Defensoria Pública como custos vulnerabilis na execução penal: análise do REsp 2.211.681/MA (STJ)

Defensoria Pública como custos vulnerabilis na execução penal: análise do REsp 2.211.681/MA (STJ)

Olá, pessoal! Aqui é o professor Allan Joos e hoje, neste artigo, vamos fazer a análise de um julgado bastante importante para a Defensoria Pública. Seja para quem pretende ingressar na carreira, seja para os próprios membros no exercício de suas atribuições.

Em informativo recente (Informativo nº 857) o Superior Tribunal de Justiça firmou um importante entendimento acerca da atuação da defensoria pública: “a defensoria pública pode atuar como custos vulnerabilis na execução penal, mesmo na presença de advogado, para garantir a defesa dos direitos dos apenados”.

Trata-se do REsp 2.211.681/MA, de relatoria do Ministro Joel Ilan Paciornik, julgado pela Quinta Turma, em 5/8/2025.

O julgado é de extrema importância, basicamente, por três motivos:

  • consolida a centralidade institucional da Defensoria na tutela de pessoas presas,
  • reconhece a independência funcional e a legitimidade ativa da instituição mesmo quando já há defesa privada, e
  • reafirma que vulnerabilidade não é apenas econômica, mas multifatorial (jurídica, informacional, organizacional), corroborando o posicionamento já existente, institucionalmente, no sentido de que o conceito de necessitados, previsto no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, possui ampla abrangência conceitual.

Tudo isso dialoga diretamente com a Constituição (artigo 5º, inciso XXXV; art. 134) e com a LC 80/1994. Frise-se, neste ponto, que a decisão também se alinha com o teor do art. 81-A da Lei de Execução Penal, o qual determina que a Defensoria velará pela regular execução da pena, oficiando no processo executivo e em seus incidentes, individual e coletivamente.

Do conceito de custos vulnerabilis e sua origem histórica

O termo custos vulnerabilis (“guardiã dos vulneráveis”) empregado a uma das hipóteses de atuação da Defensoria Pública, descreve uma forma interventiva de atuação que se dá em nome próprio, mas em favor dos vulneráveis, vocacionada a garantir direitos fundamentais da defesa e a recompor a paridade de armas em cenários de assimetria estrutural.

Defensoria Pública como

A figura não substitui o Ministério Público como custos legis e tampouco se confunde com amicus curiae ou com representação processual ordinária: trata-se de uma função institucional voltada à proteção de pessoas e grupos em situação de desvantagem, sobretudo no processo penal e na execução penal. Essa concepção foi formulada e difundida, na doutrina brasileira contemporânea, por Maurílio Casas Maia, ganhando lastro acadêmico e institucional nos últimos anos.

A doutrina registra que o custos vulnerabilis surgiu com vocação garantista e pró-defesa, de modo que sua intervenção não pode resultar em prejuízo ao acusado ou apenado. Assim é que a Defensoria atua para qualificar o contraditório, promover leituras convencionais e constitucionais de temas penais e processuais e fomentar precedentes que beneficiem populações vulneráveis. Esse perfil — inclusive com recortes em direitos humanos e tutela coletiva — é reiterado por análises recentes que enxergam no instituto um núcleo identitário da Defensoria na quadra atual do Estado Democrático de Direito (frise-se, inclusive, que a própria Constituição Federal alçou a instituição à condição de expressão e instrumento do Regime Democrático).

REsp 2.211.681/MA e os fundamentos utilizados pelo STJ

O REsp 2.211.681/MA enfrenta a objeção comum a quem ainda não compreende a missão da Defensoria Pública, segundo a qual a presença de advogado particular “afastaria” a atuação da instituição. De forma bastante veemente, o Superior Tribunal de Justiça rechaçou essa visão e assentou que a legitimidade interventiva da Defensoria na condição de custos vulnerabilis não se esgota na assistência individual do apenado, nem se subordina à existência de mandato privado.

Isso porque a Defensoria, ao atuar como guardiã dos vulneráveis, desempenha uma missão pública de controle, fomento de precedentes e proteção de direitos fundamentais na execução penal — missão que se soma (e não se opõe) à defesa técnica particular. O destaque do caso é claro ao admitir a intervenção “mesmo na presença de advogado constituído”, exatamente para garantir a defesa dos direitos dos apenados.

Esse resultado acompanha a letra da LEP. O art. 81-A dá à Defensoria Pública um papel orgânico e extremamente importante na execução, que vai muito além da “mera” representação processual: velar pela regularidade do cumprimento de pena e oficiar no processo executivo e em seus incidentes, inclusive de modo coletivo, o que reforça uma perspectiva para além do caso singular, apta a identificar, prevenir e corrigir violações sistêmicas.

Com efeito, pode-se dizer que negar a intervenção da Defensoria apenas porque existe advogado constituído (privado) esvaziaria a própria razão de ser do art. 81-A e reduziria a execução penal a um litígio bilateral, quando, na verdade, ela envolve interesse de um grupo bastante estigmatizado e vulnerabilizado na sociedade.

Como bem constou no informativo, em vista da estigmatização do grupo prisional, que tem a vulnerabilidade como uma de suas principais características, do elevado grau de desproteção que lhe guarda, além da pertinência da atuação com uma estratégia institucional, conclui-se estar autorizada a atuação da Defensoria Pública como custos vulnerabilis na seara da execução penal, independentemente da constituição de defesa técnica, já que são atuações que se complementam na garantia de direitos fundamentais, promovendo uma real paridade de armas no processo penal.

Ademais, há também uma dimensão convencional: a atuação institucional da Defensoria como guardiã de direitos em contextos de vulnerabilidade dialoga com padrões internacionais de proteção, reforçando a exigência de mecanismos institucionais de controle sobre práticas estatais que incidam de maneira desproporcional sobre grupos vulneráveis. A literatura especializada tem acentuado esse ponto ao tratar da Defensoria como agente estruturante de direitos humanos no sistema de justiça criminal.

Conceito operativo e limites: o que a decisão não faz (e o que ela habilita)

É importante registrar o que não está em jogo. A intervenção custos vulnerabilis não transforma a Defensoria em substituta da defesa privada, não cria conflitos de mandato e não a autoriza a atuar contra o apenado. A Defensoria não pleiteia medidas prejudiciais ao indivíduo em nome de um suposto “interesse público”. Ao contrário, sua intervenção é pró-defesa e pró-vulneráveis, com foco em assegurar direitos e garantias e em qualificar o debate técnico diante de assimetrias, inclusive em temas como regimes e progressões, remição, faltas disciplinares, benefícios, saúde, educação, trabalho prisional, inspeções e medidas estruturais.

Ao mesmo tempo, a atuação custos vulnerabilis habilita a Defensoria a provocar o juízo em matéria de direitos das pessoas presas independentemente de exercer, individualmente, a defesa delas no âmbito processual.

Por que o tema deve cair em provas da Defensoria Pública?

Aqui, pensamos, é o que motivou a elaboração do presente artigo.

A experiência recente dos concursos públicos para ingresso na carreira de membros da defensoria pública evidencia a centralidade de precedentes que reposicionam a atuação defensorial no sistema de justiça.

Ressalte-se que o REsp 2.211.681/MA reúne características típicas de cobrança em provas:

  • tese que corrobora a referida modalidade de atuação da defensoria pública na execução penal;
  • conciliação entre norma expressa (art. 81-A da LEP) e função institucional; e
  • tensão aparente com a presença de advogado constituído.

Tudo isso gera ótimos enunciados discursivos (“é possível a intervenção? com quais limites? há conflito com o mandato privado?”) e questionamentos orais (“qual a base legal? qual a ratio decidendi?”).

O candidato deve estar preparado para justificar que a intervenção não anula a defesa privada, mas a complementa, à luz do papel orgânico da Defensoria na execução.

Outro ponto de prova recorrente é o conceito de custos vulnerabilis e sua origem doutrinária em Maurílio Casas Maia. As bancas insistem em aferir se o candidato compreende os limites e as razões de existir do aludido instituto. A leitura atualizada da doutrina e dos estudos empíricos sobre a evolução jurisprudencial (inclusive com mapeamentos setoriais) é diferencial competitivo.

Síntese do julgado:

No ponto nuclear, a tese firmada no caso REsp 2.211.681/MA foi assim divulgada:

A Defensoria Pública pode atuar como custos vulnerabilis na execução penal, mesmo na presença de advogado constituído, para garantir a defesa dos direitos dos apenados.” (STJ, REsp 2.211.681/MA, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, j. 5/8/2025, unânime).

O que você deve levar para a prova (e para a prática)?

Para a prova (e para a vida forense), três chaves:

  • (i) memorize o fundamento legal (art. 81-A da LEP), que “institucionaliza” a Defensoria Pública na Execução Penal;
  • (ii) domine o conceito e a história do custos vulnerabilis (doutrina de Maurílio Casas Maia e olhar contramajoritário a favor de grupos vulnerabilizados);
  • (iii) saiba articular a ratio do REsp 2.211.681/MA: a presença de advogado constituído não exclui a atuação da Defensoria como guardiã de direitos na execução penal, justamente porque a missão institucional é pública e não redutível ao patrocínio individual.

Esses três passos, bem trabalhados, resolvem a imensa maioria dos enunciados que as bancas tendem a propor.


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