O Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu um importante precedente ao responsabilizar o WhatsApp por inércia em caso de pornografia de vingança envolvendo menor de idade.
O caso envolveu o compartilhamento não autorizado de imagens íntimas de uma adolescente por seu ex-namorado através do aplicativo de mensagens.
Nesse sentido, a dúvida é:
Há responsabilidade do WhatsApp por não retirar os conteúdos “ilícitos”? E a criptografia de ponta a ponta?
A decisão da 3ª Turma, relatada pela Ministra Nancy Andrighi, manteve a condenação solidária da plataforma ao pagamento de indenização por danos morais. Assim, rejeitou o argumento de impossibilidade técnica de remoção de conteúdo devido à criptografia de ponta a ponta.
Nesse sentido, vamos entender os fundamentos jurídicos da decisão de 40 páginas.
Tentativa de desistência do recurso
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O primeiro ponto relevante da decisão foi a não homologação do pedido de desistência recursal apresentado pela Meta (controladora do WhatsApp).
Embora o art. 998 do Código de Processo Civil estabeleça que: “o recorrente poderá, a qualquer tempo, sem a anuência do recorrido ou dos litisconsortes, desistir do recurso”, a Ministra Nancy Andrighi identificou uma estratégia processual para evitar a formação de jurisprudência sobre o tema.
Isto é, haveria indícios de “estratagema processual”. Noutros termos, a Ministra constatou que há indícios de que o pedido de desistência pode ser uma estratégia para evitar a criação de jurisprudência desfavorável à parte recorrente.
Nesse sentido, a decisão cita casos anteriores em que o mesmo provedor de aplicativo teria adotado postura semelhante em outros recursos com pedidos de desistência aceitos.
Ademais, destacou que o caso seria um “leading case“, ou seja, abordaria um tema inédito no STJ. Por essa razão, existe interesse em estabelecer orientação jurisprudencial sobre o tema.
Além disso, o tema seria de interesse público porque a decisão envolve a proteção de menores contra a pornografia de vingança, sendo um tema de forte relevância social. Nesse contexto, o tribunal reconheceu a necessidade de enfrentar a questão para proteger direitos fundamentais relacionados à dignidade, privacidade e intimidade das vítimas.
Por fim, houve uma crítica sobre o “momento do pedido de desistência”, isto porque o pedido ocorreu após o sorteio de relatoria. Isso caracteriza uma prática conhecida como “forum shopping” – tentativa de manipular a jurisdição ou o andamento processual para evitar decisões desfavoráveis.
E quanto ao mérito, o que decidiu o STJ?
De início, a Ministra citou dois dispositivos do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) , o artigo 19 e artigo 21:
Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.
No caso concreto, a menor após tentar a retirada dos vídeos com pedido ao seu ex-namorado, conseguiu uma liminar judicial que determinava que o WhatsApp retirasse os vídeos de circulação.
Ora, o artigo 19 da referida lei diz que, se houver ordem judicial específica, os provedores podem ser responsabilizados por omissão em não atendê-la.
Assim, o STJ entendeu que o provedor (no caso, WhatsApp) não tomou providências para mitigar ou eliminar o dano, mesmo após ser devidamente notificado e com informações claras sobre o conteúdo ilícito.
Ademais, também citou o artigo 21:
Art. 21. O provedor de aplicações de internet que disponibilize conteúdo gerado por terceiros será responsabilizado subsidiariamente pela violação da intimidade decorrente da divulgação, sem autorização de seus participantes, de imagens, de vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado quando, após o recebimento de notificação pelo participante ou seu representante legal, deixar de promover, de forma diligente, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço, a indisponibilização desse conteúdo.
Nesse sentido, a ausência de cumprimento da ordem judicial, sem uma prova técnica robusta (isto é, ausência de uma perícia técnica) que demonstrasse a impossibilidade absoluta de execução, foi considerada omissão grave.
Assim, houve a responsabilização solidária do provedor com o autor do compartilhamento ilícito, nos termos do art. 19 do Marco Civil da Internet e do art. 21, que trata de conteúdos de nudez ou atos sexuais não autorizados.
Da tutela de resultado prático equivalente
A plataforma argumentou ser tecnicamente impossível remover o conteúdo devido à criptografia de ponta a ponta.
No entanto, a Ministra Nancy Andrighi destacou que se deveria analisar tal alegação com ceticismo, especialmente sem uma perícia técnica que comprovasse efetivamente essas limitações.
O voto ressaltou que o WhatsApp possui mecanismos alternativos para mitigar os danos, como o banimento ou suspensão das contas dos usuários infratores, conforme previsto em seus próprios termos de uso.
Isto é, mesmo diante da alegação de impossibilidade técnica de interceptação direta do conteúdo (devido à criptografia ponta a ponta), o provedor poderia adotar medidas alternativas, como o banimento ou suspensão das contas envolvidas.
Em outras palavras, o que a ministra ressaltou era o que estava previsto no art. 497 do CPC:
Art. 497. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente. Parágrafo único. Para a concessão da tutela específica destinada a inibir a prática, a reiteração ou a continuação de um ilícito, ou a sua remoção, é irrelevante a demonstração da ocorrência de dano ou da existência de culpa ou dolo.
Perceba, quando a Ministra enfatiza que, “mesmo que a remoção direta do conteúdo fosse impossível” (tese da criptografia), o WhatsApp tinha o dever de adotar medidas alternativas para alcançar resultado semelhante, como o banimento das contas envolvidas na disseminação do conteúdo ilícito.
Por exemplo, hoje o Whatsapp tem medidas que banem usuários que tentam fazer aquele golpe do PIX, por que não poderia fazer nada quando há disseminação de vídeos íntimos de menores?
Por exemplo, já há uma “mensagem encaminhada com frequência” em alguns vídeos, por qual razão não poderia se esforçar para fazer algo também?
Nesse sentido, se há proibição expressa de comportamentos que impliquem violação de direito de privacidade de terceiros, incluindo a coibição de obscenidades ou exploração de menores de idade, a plataforma deveria ter agido ao menos para mitigar danos.
Do paradoxo da segurança digital
A Ministra Nancy destacou uma expressão importante: o “paradoxo da segurança digital”.
Este conceito refere-se à situação em que quanto mais segura for a técnica de compartilhamento de conteúdo (no caso, a criptografia), mais inseguras ficam as vítimas dos abusos perpetrados por usuários que utilizam essa mesma proteção para fins ilícitos.
Dessa forma, a Ministra ressaltou que não é razoável permitir que as vítimas de pornografia de vingança, especialmente menores de idade, fiquem desprotegidas em razão desse paradoxo.
Assim, isso exige uma postura mais proativa das plataformas na adoção de medidas alternativas para proteger os usuários. Tal atitude deve acontecer mesmo quando existam limitações técnicas para a remoção direta de conteúdo.
Por fim, a decisão manteve a responsabilidade solidária do WhatsApp com o usuário infrator e a condenação ao pagamento de R$ 20.000,00 a título de danos morais.
Vale ressaltar que a decisão se alinha com o entendimento consolidado do STJ sobre a responsabilidade subjetiva dos provedores de internet, que se materializa quando, após ciência do conteúdo ilícito, mantêm-se inertes ou não adotam as medidas possíveis para minimizar os danos.
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