Informativo 821 – Tema 1165 – STJ – Termo inicial para progressão de regime prisional

Informativo 821 – Tema 1165 – STJ – Termo inicial para progressão de regime prisional

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em recente julgamento sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 1165), definiu importante tese sobre o termo inicial para a progressão de regime prisional.

A decisão, proferida pela Terceira Seção em 14/8/2024, estabelece critérios claros para determinar a data-base da progressão, impactando diretamente na execução penal e nos direitos dos apenados.

Antes de analisarmos a decisão, é importante relembrar o que dispõe a Lei de Execução Penal (LEP) sobre a progressão de regime. O art. 112 da LEP estabelece:

"Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos:

I - 16% (dezesseis por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça;

II - 20% (vinte por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça; [...]"

§ 1º Em todos os casos, o apenado somente terá direito à progressão de regime se ostentar boa conduta carcerária, comprovada pelo diretor do estabelecimento, e pelos resultados do exame criminológico, respeitadas as normas que vedam a progressão.    (Redação dada pela Lei nº 14.843, de 2024)

§ 2º A decisão do juiz que determinar a progressão de regime será sempre motivada e precedida de manifestação do Ministério Público e do defensor, procedimento que também será adotado na concessão de livramento condicional, indulto e comutação de penas, respeitados os prazos previstos nas normas vigentes.     (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)        (Vigência)

Observa-se que a progressão de regime depende do preenchimento de dois requisitos:

  1. Requisito objetivo: cumprimento de determinado percentual da pena, que varia conforme a natureza do crime e a situação do condenado (primário ou reincidente).
  2. Requisito subjetivo: bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, e, com a recente Lei 14.843/2024, resultado favorável no exame criminológico.

É importante notar que a jurisprudência tem evoluído significativamente no tratamento desses requisitos. Por exemplo, o STJ tem diferenciado o tratamento dado aos reincidentes genéricos e específicos em crimes hediondos, aplicando percentuais mais benéficos para progressão de regime em alguns casos, mesmo retroativamente.

A tese fixada pelo STJ

O STJ fixou a seguinte tese no julgamento do Tema 1165:

“A decisão que defere a progressão de regime não tem natureza constitutiva, senão declaratória.
O termo inicial para a progressão de regime deverá ser a data em que preenchidos os requisitos objetivo e subjetivo descritos no art. 112 da Lei n. 7.210, de 11/07/1984 (Lei de Execução Penal), e não a data em que efetivamente foi deferida a progressão.
Essa data deverá ser definida de forma casuística, fixando-se como termo inicial o momento em que preenchido o último requisito pendente, seja ele o objetivo ou o subjetivo. Se por último for preenchido o requisito subjetivo, independentemente da anterior implementação do requisito objetivo, será aquele (o subjetivo) o marco para fixação da data-base para efeito de nova progressão de regime.”

Análise da decisão

Natureza declaratória da decisão

O STJ estabeleceu que a decisão que defere a progressão de regime tem natureza declaratória, não constitutiva. 

Ou seja, o juiz, ao decidir pela progressão, está apenas reconhecendo uma situação já existente, e não criando um novo estado jurídico.

Termo inicial da progressão

O ponto central da tese é a definição do termo inicial para a progressão de regime. 

O STJ determinou que o termo inicial deve ser a data em que se preencher ambos os requisitos (objetivo e subjetivo) do art. 112 da LEP, e não a data em que o juiz, efetivamente, deferiu a progressão. 

Esta orientação visa evitar que atrasos administrativos ou judiciais prejudiquem o apenado. Dessa forma, garante-se que se compute o benefício a partir do momento em que ele efetivamente fez jus à progressão. Esse será o termo.

Análise casuística

A Corte ressaltou que a data-base deve ser definida caso a caso, considerando o momento em que o último requisito pendente foi preenchido

Esta abordagem reconhece a complexidade e a variabilidade das situações na execução penal.

Prevalência do requisito subjetivo

Um ponto importante da decisão é que, se o requisito subjetivo for o último a ser preenchido, será este o marco para a fixação da data-base da progressão. Isso deve acontecer mesmo que o requisito objetivo já tenha sido alcançado anteriormente.

Impacto do exame criminológico

Com a obrigatoriedade do exame criminológico, é provável que este se torne frequentemente o último requisito a ser preenchido. A jurisprudência do STJ já indicava que um resultado desfavorável no exame criminológico poderia justificar a negativa de progressão de regime por falta de requisito subjetivo. Agora, com sua obrigatoriedade, esse entendimento ganha ainda mais peso.

Consideração do tempo de recolhimento domiciliar

Além disso, é relevante mencionar que o STJ também tem entendido que o tempo de recolhimento domiciliar noturno deve ser considerado para fins de detração da pena e progressão de regime. Isso pode impactar diretamente o cálculo do requisito objetivo para a progressão.

Reconhecimento da reincidência pelo juízo da execução

Outro ponto importante, embora não diretamente relacionado à tese fixada, é o entendimento do STJ. Compreende-se que o juízo da execução penal pode reconhecer a reincidência para fins de concessão de benefícios, mesmo que isso não conste expressamente na sentença condenatória. Isso pode afetar significativamente os percentuais aplicáveis para progressão de regime.

Controvérsias e potenciais impactos

Contradição interna na jurisprudência

Uma contradição significativa foi apontada durante o julgamento. 

Enquanto a decisão que defere a progressão de regime é considerada declaratória, o STJ mantém o entendimento de que o laudo do exame criminológico tem natureza constitutiva. 

Isso significa que, na prática, o marco temporal para a progressão será frequentemente a data do parecer técnico favorável do exame criminológico. Assim não se consideraria a data em que o apenado efetivamente preencheu os requisitos para a progressão.

Aumento potencial do encarceramento1

Termo

A obrigatoriedade do exame criminológico, introduzida pela Lei 14.843/2024, combinada com a jurisprudência do STJ, pode levar a um aumento significativo do tempo de encarceramento.

Segundo estimativas do Conselho Nacional de Justiça, essa exigência pode impedir que cerca de 283 mil pessoas progridam regularmente de regime em um período de 12 meses.

Sobrecarga do sistema prisional e custos adicionais

As consequências práticas dessa decisão podem ser severas:

Custo adicional estimado de R$ 6 bilhões por ano para os cofres públicos.

Potencial triplicação do déficit de vagas nos presídios.

Aumento da tensão no sistema carcerário devido à retenção de presos que poderiam progredir.

Demora na realização do exame criminológico 

Um ponto crítico é a capacidade do sistema em realizar os exames criminológicos em tempo hábil.

Em São Paulo, por exemplo, a espera pelo exame pode variar de quatro a seis meses2.

Esse período de espera, pela jurisprudência atual, não contará para a progressão para o regime posterior, efetivamente estendendo o tempo de encarceramento.

Debate sobre a data-base do requisito subjetivo 

Durante o julgamento, houve uma proposta para considerar como marco temporal a data em que o juiz solicita o exame criminológico, em vez da data do parecer favorável. 

Essa proposta, defendida por três ministros (Rogerio Schietti, Daniela Teixeira e Otavio de Almeida Toledo), visava mitigar os efeitos negativos da demora na realização dos exames. 

No entanto, essa sugestão não se incorporou à tese final

Como o tema já caiu em provas

CESPE / CEBRASPE - 2022 - DPE-RS - Defensor Público

Com referência à execução penal, julgue o item subsequente.

De acordo com o STF, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, não se admite a progressão de regime de cumprimento de pena ou a aplicação imediata de regime menos severo do que o determinado na condenação. (Errado)

Comentários:

Súmula 716-STF: Admite-se a progressão de regime de cumprimento da pena ou a aplicação imediata de regime menos severo nela determinada, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória. A jurisprudência é no sentido de que o processo de execução criminal provisória pode ser formado ainda que haja recurso de apelação interposto pelo Ministério Público pendente de julgamento, não sendo este óbice à obtenção de benefícios provisórios na execução da pena (STJ RHC 31.222/RJ, julgado em 24/04/2012).

Conclusão

A decisão do STJ no Tema 1165, em conjunto com as recentes mudanças legislativas e entendimentos jurisprudenciais, representa um marco significativo na interpretação e aplicação das normas de execução penal.

Embora busque estabelecer critérios claros para a fixação da data-base (termo inicial) da progressão de regime, ela também levanta questões complexas sobre sua aplicabilidade prática e seus impactos no sistema prisional brasileiro. 

Por um lado, a tese reforça a natureza declaratória da decisão de progressão, potencialmente beneficiando os apenados ao reconhecer seus direitos a partir do momento em que preenchem os requisitos legais. 

Por outro lado, a obrigatoriedade do exame criminológico e sua potencial demora podem resultar em um aumento significativo do tempo de encarceramento e em uma sobrecarga ainda maior do já deficitário sistema prisional brasileiro. 

Ademais, faz-se necessário um debate amplo sobre possíveis soluções para os gargalos identificados, como a demora na realização dos exames criminológicos e a capacidade do sistema em absorver as novas demandas geradas por essa decisão e pelas recentes alterações legislativas. 

A execução penal, sendo um campo dinâmico e complexo do direito, continuará a demandar atenção e ajustes para equilibrar os direitos dos apenados, a segurança pública e a capacidade operacional do sistema prisional brasileiro. 

Por fim, o monitoramento atento dos efeitos práticos dessa decisão e das novas exigências legais será crucial para avaliar sua eficácia e, possivelmente, propor ajustes futuros na legislação ou na interpretação jurisprudencial.


    1. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2024-ago-20/contraditoria-jurisprudencia-do-marco-da-progressao-deve-aumentar-o-encarceramento-no-pais/>. ↩︎
    2. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2024-ago-19/marco-da-progressao-de-pena-e-data-em-que-ultimo-requisito-e-preenchido-decide-stj/>. ↩︎

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