A judicialização da saúde no Brasil é uma questão de relevância crescente, especialmente quando o tema envolve o fornecimento de medicamentos e tratamentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
A Constituição Federal de 1988 consagra o direito à saúde como um direito fundamental, e a responsabilidade de garanti-lo é solidária entre a União, Estados e Municípios.
Contudo, a divisão de competências dentro do SUS, aliada à complexidade da repartição de responsabilidades entre os entes federativos, tem gerado inúmeros questionamentos nos tribunais.
Neste contexto, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) têm sido instâncias de definição de importantes entendimentos sobre o fornecimento de medicamentos, especialmente em temas como o fornecimento de remédios não registrados na ANVISA e a solidariedade na prestação de serviços de saúde.
Antes de explicar o Tema 1234 julgado pelo STF, vou me deter a te explicar como era o cenário anterior, ok?
Tenha calma, por favor, o voto possui 97 páginas do Tema 1234, porém, preciso novamente te explicar o cenário anterior, beleza?
E por qual razão é parte 1, professor?
Porque vamos tratar da parte 2, versando sobre esse outro julgado, isto é o mérito do Recurso Extraordinário (RE) 566471 julgado pelo STF em que o Min. Barroso votou conjuntamente com o Min. Gilmar Mendes que trata do Tema 6 do STF, sobre medicamentos de alto custo.
Cenário anterior
Dentre os temas que se destacam na judicialização da saúde estão o Tema 793/STF, o Tema 500/STF e o Tema 686/STJ, cujas teses refletem o enfrentamento de questões fundamentais sobre o litisconsórcio passivo, a repartição de responsabilidades no SUS e o chamamento ao processo.
Assim, vou fazer essa análise detalhada desses Temas, com o objetivo de explicar os principais pontos de divergência e convergência entre o STF e o STJ, bem como a aplicação prática de tais entendimentos.
Tema 793/STF
Tema 793/STF: Solidariedade dos entes federativos no fornecimento de medicamentos
Os entes da Federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde e, diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro.
STF. Plenário. RE 855.178 ED/SE, rel. orig. Min. Luiz Fux, red. p/ o ac. Min. Edson Fachin, julgado em 23/5/2019 (Repercussão Geral – Tema 793) (Informativo 941).
O Tema 793/STF discute a responsabilidade solidária dos entes federativos nas demandas relacionadas à saúde pública, incluindo o fornecimento de medicamentos.
O STF fixou o entendimento de que os três entes — União, Estados e Municípios — têm responsabilidade solidária na prestação de serviços de saúde, o que significa que qualquer um deles pode ser acionado para garantir o cumprimento desse direito.
A Constituição Federal, em seu art. 23, II, estabelece a competência comum entre os entes federados para cuidar da saúde e assistência pública.
Embora essa responsabilidade seja solidária, o STF reconheceu que, na prática, a estrutura do SUS prevê uma divisão administrativa de competências: a União é responsável pela coordenação de sistemas de alta complexidade, os Estados gerenciam hospitais de referência e os Municípios cuidam da atenção básica à saúde.
Com base nisso, o magistrado pode, durante o processo, direcionar o cumprimento da decisão contra o ente competente, conforme as regras do SUS, e determinar o ressarcimento se o ente não responsável arcou com a obrigação.
Essa solidariedade foi reafirmada no julgamento do Recurso Extraordinário 855.178/SE, em que o STF fixou a tese de que a responsabilidade solidária entre os entes não impede que o juiz direcione a medida liminar ou definitiva ao ente federado competente, com base na descentralização e hierarquização dos serviços de saúde.
Tema 686/STJ
Tema 686/STJ: Chamamento ao processo nas demandas de saúde
Nas ações para fornecimento de medicamentos, apesar de a obrigação ser solidária entre Municípios, Estados e União, caso o autor tenha proposto a ação apenas contra o Estado-membro, não cabe o chamamento ao processo da União, medida que apenas iria protelar a solução da causa.
STJ. 1ª Seção. REsp 1.203.244-SC, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 9/4/2014 (Recurso Repetitivo Tema 686) (Informativo 539).
Por outro lado, no Tema 686/STJ trata da inaplicabilidade do chamamento ao processo em ações que visam o fornecimento de medicamentos.
Isto é, o STJ firmou entendimento de que, ainda que a obrigação de fornecer medicamentos seja solidária entre os entes federados, o chamamento ao processo previsto no art. 130, III, do CPC não se aplica a essas ações.
Esse dispositivo se destina a obrigações solidárias de pagamento de quantia, enquanto as demandas de saúde têm por objeto a entrega de um bem específico (medicamento), o que caracteriza uma obrigação de fazer.
Portanto, a inclusão de outros entes no processo apenas retardaria a prestação do serviço de saúde, em claro prejuízo ao direito do autor. O STJ consolidou essa orientação no julgamento do REsp 1.203.244-SC, vedando o chamamento ao processo para evitar a protelação indevida e garantir a celeridade no atendimento ao direito à saúde.
Ademais, no caso de fornecimento de medicamentos sem registro na ANVISA, a ação deverá, obrigatoriamente, ser ajuizada contra a União (Tema 500) – esse tema foi mantido com o Tema 1234 do STF.
Tema 500/STF
Tema 500/STF: Medicamentos sem registro na ANVISA
As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na ANVISA deverão necessariamente ser propostas em face da União.
STF. Plenário. RE 657.718/MG, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgado em 22/5/2019 (Repercussão Geral – Tema 500) (Informativo 941).
No Tema 500/STF, o STF tratou de uma questão específica e sensível: o fornecimento de medicamentos sem registro na ANVISA.
Nesse caso, o STF decidiu que, sendo a ANVISA uma autarquia federal responsável pelo registro de medicamentos, a União é a única entidade legitimada a figurar no polo passivo de ações que envolvam o fornecimento de medicamentos ainda não registrados.
O julgamento do RE 657.718/MG firmou a tese de que essas ações devem ser necessariamente ajuizadas contra a União, evitando-se que Estados ou Municípios sejam indevidamente onerados com obrigações que não lhes competem.
Ademais, como a competência da Justiça Federal está vinculada à presença da União no polo passivo, essas ações devem tramitar obrigatoriamente nesse ramo do Judiciário, conforme disposto no art. 109, I, da CF/88.
Legitimidade passiva – IAC 14
Prevalência da competência do juízo conforme a escolha do autor (IAC 14)
1)Nas hipóteses de ações relativas à saúde intentadas com o objetivo de compelir o Poder Público ao cumprimento de obrigação de fazer consistente na dispensação de medicamentos não inseridos na lista do SUS, mas registrados na ANVISA, deverá prevalecer a competência do juízo de acordo com os entes contra os quais a parte autora elegeu demandar.
STJ. 1ª Seção. CC 188.002-SC, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 12/4/2023 (IAC 14) (Informativo 770).
2)As regras de repartição de competência administrativas do SUS não devem ser invocadas pelos magistrados para fins de alteração ou ampliação do polo passivo delineado pela parte no momento da propositura da ação, mas tão somente para fins de redirecionar o cumprimento da sentença ou determinar o ressarcimento da entidade federada que suportou o ônus financeiro no lugar do ente público competente, não sendo o conflito de competência a via adequada para discutir a legitimidade ad causam, à luz da Lei nº 8.080/90, ou a nulidade das decisões proferidas pelo Juízo estadual ou federal, questões que devem ser analisadas no bojo da ação principal.
STJ. 1ª Seção. CC 188.002-SC, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 12/4/2023 (Informativo 770).
3)A competência da Justiça Federal, nos termos do art. 109, I, da CF/88, é determinada por critério objetivo, em regra, em razão das pessoas que figuram no polo passivo da demanda (competência ratione personae), competindo ao Juízo federal decidir sobre o interesse da União no processo (Súmula 150/STJ), não cabendo ao Juízo estadual, ao receber os autos que lhe foram restituídos em vista da exclusão do ente federal do feito, suscitar conflito de competência (Súmula 254/STJ).
STJ. 1ª Seção. CC 188.002-SC, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 12/4/2023 (Informativo 770).
A controvérsia tratada no Incidente de Assunção de Competência (IAC) 14, julgado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), abordou a questão da legitimidade passiva nas ações que pleiteiam o fornecimento de medicamentos registrados na ANVISA, mas que ainda não foram padronizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
O ponto central é a possibilidade de o autor escolher contra qual ente federado (União, Estado ou Município) deseja litigar, sem a imposição de inclusão de outros entes no processo, exceto nos casos em que o litisconsórcio seja necessário por imposição legal.
Vamos imaginar uma situação hipotética apresentada:
João, portador de degeneração macular, ingressou com uma ação contra o Estado-membro pedindo o fornecimento de um medicamento registrado na ANVISA, mas não padronizado no SUS.
O juiz estadual exigiu que João incluísse a União no polo passivo e transferiu a ação para a Justiça Federal. Contudo, ao receber o processo, o juiz federal excluiu a União, alegando que a responsabilidade entre os entes federados na área da saúde é solidária e, portanto, cabe ao autor escolher contra qual ente deseja litigar, conforme a previsão de litisconsórcio passivo facultativo.
Nesse contexto, o STJ foi chamado a resolver o conflito de competência, entendendo que, nas ações de saúde, o autor pode, de fato, escolher o ente federativo contra o qual pretende litigar. Assim, a União não precisa ser incluída na lide obrigatoriamente, ainda que o medicamento solicitado não esteja padronizado no SUS.
Porém, o STJ reafirmou que a solidariedade permite que o autor demande de qualquer dos entes federativos, sem que haja a necessidade de litisconsórcio necessário, a menos que seja previsto em lei ou decorra da natureza da relação jurídica envolvida.
Logo, no IAC 14 ficou consolidada na tese de que, nas ações relativas à saúde, prevalece a competência do juízo de acordo com os entes contra os quais o autor escolheu demandar, e não cabe ao magistrado alterar o polo passivo, exceto para fins de direcionamento do cumprimento da sentença.
Em resumo
Perceba, no julgamento do Tema 793/STF, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a solidariedade dos entes federados nas demandas de saúde, permitindo que o juiz direcione o cumprimento da decisão ao ente competente pela política pública de saúde. No entanto, essa solidariedade não autoriza a alteração do polo passivo, ou seja, o juiz não pode exigir que o autor inclua um ente que não foi originalmente demandado.
Logo, o Tema 793 não justifica a imposição de inclusão da União no processo, servindo apenas para redirecionar o cumprimento da sentença ao ente responsável e, se necessário, determinar o ressarcimento entre os entes.
Portanto, o STJ concluiu que a competência do juízo deve ser determinada pelos entes contra os quais a ação foi ajuizada, cabendo ao autor escolher se deseja demandar contra a União, Estados ou Municípios. Não cabe ao magistrado, de ofício, modificar o polo passivo, a não ser para direcionar a execução da sentença ao ente responsável.
Além disso, o STJ ressaltou que, mesmo em casos em que a União deveria fornecer o medicamento ou tratamento, o ente demandado poderá, após o cumprimento da obrigação, pedir ressarcimento com base na legislação vigente, como o art. 35, VII, da Lei nº 8.080/1990 e o art. 259 do Código Civil, que garantem a compensação entre os entes que suportaram o ônus financeiro indevidamente.
Posição do STF: divergência quanto ao STJ e afetação no Tema 1234
Embora o STJ tenha definido a questão no IAC 14, o STF estava adotandodo uma posição divergente em algumas ocasiões.
Em decisões como a do RE 1286407 AgR/PR, o STF entendeu que, em ações que envolvem medicamentos registrados na ANVISA, mas não incorporados ao SUS, a União deve obrigatoriamente figurar no polo passivo. No entanto, esse entendimento não é pacífico, havendo decisões que afirmam tratar-se de litisconsórcio facultativo, como destacado na Rcl 50.483 AgRED.
A controvérsia foi levada ao STF, que afetou o tema como Tema 1234 da Repercussão Geral, no qual seria discutida a legitimidade passiva da União e a competência da Justiça Federal nas ações que versam sobre fornecimento de medicamentos registrados, mas não padronizados no SUS.
Na decisão de afetação, o Ministro Luiz Fux, na qualidade de Presidente do STF à época, assim pontuou:
“Necessário atinar para o fato de que esta Corte concluiu pela solidariedade dos entes federados no fornecimento de medicamentos como forma de não obstar o acesso à Justiça, principalmente no que se refere a habitantes de municípios longínquos. Por outro lado, não se pode desconsiderar que o processamento de ações contra entes que não sejam os responsáveis primeiros pelo cumprimento da obrigação leva a demandas de ressarcimento desnecessárias, que apenas contribuem para o abarrotamento do Poder Judiciário. Em pesquisa realizada na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, verifica-se que tem prevalecido o entendimento de que é imprescindível o ingresso da União nas demandas que versem especificamente sobre o fornecimento de medicamentos registrados na ANVISA, mas não padronizados no SUS. (...)”
Cenário atual – competência e decisão do Tema 1234 do STF – 13/09/2024
Agora que você já tem noção da complexidade do tema, eu vou ser mais sucinto no voto de 97 páginas do Min. Gilmar Mendes que será o relator do acórdão para entendermos o que ficou decidido.
Definição de medicamentos não incorporados
De início, o STF estabeleceu uma definição clara do que são considerados medicamentos não incorporados:
- Medicamentos fora do SUS;
- Medicamentos fora da lista de componentes básicos;
- Casos de uso off-label sem protocolo de tratamento;
- Medicamentos sem registro na ANVISA;
- Medicamentos já fornecidos pelo SUS para uma finalidade, mas solicitados para outra não prevista no protocolo de tratamento.
Isso é importante especialmente aos medicamentos que estão com “registro na Anvisa”, que era um dos temas afetados no Tema 1234.
Finalmente, de quem é a competência jurisdicional dos medicamentos com registro na Anvisa?
A competência para julgar os processos de concessão de medicamentos não incorporados agora depende do valor da causa:
Para medicamentos com registro na ANVISA
- Justiça Estadual: medicamentos com valor inferior a 210 salários mínimos;
- Justiça Federal: medicamentos com valor igual ou superior a 210 salários mínimos.
Para medicamentos sem registro na ANVISA
- Justiça Federal: Tema 500 do STF
Perceba, para medicamentos sem registro na ANVISA, mantém-se a competência da Justiça Federal, conforme o Tema 500 da Repercussão Geral, explicado anteriormente.
De quem será o custeio e haverá ressarcimento pela União?
Definiu-se a responsabilidade pelo custeio dos medicamentos da seguinte forma:
- Justiça Federal: custeio integral pela União;
- Justiça Estadual (entre 7 e 210 salários mínimos): 65% pela União, com ressarcimento via repasse fundo a fundo;
- Abaixo de 7 salários mínimos: aparentemente, custeio integral pelo Estado (embora a tese não seja explícita sobre a exclusão dos municípios).
Para medicamentos oncológicos, há uma regra específica:
- Ações ajuizadas até 10/06/2024: ressarcimento de 80% pela União;
- Ações ajuizadas após 10/06/2024: percentual que a Comissão Intergestores Tripartite definirá.
E o que muda na análise judicial e quanto ao ônus da prova?
Quanto à análise judicial
O STF estabeleceu critérios mais rigorosos para a análise judicial em casos de fornecimento de medicamentos:
a) Obrigatoriedade de análise do ato administrativo:
O juiz deve obrigatoriamente analisar o ato de não incorporação pela CONITEC e a negativa de fornecimento administrativo. Isso significa que o juiz não pode simplesmente ignorar as decisões administrativas e deve considerá-las em sua análise.
b) Limitação da discricionariedade judicial:
O juiz está proibido de substituir a vontade do administrador pela sua própria. Isso visa respeitar a separação de poderes e as decisões técnicas da administração pública.
c) Vedação à análise do mérito administrativo:
O juiz não pode adentrar no mérito das decisões administrativas, limitando-se a um controle de legalidade.
d) Controle de legalidade:
Obviamente, o juiz pode realizar um controle de legalidade, verificando se o ato administrativo está em conformidade com a Constituição, a legislação vigente e a política pública do SUS.
Quanto ao ônus da prova
Modificou-se significativamente o ônus da prova, recaindo agora sobre o autor da ação:
a) Segurança e eficácia:
O autor deve demonstrar a segurança e eficácia do tratamento requerido, não bastando apenas a prescrição médica.
b) Ausência de substituto:
Deve haver comprovação da inexistência de um substituto terapêutico já incorporado ao SUS.
c) Medicina baseada em evidências:
A fundamentação deve se basear em medicina baseada em evidências, especificamente em ensaios clínicos randomizados, revisões sistemáticas ou metanálises.
Plataforma Nacional de Informações
Além disso, haverá a criação de uma “Plataforma Nacional de Informações”, o que representa uma inovação significativa, conforme voto do Relator que diz as vantagens:
a) Centralização de informações:
Permitirá uma visão global das demandas judiciais e administrativas.
b) Transparência:
Haverá consulta aberta ao cidadão.
c) Orientação de políticas públicas:
Auxiliará na definição e ajuste de políticas públicas de saúde.
d) Fluxos diferenciados:
Criará fluxos de atendimento específicos para diferentes situações.
e) Definição de responsabilidades:
Ajudará a definir claramente as responsabilidades de custeio.
f) Monitoramento:
Permitirá acompanhar os pacientes beneficiários de decisões judiciais.
Quais são as implicações imediatas?
a) Houve modulação de efeitos: a mudança de competência só valerá para novos processos, evitando tumulto processual.
b) Impacto nos Juizados Especiais Federais: provavelmente não processarão mais demandas de medicamentos não incorporados devido ao limite de valor.
c) Controle da prescrição médica: o novo sistema de prescrição eletrônica e acompanhamento periódico permitirá maior controle e possibilitará a comunicação aos conselhos profissionais em casos de desvios éticos.
d) Precificação de medicamentos: as novas regras visam limitar o preço pago pelos medicamentos, considerando o menor valor entre diferentes referências e nunca excedendo o Preço Máximo de Venda ao Governo
Como o tema já foi cobrado em concursos
(2023 - Juiz Federal - TRF1) Ana foi acometida por patologia que aceleraria a degeneração de determinados órgãos do seu corpo sempre que tivesse contato com certas substâncias muito comuns na generalidade dos alimentos. Após procurar diversos especialistas, recebeu a informação de que esse processo degenerativo poderia ser afastado com a utilização do medicamento XX. Esse medicamento era largamente utilizado na quase totalidade dos países europeus, contando com o devido registro em agências de regulação de indiscutível projeção e credibilidade no cenário internacional. Para surpresa de Ana, o medicamento ainda não tinha sido registrado perante a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), embora o respectivo requerimento já tivesse sido formulado há muito tempo, havendo mora irrazoável na sua apreciação, considerando a legislação de regência. Por tal razão, não era oferecido no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). À luz dessa narrativa, é correto afirmar que Ana: a) poderá obter o medicamento XX, caso ingresse com ação em face de qualquer ente federativo que integre o SUS, devendo demonstrar que centros de pesquisa sediados no Brasil chancelaram a sua eficácia; b) poderá obter o medicamento XX, caso ingresse com ação judicial em face da União, único ente legitimado a figurar no polo passivo da demanda, devendo ser demonstrado apenas que o medicamento XX é imprescindível à preservação de sua vida; c) poderá obter o medicamento XX, caso ingresse com ação em face de qualquer ente que integre o SUS, devendo demonstrar que o medicamento XX integra protocolos de intervenção terapêutica aprovados pela Agência Nacional de Saúde; d) poderá obter o medicamento XX, caso ingresse com ação judicial em face da União, único ente legitimado a figurar no polo passivo da demanda, devendo ser demonstrada a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil; e) não poderá compelir qualquer estrutura estatal de poder a lhe fornecer o medicamento XX, salvo se demonstrar a sua hipossuficiência econômica e que o registro do medicamento já recebeu parecer favorável dos órgãos internos da Anvisa. Gabarito: D
(PGE/RR - Procurador do Estado - Cespe - 2023) Conforme jurisprudência dominante do STJ, em ação ajuizada contra Estado-membro com pedido de obrigação de fazer consistente no fornecimento de medicamentos não inseridos na lista do Sistema Único de Saúde (SUS), mas registrado na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), será obrigatória a inclusão da União na relação processual bem como o encaminhamento do feito para a justiça federal. Gabarito: errado.
Conclusão
Ei, professor, eu já estou ficando tonto com muita informação, me faça um resumo aí massa, vá, rsrs…
Entendimento anterior ao Tema 1234
Seguinte, consolidando o entendimento anterior ao Tema 1234 do STF:
1)Responsabilidade solidária dos entes federativos: anteriormente, entendia-se que União, Estados, Distrito Federal e Municípios tinham responsabilidade solidária no fornecimento de medicamentos, com base no art. 23, II da Constituição Federal. Isso significava que o cidadão poderia escolher contra qual ente federativo ajuizar a ação. 2)Tema 793 do STF: o STF havia fixado a tese de que os entes federativos eram solidariamente responsáveis nas demandas de saúde, mas o juiz poderia direcionar o cumprimento da decisão conforme as regras de repartição de competências do SUS. 3)Entendimento do STJ (IAC 14): o STJ decidiu que deveria prevalecer a competência do juízo de acordo com os entes contra os quais a parte autora elegeu demandar. As regras de repartição de competência do SUS não deveriam ser usadas para alterar o polo passivo, apenas para redirecionar o cumprimento da sentença ou determinar ressarcimento. 4)Divergência no STF: havia divergência no STF, com algumas decisões entendendo pela obrigatoriedade da inclusão da União no polo passivo e outras defendendo o litisconsórcio facultativo. 5)Tutela provisória no RE 1.366.243: o STF concedeu tutela provisória estabelecendo parâmetros temporários: para medicamentos padronizados, o polo passivo deveria observar a repartição de responsabilidades do SUS; para medicamentos não incorporados, a ação deveria ser processada no juízo escolhido pelo autor (enquanto não julgasse o Tema 1234).
Pós Tema 1234
Mudanças trazidas pelo voto do Ministro Gilmar Mendes no Tema 1234:
1)Critério de competência baseado no valor do tratamento: a principal mudança é a definição de um critério objetivo para determinar a competência. Ações relativas a medicamentos não incorporados, mas com registro na ANVISA, serão de competência da Justiça Federal quando o valor do tratamento anual for igual ou superior a 210 salários mínimos.
2)Definição clara de medicamentos não incorporados: o voto traz uma definição precisa do que são considerados medicamentos não incorporados, incluindo aqueles que não constam na política do SUS, previstos nos PCDTs para outras finalidades, sem registro na ANVISA, e off label sem PCDT.
3)Regras de custeio e ressarcimento: estabelece regras detalhadas sobre o custeio e ressarcimento entre os entes federativos, incluindo percentuais específicos para diferentes situações.
4)Análise judicial obrigatória do ato administrativo: o juiz deverá obrigatoriamente analisar o ato administrativo de não incorporação pela Conitec e a negativa de fornecimento na via administrativa.
5)Ônus da prova: define que é do autor da ação o ônus de demonstrar a segurança, eficácia e inexistência de substituto terapêutico incorporado pelo SUS.
6)Criação de plataforma nacional: prevê a implementação de uma plataforma nacional para centralizar informações sobre demandas de medicamentos.
Vale lembrar que houve modulação de efeitos, isto é, as novas regras de competência só se aplicarão aos processos ajuizados após a publicação do acórdão.
Se você ainda quiser um bom resumo, o STF publicou no seu site, só não confunda com o tema de medicamentos de alto custo, que ficará para outro post aqui: RESUMO DO STF.
Por fim, o voto do Min Gilmar, propõe a transformação do entendimento em súmula vinculante:
“O pedido e a análise administrativos de fármacos na rede pública de saúde, a judicialização do caso, bem ainda seus desdobramentos (administrativos e jurisdicionais), devem observar os termos dos 3 (três) acordos interfederativos (e seus fluxos) homologados pelo Supremo Tribunal Federal, em governança judicial colaborativa, no Tema 1234 da sistemática da repercussão geral (RE 1.366.243)”
E, agora, o que foi decidido como tese do Tema 1234 do STF:
I – Competência Para fins de fixação de competência, as demandas relativas a medicamentos não incorporados na política pública do SUS, mas com registro na ANVISA, tramitarão perante a Justiça Federal, nos termos do art. 109, I, da Constituição Federal, quando o valor do tratamento anual específico do fármaco ou do princípio ativo, com base no Preço Máximo de Venda do Governo (PMVG - situado na alíquota zero), divulgado pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED - Lei 10.742/2003), for igual ou superior ao valor de 210 salários mínimos, na forma do art. 292 do CPC. 1.1) Existindo mais de um medicamento do mesmo princípio ativo e não sendo solicitado um fármaco específico, considera-se, para efeito de competência, aquele listado no menor valor na lista CMED (PMVG, situado na alíquota zero). 1.2) No caso de inexistir valor fixado na lista CMED, considera-se o valor do tratamento anual do medicamento solicitado na demanda, podendo o magistrado, em caso de impugnação pela parte requerida, solicitar auxílio à CMED, na forma do art. 7º da Lei 10.742/2003. 1.3) Caso inexista resposta em tempo hábil da CMED, o juiz analisará de acordo com o orçamento trazido pela parte autora. 1.4) No caso de cumulação de pedidos, para fins de competência, será considerado apenas o valor do(s) medicamento(s) não incorporado(s) que deverá(ão) ser somado(s), independentemente da existência de cumulação alternativa de outros pedidos envolvendo obrigação de fazer, pagar ou de entregar coisa certa. II – Definição de Medicamentos Não Incorporados 2.1) Consideram-se medicamentos não incorporados aqueles que não constam na política pública do SUS; medicamentos previstos nos PCDTs para outras finalidades; medicamentos sem registro na ANVISA; e medicamentos off label sem PCDT ou que não integrem listas do componente básico. 2.1.1) Conforme decidido pelo Supremo Tribunal Federal na tese fixada no tema 500 da sistemática da repercussão geral, é mantida a competência da Justiça Federal em relação às ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na Anvisa, as quais deverão necessariamente ser propostas em face da União, observadas as especificidades já definidas no aludido tema. III – Custeio 3) As ações de fornecimento de medicamentos incorporados ou não incorporados, que se inserirem na competência da Justiça Federal, serão custeadas integralmente pela União, cabendo, em caso de haver condenação supletiva dos Estados e do Distrito Federal, o ressarcimento integral pela União, via repasses Fundo a Fundo (FNS ao FES), na situação de ocorrer redirecionamento pela impossibilidade de cumprimento por aquela, a ser implementado mediante ato do Ministério da Saúde, previamente pactuado em instância tripartite, no prazo de até 90 dias. 3.1) Figurando somente a União no polo passivo, cabe ao magistrado, se necessário, promover a inclusão do Estado ou Município para possibilitar o cumprimento efetivo da decisão, o que não importará em responsabilidade financeira nem em ônus de sucumbência, devendo ser realizado o ressarcimento pela via acima indicada em caso de eventual custo financeiro ser arcado pelos referidos entes. 3.2) Na determinação judicial de fornecimento do medicamento, o magistrado deverá estabelecer que o valor de venda do medicamento seja limitado ao preço com desconto, proposto no processo de incorporação na Conitec (se for o caso, considerando o venire contra factum proprium/tu quoque e observado o índice de reajuste anual de preço de medicamentos definido pela CMED), ou valor já praticado pelo ente em compra pública, aquele que seja identificado como menor valor, tal como previsto na parte final do art. 9º na Recomendação 146, de 28.11.2023, do CNJ. Sob nenhuma hipótese, poderá haver pagamento judicial às pessoas físicas/jurídicas acima descritas em valor superior ao teto do PMVG, devendo ser operacionalizado pela serventia judicial junto ao fabricante ou distribuidor. 3.3) As ações que permanecerem na Justiça Estadual e cuidarem de medicamentos não incorporados, as quais impuserem condenações aos Estados e Municípios, serão ressarcidas pela União, via repasses Fundo a Fundo (FNS ao FES ou ao FMS). Figurando somente um dos entes no polo passivo, cabe ao magistrado, se necessário, promover a inclusão do outro para possibilitar o cumprimento efetivo da decisão. 3.3.1) O ressarcimento descrito no item 3.3 ocorrerá no percentual de 65% (sessenta e cinco por cento) dos desembolsos decorrentes de condenações oriundas de ações cujo valor da causa seja superior a 7 (sete) e inferior a 210 (duzentos e dez) salários mínimos, a ser implementado mediante ato do Ministério da Saúde, previamente pactuado em instância tripartite, no prazo de até 90 dias. 3.4) Para fins de ressarcimento interfederativo, quanto aos medicamentos para tratamento oncológico, as ações ajuizadas previamente a 10 de junho de 2024 serão ressarcidas pela União na proporção de 80% (oitenta por cento) do valor total pago por Estados e por Municípios, independentemente do trânsito em julgado da decisão, a ser implementado mediante ato do Ministério da Saúde, previamente pactuado em instância tripartite, no prazo de até 90 dias. O ressarcimento para os casos posteriores a 10 de junho de 2024 deverá ser pactuado na CIT, no mesmo prazo. IV – Análise judicial do ato administrativo de indeferimento de medicamento pelo SUS 4) Sob pena de nulidade do ato jurisdicional (art. 489, § 1º, V e VI, c/c art. 927, III, §1º, ambos do CPC), o Poder Judiciário, ao apreciar pedido de concessão de medicamentos não incorporados, deverá obrigatoriamente analisar o ato administrativo comissivo ou omissivo da não incorporação pela Conitec e da negativa de fornecimento na via administrativa, tal como acordado entre os Entes Federativos em autocomposição no Supremo Tribunal Federal. 4.1) No exercício do controle de legalidade, o Poder Judiciário não pode substituir a vontade do administrador, mas tão somente verificar se o ato administrativo específico daquele caso concreto está em conformidade com as balizas presentes na Constituição Federal, na legislação de regência e na política pública no SUS. 4.2) A análise jurisdicional do ato administrativo que indefere o fornecimento de medicamento não incorporado restringe-se ao exame da regularidade do procedimento e da legalidade do ato de não incorporação e do ato administrativo questionado, à luz do controle de legalidade e da teoria dos motivos determinantes, não sendo possível incursão no mérito administrativo, ressalvada a cognição do ato administrativo discricionário, o qual se vincula à existência, à veracidade e à legitimidade dos motivos apontados como fundamentos para a sua adoção, a sujeitar o ente público aos seus termos. 4.3) Tratando-se de medicamento não incorporado, é do autor da ação o ônus de demonstrar, com fundamento na Medicina Baseada em Evidências, a segurança e a eficácia do fármaco, bem como a inexistência de substituto terapêutico incorporado pelo SUS. 4.4) Conforme decisão da STA 175-AgR, não basta a simples alegação de necessidade do medicamento, mesmo que acompanhada de relatório médico, sendo necessária a demonstração de que a opinião do profissional encontra respaldo em evidências científicas de alto nível, ou seja, unicamente ensaios clínicos randomizados, revisão sistemática ou meta-análise. V – Plataforma Nacional 5) Os Entes Federativos, em governança colaborativa com o Poder Judiciário, implementarão uma plataforma nacional que centralize todas as informações relativas às demandas administrativas e judiciais de acesso a fármaco, de fácil consulta e informação ao cidadão, na qual constarão dados básicos para possibilitar a análise e eventual resolução administrativa, além de posterior controle judicial. 5.1) A porta de ingresso à plataforma será via prescrições eletrônicas, devidamente certificadas, possibilitando o controle ético da prescrição, a posteriori, mediante ofício do Ente Federativo ao respectivo conselho profissional. 5.2) A plataforma nacional visa a orientar todos os atores ligados ao sistema público de saúde, possibilitando a eficiência da análise pelo Poder Público e compartilhamento de informações com o Poder Judiciário, mediante a criação de fluxos de atendimento diferenciado, a depender de a solicitação estar ou não incluída na política pública de assistência farmacêutica do SUS e de acordo com os fluxos administrativos aprovados pelos próprios Entes Federativos em autocomposição. 5.3) A plataforma, entre outras medidas, deverá identificar quem é o responsável pelo custeio e fornecimento administrativo entre os Entes Federativos, com base nas responsabilidades e fluxos definidos em autocomposição entre todos os Entes Federativos, além de possibilitar o monitoramento dos pacientes beneficiários de decisões judiciais, com permissão de consulta virtual dos dados centralizados nacionalmente, pela simples consulta pelo CPF, nome de medicamento, CID, entre outros, com a observância da Lei Geral de Proteção da Dados e demais legislações quanto ao tratamento de dados pessoais sensíveis. 5.4) O serviço de saúde cujo profissional prescrever medicamento não incorporado ao SUS deverá assumir a responsabilidade contínua pelo acompanhamento clínico do paciente, apresentando, periodicamente, relatório atualizado do estado clínico do paciente, com informações detalhadas sobre o progresso do tratamento, incluindo melhorias, estabilizações ou deteriorações no estado de saúde do paciente, assim como qualquer mudança relevante no plano terapêutico. VI – Medicamentos incorporados 6) Em relação aos medicamentos incorporados, conforme conceituação estabelecida no âmbito da Comissão Especial e constante do Anexo I, os Entes concordam em seguir o fluxo administrativo e judicial detalhado no Anexo I, inclusive em relação à competência judicial para apreciação das demandas e forma de ressarcimento entre os Entes, quando devido. 6.1) A(o) magistrada(o) deverá determinar o fornecimento em face de qual ente público deve prestá-lo (União, estado, Distrito Federal ou Município), nas hipóteses previstas no próprio fluxo acordado pelos Entes Federativos, anexados ao presente acórdão" (STF. Plenário. RE 1366243, Rel. Min. Gilmar Mendes, data do julgamento 13/09/2023 – Tema 1234 de Repercussão Geral)
Referências
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Em ação pedindo medicamento do poder público, o juiz pode exigir a presença da União caso ela não figure no polo passivo? Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/2c5a6c94ba9dea2c9a656407e1b9bd8c>. Acesso em: 14/09/2024.
STF. Tema 1234. Disponível em: <https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=6335939&numeroProcesso=1366243&classeProcesso=RE&numeroTema=1234>.
VIEIRA, André. Concessão judicial de medicamentos. STF, Tema 1234 (TESE ESQUEMATIZADA). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=QiLrD8pybZY>.
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