Tornozeleira eletrônica em Bolsonaro e o risco Zambelli

Tornozeleira eletrônica em Bolsonaro e o risco Zambelli

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

Entenda o pedido

O líder do governo na Câmara, o Deputado Lindbergh Farias, apresentou, junto à Procuradoria-Geral da República, um pedido para obrigar o ex-presidente Jair Bolsonaro a usar tornozeleira eletrônica.

Tudo isso em decorrência de um eventual risco de fuga após o episódio Carla Zambelli, que fugiu do país para escapar da prisão (o Supremo Tribunal Federal condenou a deputada Zambelli a dez anos de prisão).

Lindbergh Farias disparou que os fatos “tornam-se ainda mais graves diante dos recentes episódios de fuga do país de seus aliados mais próximos“, como o caso do deputado licenciado, Eduardo Bolsonaro, que se mudou para os Estados Unidos depois de correr o risco de perder o passaporte.

“Ambos [Zambelli e Eduardo Bolsonaro] são investigados em procedimentos análogos e possuem conexão direta com Jair Bolsonaro, que inclusive admitiu publicamente o financiamento da permanência de Eduardo nos EUA por meio de doações realizadas via Pix”.

O deputado Rogério Correia, do PT-MG, também protocolou um pedido à PGR no mesmo sentido:

“Os novos acontecimentos reacendem, ainda com mais força, a possibilidade de fuga do ex-presidente, o que exige das Instituições de Justiça atuação célere e hábil a garantir a aplicação da lei”.

A doutrina penal processual reconhece a tornozeleira eletrônica como um importante e legítimo mecanismo de fiscalização da permanência do réu em território nacional, sem que isso represente violação à sua dignidade ou presunção de inocência.

Mas há necessidade de motivos claros que justifiquem sua aplicação como medida cautelar.

Efeito Zambelli

O Supremo Tribunal Federal condenou a deputada Carla Zambelli a dez anos de prisão e à perda de mandato por ter invadido o sistema do CNJ.

A decisão foi por unanimidade na Primeira Turma do STF. Segundo a denúncia, Zambelli contratou um hacker para inserir um mandado de prisão contra o ministro Alexandre de Moraes, assinado por ele mesmo. O documento falso dizia:

“Expeça-se o mandado de prisão em desfavor de mim mesmo, Alexandre de Moraes. Publique-se, intime-se e faz o L”

“…sem me explicar, porque sou como um deus do olimpo, defiro a petição inicial, tanto em razão da minha vontade como pela vontade extraordinária de ver o Lula continuar na presidência”

Pois bem, Zambelli apresentou embargos de declaração no próprio Supremo, o que foi suficiente para impedir a aplicação imediata da pena de prisão.

Como o seu passaporte não estava retido, ela acabou fugindo para a Flórida, e hoje é considerada foragida.

O advogado de defesa de Zambelli deixou o caso momentos após a deputada anunciar que tinha saído do país.

A deputada planeja entrar na Itália, já que ela também é cidadã italiana e, portanto, tem passaporte italiano.

“Sou cidadã italiana e lá eu sou intocável, a não ser que a Justiça italiana me prenda. E aí não vai ser o Alexandre de Moraes, vai ser a Justiça italiana. Estou pagando para ver um dia desse.”

Tornozeleira eletrônica em

O ministro Alexandre de Moraes determinou a inclusão do nome da deputada Carla Zambelli na Difusão Vermelha da Interpol. Essa lista é de foragidos internacionais.

Importante destacar que, diferentemente do Brasil, a Itália permite extradição de seus nacionais quando há previsão em tratados internacionais – como existe com o Brasil.

Tratado de Extradição entre Brasil e Itália

O Tratado de Extradição entre Brasil e Itália, de 1993, estabelece regras específicas que são aplicáveis ao caso Zambelli.

Vimos que a Itália pode extraditar a deputada para o Brasil, mas não é obrigada.

Assim, se a Itália decidir não extraditar Zambelli por ser cidadã italiana, deve submeter o caso às suas autoridades competentes para eventual instauração de procedimento penal. Isso significa que ela seria processada na Itália pelos mesmos crimes pelos quais foi condenada no Brasil.

Temos aqui o princípio fundamental do direito internacional chamado aut dedere aut judicare – “extradite ou julgue”. O objetivo é evitar que criminosos escapem da justiça simplesmente mudando de país.

O que se discute, dessa forma, é se essa fuga da deputada Carla Zambelli pode servir como fundamento para impor ao ex-presidente Bolsonaro o monitoramento eletrônico em tempo real (tornozeleira eletrônica), evidenciando um maior risco de fuga para escapar de eventual condenação.

Monitoração eletrônica

É comum que juízes apliquem, concomitantemente à prisão domiciliar, medida cautelar de monitoração eletrônica, conforme permissão do artigo 318-B, do código de processo penal:

A substituição de que tratam os arts. 318 e 318-A poderá ser efetuada sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no art. 319 deste Código”.

As medidas cautelares diversas da prisão são (artigo 319, do CPP):

I - comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades;     

II - proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações;          

III - proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante;          

IV - proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução;           

V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos;         

VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais;  

VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração;              

VIII - fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial;

IX - monitoração eletrônica.

A monitoração eletrônica tem por objetivo inibir a fuga ou o descumprimento das medidas impostas ao réu. Tal execução pode acontecer através de:

  • Pulseira;
  • Tornozeleira;
  • Cinto; e
  • Microchip

Pelo menos por ora, o Supremo trata a fuga de Zambelli como um caso isolado, não devendo servir como parâmetro para impor, ao ex-presidente Bolsonaro, qualquer medida de monitoramento eletrônico.

Ademais, um ministro do STF disse, em caráter reservado:

“Cada caso deve ser analisado individualmente. Não há paralelo entre a situação do ex-presidente e a da deputada Carla Zambelli. Em último caso, há o mecanismo da prisão preventiva”.

Por fim, vamos acompanhar o desenrolar dos fatos. O tema é instigante, e pode surgir em provas de direito processual penal.


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