Em síntese, o Superior Tribunal de Justiça decidiu em junho de 2025 que compradores inadimplentes não podem obter a adjudicação compulsória de imóveis mesmo quando há prescrição do saldo devedor e pagamento de mais de 80% do preço.
Assim, restou decidido:
A teoria do adimplemento substancial é inaplicável à adjudicação compulsória, a qual, no compromisso de compra e venda de bem imóvel, exige a quitação integral do preço, ainda que tenha ocorrido a prescrição das parcelas que perfazem o saldo devedor.
REsp 2.207.433-SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 3/6/2025, DJEN 9/6/2025.
Ora, a Terceira Turma, sob relatoria da ministra Nancy Andrighi, rejeitou por unanimidade recurso de casal paulista que pretendia usar a teoria do adimplemento substancial para regularizar situação de lote urbano.
Por que o STJ decidiu assim
Em breve síntese, a fundamentação da decisão estabelece marco jurisprudencial importante ao esclarecer que “a teoria do adimplemento substancial é inaplicável à adjudicação compulsória, que exige a quitação integral do preço, ainda que tenha ocorrido a prescrição das parcelas que perfazem o saldo devedor”.
A ministra Nancy Andrighi explicou que a prescrição atinge apenas a pretensão de cobrança, preservando o direito subjetivo ao crédito.
Nessa linha, o acórdão cita o artigo 189 do Código Civil para demonstrar que “a prescrição pode ser definida como a perda, pelo titular do direito violado, da pretensão à sua reparação”, mas não extingue a dívida propriamente dita.
Inclusive, essa distinção conceitual tornou-se crucial para afastar a argumentação dos recorrentes. Estes sustentavam ter direito à escritura definitiva após o reconhecimento judicial da prescrição das parcelas inadimplidas.
Evolução jurisprudencial consolida entendimento
Vale ressaltar que, a decisão reafirma orientação já sedimentada no STJ desde 2016, citando precedentes que condicionam a adjudicação compulsória à “quitação integral do valor avençado”.

Ora, o STJ demonstra consistência ao rejeitar tentativas de flexibilização desse requisito, mesmo diante de situações que poderiam gerar simpatia judicial, como o pagamento de parcela significativa do preço.
Assim, a teoria do adimplemento substancial, embora reconhecida como “decorrência da boa-fé objetiva”, encontra limitação específica na adjudicação compulsória.
O STJ esclareceu que essa construção doutrinária tem “por objetivo precípuo impedir que o credor resolva a relação contratual em razão de inadimplemento de ínfima parcela da obrigação”, mas sua aplicação adequada ocorre nas ações de resolução contratual, não na adjudicação.
Teoria do adimplemento substancial
Em um contrato, se uma parte descumpre a sua obrigação, a parte credora terá, em regra, duas opções:
1) poderá exigir o cumprimento da prestação que não foi adimplida; ou
2) pedir a resolução (“desfazimento”) do contrato.
Além disso, tanto em um caso como no outro, ela poderá também pedir o pagamento de eventuais perdas e danos que comprove ter sofrido. Isso está previsto no art. 475 do Código Civil:
Art. 475. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos.
A teoria do adimplemento substancial tem por objetivo mitigar o explicado acima. Segundo essa teoria, se a parte devedora cumpriu quase tudo que estava previsto no contrato (ex.: eram 48 prestações, e ela pagou 46), então, neste caso, a parte credora não terá direito de pedir a resolução do contrato porque, como faltou muito pouco, o desfazimento do pacto seria uma medida exagerada, desproporcional, injusta e violaria a boa-fé objetiva.
Desse modo, havendo adimplemento substancial (adimplemento de grande parte do contrato), o credor teria apenas uma opção: exigir do devedor o cumprimento da prestação (das prestações) que ficou (ficaram) inadimplida(s) e pleitear eventual indenização pelos prejuízos que sofreu.
Veja o clássico conceito de Clóvis do Couto e Silva:
Adimplemento substancial “constitui um adimplemento tão próximo ao resultado final, que, tendo-se em vista a conduta das partes, exclui-se o direito de resolução, permitindo-se tão somente o pedido de indenização e/ou adimplemento, de vez que a primeira pretensão viria a ferir o princípio da boa-fé (objetiva)" (O Princípio da Boa-Fé no Direito Brasileiro e Português in Estudos de Direito Civil Brasileiro e Português. São Paulo: RT, 1980, p. 56).
A origem desta teoria remonta o Direito Inglês do séc. XVIII, tendo lá recebido o nome de “substancial performance“.
A teoria do adimplemento substancial é acolhida pelo STJ?
SIM. Existem julgados adotando expressamente a teoria. Vale ressaltar, no entanto, que seu uso não pode ser banalizado a ponto de inverter a lógica jurídica de extinção das obrigações. O “normal” que as partes esperam legitimamente é que os contratos sejam cumpridos de forma integral e regular.
Diante disso, a fim de que haja critérios, o STJ afirma que são necessários três requisitos para a aplicação da teoria:
a) a existência de expectativas legítimas geradas pelo comportamento das partes;
b) o pagamento faltante há de ser ínfimo em se considerando o total do negócio;
c) deve ser possível a conservação da eficácia do negócio sem prejuízo ao direito do credor de pleitear a quantia devida pelos meios ordinários.
STJ. 4ª Turma. REsp 1581505/SC, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 18/08/2016.
Esse já era o entendimento do STJ
Ora, veja o entendimento do STJ:
Não se aplica a teoria do adimplemento substancial aos contratos de alienação fiduciária em garantia regidos pelo Decreto-Lei 911/69.
STJ. 2ª Seção. REsp 1.622.555-MG, Rel. Min. Marco Buzzi, Rel. para acórdão Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 22/2/2017 (Informativo 599).
Perceba que, a orientação jurisprudencial cria cenário de maior segurança para vendedores, impedindo que compradores inadimplentes se beneficiem da própria torpeza através da prescrição.
Ademais, a decisão adverte que aceitar a teoria do adimplemento substancial na adjudicação “produzir-se-ia um incentivo ao inadimplemento das últimas parcelas contratuais”, criando precedente perverso no mercado imobiliário.
Assim, para compradores em situação similar, o STJ indicou duas alternativas legítimas: celebração de acordo com o vendedor para quitação e outorga da escritura, ou ajuizamento de ação de usucapião quando presentes os requisitos da prescrição aquisitiva.
Logo, mesmo com pagamento de 81,77% do preço e prescrição quinquenal das parcelas restantes, a quitação integral permanece como requisito inafastável para a transferência compulsória da propriedade.
Como já foi cobrado em concursos
(Juiz Federal Substituto - TRF2 - 2018 - IBFC) - Consoante orientação contemporânea adotada pelo Superior Tribunal de Justiça, à luz dos contratos de alienação fiduciária em garantia regidos pelo Decreto-Lei n. 911/69, a teoria do adimplemento substancial é cabível em razão da disciplina do Código Civil sobre propriedade fiduciária (ERRADO).
(TJSP – Vunesp – 2023 – Juiz) É CORRETO afirmar que
(D) a teoria do adimplemento substancial pode ser aplicada nos contratos de alienação fiduciária, regidos pelo Decreto-lei no 911, de 1969. (ERRADO)
Quer saber quais serão os próximos concursos?
Confira nossos artigos para Carreiras Jurídicas!