O Superior Tribunal de Justiça firmou posicionamento definitivo sobre questão que há anos dividia tribunais brasileiros: a possibilidade de suspender a exigibilidade de créditos não tributários mediante apresentação de fiança bancária ou seguro garantia.
A decisão, proferida no julgamento dos recursos repetitivos que deram origem ao Tema 1203, representa verdadeira virada jurisprudencial na matéria.
No julgamento dos REsp 2.037.787/RJ, 2.007.865/SP e 2.050.751/RJ, todos sob relatoria do ministro Afrânio Vilela, a Primeira Seção reconheceu por unanimidade que o oferecimento dessas garantias tem o condão de suspender a exigibilidade do crédito não tributário, desde que correspondam ao valor atualizado do débito acrescido de 30%.
Ora, essa decisão põe fim a controvérsia que se arrastava há mais de uma década nos tribunais pátrios, estabelecendo parâmetros claros para aplicação uniforme em todo território nacional.
Evolução jurisprudencial
De início, para compreendermos a dimensão dessa decisão, é fundamental contextualizarmos a evolução normativa da matéria.
Na sistemática originária da Lei de Execução Fiscal (Lei 6.830/1980), apenas se admitia garantia da execução por meio de depósito em dinheiro ou fiança bancária.
Contudo, a partir das alterações promovidas pela Lei 11.382/2006 no Código de Processo Civil de 1973, surgiu expressamente a possibilidade de substituição da penhora também por seguro garantia judicial.

Destarte, embora fosse possível a aplicação subsidiária das regras do CPC ao processo de execução fiscal, parte significativa da jurisprudência resistia ao uso do seguro garantia. O argumento era de que a execução fiscal era regida por lei específica e, portanto, não comportaria aplicação analógica de institutos processuais civis.
Logo, somente em 2014, com as alterações introduzidas pela Lei 13.043/2014, a Lei de Execuções Fiscais passou a prever expressamente o seguro garantia como forma válida de garantia da execução fiscal, equiparando-o definitivamente à fiança bancária.
Por sua vez, o Código de Processo Civil de 2015 foi além da mera reprodução normativa e promoveu equiparação expressa dos três institutos – dinheiro, fiança bancária e seguro garantia -, estabelecendo no art. 835, § 2º, que todos produzem os mesmos efeitos jurídicos para fins de substituição da penhora.
Distinção fundamental: créditos tributários versus não tributários
Entretanto, a decisão do STJ ganha especial relevância ao estabelecer distinção clara entre o tratamento dispensado aos créditos tributários e não tributários.
Isto é, enquanto para os primeiros vigora o entendimento consolidado na Súmula 112/STJ (“O depósito somente suspende a exigibilidade do crédito tributário se for integral e em dinheiro”), fundamentado na taxatividade do art. 151 do Código Tributário Nacional, para os créditos não tributários a situação se apresenta diversa.
Como bem pontuou o ministro relator Afrânio Vilela, “a Lei de Execução Fiscal não trata expressamente da suspensão da exigibilidade do crédito”.
Ademais, no caso dos créditos não tributários, inexiste previsão legal específica sobre as situações que ensejam suspensão da exigibilidade, sendo admissível a aplicação combinada do art. 9º, II, § 3º, da Lei 6.830/1980 com o art. 835, § 2º, do CPC/2015.
Logo, essa lacuna normativa permite interpretação sistemática mais ampla, que reconhece a fiança bancária e o seguro garantia como instrumentos aptos a produzir os mesmos efeitos jurídicos do depósito em dinheiro.
Entretanto, perceba, esse tema não era pacífico, havia quem entendesse que não seria possível.
Fundamentos do STJ
De início, o STJ destacou que tanto a fiança bancária quanto o seguro garantia judicial constituem modalidades de caução fidejussória que, uma vez atendidos os requisitos de validade, asseguram o crédito executado com igual certeza e liquidez proporcionada pelo dinheiro.
Nessa linha, como destacou o voto condutor, ambos os instrumentos "podem ser facilmente convertidos em dinheiro para quitação da obrigação ao final da ação", não havendo diferença substancial de liquidez entre eles e o depósito judicial em espécie.
Inclusive, o seguro garantia, especificamente, submete-se à fiscalização da Superintendência de Seguros Privados (SUSEP). Além disso, a Circular SUSEP 662/2022 determina que a seguradora deve assegurar a manutenção da cobertura enquanto houver risco a ser coberto, vedando ao tomador opor-se a essa manutenção, exceto mediante substituição por outra garantia aceita pelo segurado.
Por outro lado, a fiança bancária obedece às condições estabelecidas pelas portarias da Procuradoria-Geral Federal e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, que exigem, entre outros requisitos, cláusula de solidariedade com renúncia ao benefício de ordem e atualização pelos mesmos índices aplicáveis ao débito inscrito em dívida ativa.
Princípio da menor onerosidade
Perceba, um dos pilares da decisão do STJ está no princípio da menor onerosidade, previsto no artigo 805 do CPC/2015.
Isto porque, conforme essa diretriz, quando há vários meios para promoção da execução, deve-se optar pelo modo menos gravoso ao devedor.
Logo, o STJ decidiu que constrição direta de valores em espécie pode revelar-se excessivamente onerosa ao executado, especialmente quando se trata de pessoas jurídicas que necessitam manter fluxo de caixa para continuidade de suas atividades.
Ademais, "a opção do legislador está em consonância a uma economia de mercado cada vez mais competitiva, na qual a disponibilidade de recursos financeiros dotados de alta liquidez são imprescindíveis para manutenção das atividades econômicas desenvolvidas por sociedades empresárias".
Por outro lado, embora o credor não possa rejeitar arbitrariamente a fiança bancária ou seguro garantia oferecidos, subsiste a possibilidade de demonstrar eventual insuficiência, defeito formal ou inidoneidade da garantia.
Tese
“O oferecimento de fiança bancária ou de seguro garantia, desde que corresponda ao valor atualizado do débito, acrescido de 30% (trinta por cento), tem o efeito de suspender a exigibilidade do crédito não tributário, não podendo o credor rejeitá-lo, salvo se demonstrar insuficiência, defeito formal ou inidoneidade da garantia oferecida”.
REsp 2.050.751-RJ, Rel. Ministro Afrânio Vilela, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 11/6/2025 (Tema 1203).
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