STF julga se termo ‘Mãe’ viola direitos de pessoas trans: ADPF 787 entenda a decisão

STF julga se termo ‘Mãe’ viola direitos de pessoas trans: ADPF 787 entenda a decisão

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A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 787, apresentada em 2021 pelo Partido dos Trabalhadores (PT), trouxe à tona uma questão  no âmbito da saúde pública brasileira: o acesso de pessoas trans e travestis ao Sistema Único de Saúde (SUS).

Esta ação, que voltou à pauta do Supremo Tribunal Federal (STF) em 18 de setembro de 2024, aborda dois aspectos fundamentais da assistência à saúde para a população trans:

  1. O primeiro aspecto, e principal objeto da ADPF, diz respeito às dificuldades enfrentadas por pessoas trans no acesso a consultas e tratamentos médicos no SUS. A ação aponta que homens trans com nome social retificado, mas que conservam o aparelho reprodutor feminino, enfrentam obstáculos para obter consultas ginecológicas e obstétricas. De modo similar, mulheres trans relatam dificuldades de acesso a especialidades como urologia e proctologia. Essas situações, segundo o PT, violam preceitos fundamentais como o direito à saúde, a dignidade da pessoa humana e a igualdade.
  2. O segundo aspecto, que ganhou destaque no julgamento recente pela mídia, refere-se à terminologia utilizada na Declaração de Nascido Vivo (DNV). A discussão centra-se na adequação dos termos “mãe” e “pai” em um contexto que inclui genitores transgênero, especialmente homens trans que podem gestar.

Inicialmente julgada em plenário virtual, a ADPF 787 obteve maioria favorável à concessão de medida cautelar, determinando que o Ministério da Saúde alterasse seus sistemas para garantir atendimento médico e exames a pacientes trans, independentemente do sexo biológico registrado. Contudo, o debate sobre a terminologia na DNV não alcançou consenso, levando à retomada da discussão em sessão presencial.

Em 17/10/2024 o STF decidiu que a Declaração de Nascido Vivo (DNV), expedida pelos hospitais no momento do parto de uma criança nascida viva, deve utilizar termos inclusivos para englobar a população transsexual. Segundo a decisão, o termo parturiente, como consta atualmente na DNV, deverá ser substituído por parturiente/mãe. Da mesma forma, o campo responsável legal, que é de preenchimento opcional, deverá ser alterado para responsável legal/pai.

O que estava em jogo na ADPF 787: O termo ‘mãe’ e o direito à saúde

Na sessão plenária de 18 de setembro de 2024, os ministros do STF se dividiram quanto à melhor forma de abordar a questão da DNV. Enquanto alguns, como André Mendonça e Nunes Marques, defenderam a manutenção dos termos tradicionais “mãe” e “pai”, outros, como Edson Fachin, argumentaram por uma terminologia mais inclusiva, como “parturiente” ou “genitora/genitor”.

Nessa linha, vamos entender os argumentos jurídicos trazidos pela petição inicial e o que está decidido até então.

A petição inicial e os argumentos sobre o termo mãe

O Partido dos Trabalhadores fundamenta sua petição em violações a preceitos constitucionais fundamentais. Alega-se que a atual estrutura do SUS viola o direito à saúde, previsto no art. 6º e art. 196 da Constituição Federal, ao dificultar ou negar acesso a pessoas trans em razão da incompatibilidade entre sua identidade de gênero e sexo biológico. Argumenta-se também que essa situação fere a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF) e o princípio da igualdade (art. 5º, caput, CF), resultando em tratamento discriminatório no acesso à saúde.

Assim, o partido requer a adequação dos sistemas de informação do SUS para permitir o acesso às especialidades médicas conforme as necessidades biológicas e a identidade de gênero autodeclarada. 

Adicionalmente, solicita a modificação da Declaração de Nascido Vivo para garantir o registro dos nomes dos genitores de acordo com sua identidade de gênero, visando incluir realidades como a de homens trans que dão à luz, não havendo a necessidade de ter o termo “mãe”.

Posição da Advocacia-Geral da União (AGU) e do Ministério Público Federal (MPF)

Em contraposição aos argumentos do requerente, a Advocacia-Geral da União manifestou-se pela improcedência do pedido. A AGU argumenta que não há omissão por parte do Ministério da Saúde, afirmando que políticas voltadas à população LGBTQIA+ já estão em implementação, como a Política Nacional de Saúde Integral LGBT. Sustenta ainda que adaptações nos sistemas de informação do SUS já foram realizadas para garantir o acesso de pessoas trans às especialidades médicas necessárias.

Por fim, argumenta que o acolhimento dos pedidos da ADPF poderia configurar uma violação ao princípio da separação dos Poderes, interferindo indevidamente na esfera de atuação do Executivo.

Já o Ministério Público Federal adotou uma posição processual, manifestando-se pelo não conhecimento da ADPF. Isto é, não houve uma manifestação quanto ao mérito.

Em síntese, o parecer do MPF também destaca que a ADPF não seria o instrumento adequado para tutelar situações concretas ou para adequar efeitos de direitos reconhecidos em outros processos de controle de constitucionalidade. No final, aponta que a questão, especialmente no que tange à Declaração de Nascido Vivo, demandaria análise de legislação infraconstitucional, o que geraria apenas ofensa reflexa à Constituição, não sendo cabível o uso de ADPF nesse caso.

O debate jurídico no STF: Inclusão de pessoas trans no SUS

O julgamento da ADPF 787 no plenário do Supremo Tribunal Federal tem se concentrado principalmente na discussão sobre os termos a serem utilizados na Declaração de Nascido Vivo. Até então, os ministros apresentaram posições diversas, refletindo a complexidade da questão.

O Ministro Gilmar Mendes, relator do caso, inicialmente votou pela perda do objeto, considerando que houve uma alteração administrativa que substituiu os termos “mãe” e “pai” por parturiente e responsável legal” nas DNVs. Contudo, solicitou nova suspensão do julgamento para uma análise mais aprofundada.

Na sessão de 17/10/2024, o ministro Gilmar Mendes reajustou seu voto para que a DNV utilize as expressões “parturiente/mãe” e “responsável legal/pai”, no lugar de um único termo, como sugeriram os ministros André Mendonça e Nunes Marques.

Em síntese, o colegiado entendeu que esse formato harmoniza direitos, ao não excluir pessoas que desejem constar como “mãe” e “pai” no documento.

Outros ministros, entretanto, já manifestaram seu pensamento.

Como Edson Fachin, André Mendonça, Nunes Marques, Alexandre de Moraes e Flávio Dino, apresentaram perspectivas variadas. 

Fachin propõe o uso dos termos genitorae genitor como alternativa inclusiva, enquanto Mendonça sugere manter “pai” e “mãe” ao lado de “parturiente”. 

Nunes Marques e Alexandre de Moraes defendem a preservação dos termos tradicionais, argumentando pela importância cultural e simbólica dessas designações. Dino, por sua vez, sugere delegar à autoridade administrativa a criação de um formulário inclusivo.

Em resumo até então:

MinistroManifestação
Gilmar Mendes (Relator)Inicialmente votou pela perda do objeto. Depois solicitou a suspensão para análise mais aprofundada.
Edson FachinPropõe o uso dos termos “genitora” e “genitor” como alternativa inclusiva.
André MendonçaSugere manter “pai” e “mãe” ao lado de “parturiente”.
Nunes MarquesDefende a preservação dos termos tradicionais (“mãe” e “pai”).
Alexandre de MoraesDefende a preservação dos termos tradicionais (“mãe” e “pai”).
Flávio DinoSugere delegar à autoridade administrativa a criação de um formulário inclusivo.

Argumentos favoráveis e contrários

Argumentos a favor

Os defensores do pedido (petição inicial) argumentam que o acolhimento da ADPF é essencial para a efetivação de direitos fundamentais, especialmente o direito à saúde e à não-discriminação da população transgênero.

Sustentam que a adaptação do SUS é uma consequência natural e necessária do reconhecimento do direito à identidade de gênero, conforme decidido pelo STF na ADI 4.275/DF, assim o acolhimento do pedido é uma consequência do que já decidiu o Supremo:

O transgênero tem direito fundamental subjetivo à alteração de seu prenome e de sua classificação de gênero no registro civil, não se exigindo, para tanto, nada além da manifestação de vontade do indivíduo, o qual poderá exercer tal faculdade tanto pela via judicial como diretamente pela via administrativa.
Essa alteração deve ser averbada à margem do assento de nascimento, vedada a inclusão do termo “transgênero”.
Nas certidões do registro não constará nenhuma observação sobre a origem do ato, vedada a expedição de certidão de inteiro teor, salvo a requerimento do próprio interessado ou por determinação judicial.
Efetuando-se o procedimento pela via judicial, caberá ao magistrado determinar de ofício ou a requerimento do interessado a expedição de mandados específicos para a alteração dos demais registros nos órgãos públicos ou privados pertinentes, os quais deverão preservar o sigilo sobre a origem dos atos.
STF. Plenário. RE 670422/RS, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 15/8/2018 (repercussão geral) (Info 911).

Os transgêneros, que assim o desejarem, independentemente da cirurgia de transgenitalização, ou da realização de tratamentos hormonais ou patologizantes, possuem o direito à alteração do prenome e do gênero (sexo) diretamente no registro civil.
O direito à igualdade sem discriminações abrange a identidade ou expressão de gênero.

A identidade de gênero é manifestação da própria personalidade da pessoa humana e, como tal, cabe ao Estado apenas o papel de reconhecê-la, nunca de constituí-la.
A pessoa transgênero que comprove sua identidade de gênero dissonante daquela que lhe foi designada ao nascer por autoidentificação firmada em declaração escrita desta sua vontade dispõe do direito fundamental subjetivo à alteração do prenome e da classificação de gênero no registro civil pela via administrativa ou judicial, independentemente de procedimento cirúrgico e laudos de terceiros, por se tratar de tema relativo ao direito fundamental ao livre desenvolvimento da personalidade.

STF. Plenário. ADI 4275/DF, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Edson Fachin, julgado em 28/2 e 1º/3/2018 (Info 892).

Outro argumento favorável é que a adequação dos sistemas e documentos do SUS à realidade das pessoas trans refletiria uma evolução social e jurídica necessária, alinhando as práticas administrativas com os princípios constitucionais de igualdade e dignidade da pessoa humana.

Os proponentes também destacam que essas mudanças poderiam ter um impacto positivo na saúde mental e no bem-estar geral da população trans, ao reduzir situações de constrangimento e discriminação no ambiente médico.

Argumentos contrários

Por outro lado, os argumentos contrários, levantam que uma das principais objeções é baseada no princípio da separação dos Poderes, argumentando que uma decisão judicial nesse sentido poderia configurar uma interferência indevida do Judiciário nas atribuições do Executivo, responsável pela formulação e implementação de políticas públicas de saúde.

Outro ponto levantado contra o pedido é a necessidade de considerar as implicações federativas, dado que o SUS opera em um sistema descentralizado que envolve União, Estados e Municípios, e isso violaria o pacto federativo. 

Por fim, alguns argumentam que certas mudanças como alterar o nome de “mãe” e “pai”, especialmente aquelas relacionadas à Declaração de Nascido Vivo, podem requerer alterações legislativas e não apenas administrativas, questionando se a via judicial seria a mais apropriada para efetuar tais modificações.

Como o tema já caiu em provas:

FCC – 2022 – DPE-PB – Defensor Público

Luiza, maior e capaz, é travesti e gostaria de alterar seu nome e sexo no registro civil de nascimento. De acordo com a decisão do Supremo Tribunal Federal na ADI 4275, a alteração é possível sem a necessidade de cirurgia de transgenitalização:

a) judicialmente, apenas, mediante a realização de perícia psicossocial.

b) extrajudicialmente, mediante a realização de terapia hormonal.

c) extrajudicialmente, independentemente de tratamento hormonal ou perícia psicossocial.

d) judicialmente, apenas, independentemente de tratamento hormonal ou perícia psicossocial. 

e) extrajudicialmente, mediante a realização de perícia psicossocial.

Gabarito: Letra C

Conclusão

Dessa forma, vamos aguardar o debate na ADPF 787 que está suspensa com o pedido de vista do Min. Gilmar Mendes, trata-se de um debate que estará nas provas, como a ADI 4275, tenho certeza que esse tema despencará nas provas!

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