processo de “impeachment” de juízes das supremas cortes varia significativamente.
Nos Estados Unidos, por exemplo, os juízes da Suprema Corte também podem sofrer impeachment, em um processo semelhante ao brasileiro[1]. Segundo a Constituição americana, eles exercem o cargo “durante bom comportamento”, o que na prática significa vitaliciedade, a menos que sejam removidos por impeachment.
Na Alemanha[2], por outro lado, os juízes do Tribunal Constitucional Federal podem ser removidos pelo próprio Tribunal, em um processo interno, se violarem princípios da Lei Fundamental ou se forem condenados a mais de seis meses de prisão.
Por fim, no Reino Unido, os juízes da Suprema Corte podem sofrer uma espécie de remoção por uma resolução aprovada por ambas as casas do Parlamento. No entanto, isso nunca ocorreu na história[3].
Em verdade, nunca houve em nenhum dos 3 países citados, o único que deu início foi nos Estados Unidos, em que houve uma tentativa notável em 1804 contra o juiz Samuel Chase. Entretanto, o processo foi iniciado na Câmara dos Representantes, mas Chase foi absolvido pelo Senado em 1805[4].
Como o tema já foi cobrado em concursos
Provas: FUNDATEC - 2024 - Prefeitura de Cruzaltense - RS - Procurador Geral Em que casos o Presidente ficará suspenso de suas funções? Alternativas A)Nos crimes de responsabilidade, porém somente após a autorização de 2/3 dos Governadores. B)Nos crimes de responsabilidade, após a instauração de processo pela Câmara dos Deputados e submissão ao Senado Federal. C)Nas infrações penais comuns, se autorizado pela Câmara dos Deputados. D)Nos crimes de responsabilidade, após a instauração do processo pelo Senado Federal. E)Nas infrações penais comuns, se recebida a denúncia pelo Senado Federal. Gabarito: D
[1]UNITED STATES COURTS. About Federal Judges. [S. l.], [20–?]. Disponível em: https://www.uscourts.gov/judges-judgeships/about-federal-judges. Acesso em: 30 set. 2024.
[2]ALEMANHA. Act on the Federal Constitutional Court (Bundesverfassungsgerichtsgesetz – BVerfGG). Berlim: Bundesverfassungsgericht, 1951. Disponível em: https://www.bundesverfassungsgericht.de/SharedDocs/Downloads/EN/Gesetze/BVerfGG.pdf?__blob=publicationFile&v=10. Acesso em: 30 set. 2024.
[3]COURTS AND TRIBUNALS JUDICIARY. Independence. [S. l.], [20–?]. Disponível em: https://www.judiciary.uk/about-the-judiciary/the-judiciary-the-government-and-the-constitution/jud-acc-ind/independence/. Acesso em: 30 set. 2024.
[4][4]UNITED STATES SENATE. The Impeachment of Samuel Chase. [S. l.], [20–?]. Disponível em: https://www.senate.gov/about/powers-procedures/impeachment/samuel-chase.htm. Acesso em: 30 set. 2024.
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