Dolo específico é imprescindível para caracterização de crime contra a ordem econômica, decide STJ

Dolo específico é imprescindível para caracterização de crime contra a ordem econômica, decide STJ

Em recente julgamento, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) confrontou-se com relevante questionamento acerca dos limites da responsabilização penal em crimes contra a ordem econômica.

De início, vale contextualizar que o caso envolvia um empresário, sócio-administrador de posto de combustível na Bahia. Ele foi denunciado por supostamente revender gasolina em quantidade inferior à indicada na bomba medidora, conduta tipificada no art. 1º, inciso I, da Lei nº 8.176/1991.

O que aconteceu no processo? O Juízo de primeira instância absolveu o acusado por ausência de dolo. Entretanto, o Tribunal de Justiça estadual, acolhendo apelação do Ministério Público, condenou o empresário. O fundamento foi que, por tratar-se de crime de perigo abstrato, seria dispensável a comprovação do elemento subjetivo.

Diante desse conflito hermenêutico, surge a questão fundamental: seria possível a responsabilização penal objetiva em crimes de perigo abstrato contra a ordem econômica, ou o elemento subjetivo dolo permanece como requisito imprescindível para a configuração desse tipo penal?

Em síntese, tivemos uma bomba de combustível que “computava” menos combustível vendido ao consumidor na prática, havendo um indicio de fraude.

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Elementos fáticos determinantes para a absolvição

No caso em exame, diversos fatores foram determinantes para o afastamento do dolo, conforme detalhado no acórdão:

  1. Dos 36 bicos de bombas de combustível existentes no posto, apenas um apresentou problema de vazão;
  2. O fiscal da ANP reconheceu que bombas podem descalibrar naturalmente, por fatores como variação de energia ou pressão;
  3. Não havia indícios de adulteração intencional dos equipamentos;
  4. O eventual ganho financeiro com a irregularidade em uma única bomba seria irrisório em comparação com o risco de multas administrativas (mínimo de R$ 20.000,00);
  5. Não havia um padrão de infrações que sugerisse conduta deliberada de fraude ao consumidor.

Face ao exposto, o juízo de primeiro grau reconheceu que “através das provas colhidas durante a instrução do processo, não há que se falar em crime contra a ordem econômica”, absolvendo o réu com fulcro no art. 386, inciso III, do CPP.

E o STJ?

Bom, a Quinta Turma do STJ, sob relatoria do Ministro Messod Azulay Neto, ao analisar o Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial nº 2310819/BA, firmou entendimento contrário àquele adotado pelo tribunal de origem.

De fato, o colegiado, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental interposto pelo Ministério Público do Estado da Bahia, mantendo a absolvição do empresário.

Noutras palavras, o STJ estabeleceu a tese de que “para a configuração do crime de perigo abstrato previsto no art. 1º, inciso I, da Lei 8.176/1991, é imprescindível a comprovação do dolo, sendo vedada a responsabilização penal objetiva.”

Isto é, mesmo nos delitos que prescindem da demonstração concreta do perigo, o elemento volitivo permanece como requisito indispensável.

Fundamentos jurídicos

De início, o STJ reafirmou que nosso ordenamento jurídico é orientado pelo princípio da responsabilidade penal subjetiva.

Doutra banda, esclareceu que, segundo este princípio, nenhum resultado penalmente relevante pode ser atribuído a alguém que não tenha agido com dolo ou, no mínimo, culpa.

Crime contra

Dessa forma, o Ministro Relator, ao analisar detidamente o caso, destacou que, embora o crime em questão seja de perigo abstrato – cuja consumação ocorre com a mera exposição do bem jurídico a risco, dispensando a comprovação efetiva do perigo –, isso não elimina, entretanto, a necessidade de comprovação do elemento subjetivo para a configuração do tipo penal.

Na análise do caso concreto, ademais, o STJ considerou que não havia provas suficientes de que o acusado possuía a intenção deliberada de lesar consumidores, elemento essencial para caracterizar o dolo específico exigido pelo tipo penal.

De mais a mais, como a Lei nº 8.176/1991 não prevê a modalidade culposa para o delito, apenas a forma dolosa poderia justificar uma condenação.

Como era o entendimento da jurisprudência?

Em breve síntese, a decisão do STJ harmoniza-se, portanto, com jurisprudência consolidada da corte, citando como precedentes o AgRg no AREsp nº 2.349.885/BA, o HC nº 821.162/SP e o RHC nº 140.114/DF, todos convergindo para o entendimento de que a ausência do elemento subjetivo específico torna a conduta atípica, impedindo a imputação penal.

"O ordenamento jurídico atual não admite a responsabilização penal objetiva. Exige a presença do elemento subjetivo do tipo (dolo ou, excepcionalmente, a culpa) do agente", afirmou o Ministro Sebastião Reis Júnior em precedente citado (HC n. 821.162/SP).

Do ponto de vista doutrinário, a decisão reafirma, assim, a incompatibilidade entre a responsabilização penal objetiva e princípios basilares do Estado Democrático de Direito, como a presunção de inocência e a intervenção mínima do Direito Penal.

No fim, essa interpretação representa, por conseguinte, importante salvaguarda contra o punitivismo exacerbado, evitando que pessoas sejam responsabilizadas criminalmente por condutas em que não se comprove o elemento subjetivo necessário.

Perceba, embora os crimes econômicos representem ofensa a bens jurídicos difusos e coletivos, isso não justifica, todavia, o afastamento de princípios como a culpabilidade e a individualização da pena.

Vale salientar que o professor Luiz Regis Prado, em sua obra “Direito Penal Econômico”, já advertia sobre os riscos da flexibilização de garantias penais no âmbito dos crimes econômicos, destacando que “a proteção de bens jurídicos supraindividuais não pode servir de justificativa para a adoção de um modelo de responsabilidade objetiva, incompatível com os princípios fundamentais do Direito Penal”.

Dessa maneira, vale ficar ligado nesse julgado do STJ:

A configuração do crime de perigo abstrato previsto no art. 1º, inciso I, da Lei n. 8.176/1991 exige a comprovação do dolo, sendo vedada a responsabilização penal objetiva.

AgRg no AgRg no AREsp 2.310.819-BA, Rel. Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 4/2/2025, DJEN 11/2/2025.

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