* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Entenda o que aconteceu
Foi divulgada a notícia de que uma mulher teria sido presa por ter recebido, durante 12 anos, uma pensão alimentícia de 8 homens diferentes relativa ao mesmo filho (alimentando).
O caso, que pode se enquadrar como fraude, teria ocorrido em Campina Grande, cidade do interior da Paraíba.
Então, se for verdade, quais as implicações jurídicas desse caso? É o que veremos agora.
Análise jurídica
Direito a alimentos
O direito a alimentos tem assento constitucional, fundado no princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF) e no direito à vida (art. 5º, caput, CF).
CF
“Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...)
III - a dignidade da pessoa humana;
...
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes...”
A pensão alimentícia é um direito legal que garante o auxílio financeiro para cobrir as necessidades básicas de uma pessoa, não se limitando apenas à alimentação, mas incluindo moradia, saúde, educação, vestuário, lazer.
Para ter direito à pensão, a pessoa que a solicita (alimentando) precisa comprovar a sua necessidade, e a pessoa que paga (alimentante) precisa comprovar a sua possibilidade de arcar com os custos. Além disso, podem ter direito à pensão filhos, ex-cônjuges, ex-companheiros, pais e até mesmo a mãe gestante, dependendo da situação e da análise judicial.

Não há um valor ou percentual certo e pré-determinado para o pagamento da pensão alimentícia. Para o cálculo, considera-se as possibilidades financeiras daquele que tem a obrigação de pagar e a necessidade de quem receberá o benefício (binômio necessidade-possibilidade).
O objetivo da pensão é garantir o pagamento dos custos necessários à sobrevivência daquele que tem o direito a receber a pensão, sem que isso prejudique, de forma significativa, as condições de subsistência do devedor.
É recomendável que haja o desconto da pensão alimentícia em folha de pagamento (caso o alimentante receba salário em folha), sendo este o meio menos oneroso para ambas as partes, além de garantir segurança no seu recebimento e o devido reajuste, evitando que a pensão seja corroída pela inflação.
Direito a sigilo
O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que é possível, em ação de oferta de alimentos, deferir a quebra dos sigilos fiscal e bancário do alimentante para aferir a sua real capacidade financeira (REsp n. 2.126.879).
O relator do recurso, ministro Moura Ribeiro, ressaltou que o direito aos sigilos fiscal e bancário não é absoluto, podendo ser relativizado diante de outro direito relevante e fundamental.
A quebra de sigilo é justificada na ação de oferta de alimentos quando não há outra forma de saber a real condição financeira do alimentante.
No caso concreto, restou configurada uma fundada controvérsia a respeito da capacidade financeira do pai, sendo necessária a quebra de sigilo para se fixar um valor justo e adequado a título de alimentos.
Entre o princípio da inviolabilidade fiscal e bancária e o direito alimentar, deve prevalecer o segundo, que resguarda os interesses do menor. Dessa forma, o direito à sobrevivência digna dos alimentados incapazes se sobrepõe ao direito à privacidade do alimentante.
O ministro foi incisivo:
“O crédito alimentício, por natureza e relevância, tem de merecer tratamento especial, com vistas à concretização do direito à dignidade daqueles que precisam dos alimentos”.
Abandono material
Em ações de alimentos, quando o devedor – pai ou mãe – omite ou sonega sua real renda para que o filho receba menos do que necessita e do que ele efetivamente pode pagar, essa conduta pode configurar o crime de abandono material do próprio filho, previsto no artigo 244, do código penal.
CP
Art. 244. Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta) anos, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo:
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa, de uma a dez vezes o maior salário mínimo vigente no País.
Parágrafo único - Nas mesmas penas incide quem, sendo solvente, frustra ou ilide, de qualquer modo, inclusive por abandono injustificado de emprego ou função, o pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada.
O não pagamento da pensão devida pode gerar consequências gravosas. Então vejamos:
- Prisão civil: pode ocorrer quando o devedor de alimentos, citado judicialmente por não ter pago a pensão nos três últimos meses anteriores ao processo, não apresenta em Juízo justificativa para o não pagamento ou comprovante da efetiva quitação dos débitos. Nestas hipóteses, a prisão civil pode ser decretada por um período de até três meses, em regime fechado.
- Penhora de bens: na cobrança das pensões vencidas e não pagas antes dos últimos três meses (ou seja, para períodos antigos), pode ocorrer a penhora de bens, como, por exemplo, de dinheiro depositado em conta corrente ou poupança, carros e imóveis.
- Protesto: a partir do novo Código de Processo Civil, também pode ser imposta restrição de crédito ao devedor da pensão. O autor da dívida pode ter seu nome negativado junto a instituições financeiras, como a Serasa e o Serviço Central de Proteção ao Crédito (SCPC).
Conclusão
No caso noticiado mais acima (mulher que recebe pensão de 8 pais), há um componente criminal, que é o cometimento da fraude da paternidade, ou seja, o crime de estelionato, previsto no art. 171, do código penal.
CP
Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:
Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis.
Se uma mãe engana 8 homens sobre quem é o pai da criança, sendo apenas um realmente o pai, ela comete estelionato contra os outros 7 ao obter vantagem ilícita destes. Isso porque se utilizou de meio fraudulento para induzi-los a erro, fazendo-os acreditar serem os verdadeiros pais do menor.
Portanto, a mãe acabou se utilizando do próprio menor para cometer os crimes e enriquecer ilicitamente às custas das vítimas (falsos pais).
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