STF valida tipo de atividade como critério para taxa de fiscalização do estabelecimento – análise da decisão paradigmática no ARE 990.094

STF valida tipo de atividade como critério para taxa de fiscalização do estabelecimento – análise da decisão paradigmática no ARE 990.094

Entenda a decisão do STF sobre a taxa de fiscalização de estabelecimento e seus impactos para empresas e municípios em 2025.

taxa de fiscalização de estabelecimento

A Suprema Corte brasileira acaba de resolver uma controvérsia que há décadas divide doutrina e jurisprudência no direito tributário nacional. 

Em decisão unânime proferida na sessão virtual encerrada em 18 de agosto de 2025, o Pleno do Supremo Tribunal Federal, nos autos do Recurso Extraordinário com Agravo 990.094, sob a relatoria do ministro Gilmar Mendes, fixou entendimento definitivo sobre a possibilidade de utilização do tipo de atividade exercida pelo estabelecimento como parâmetro válido para definição do valor de taxas decorrentes do exercício do poder de polícia municipal:

“É constitucional considerar o tipo de atividade exercida pelo contribuinte como um dos critérios para fixação do valor de taxa do fiscalização do estabelecimento.”

A construção dogmática da decisão e o resgate do conceito clássico de taxa

O ministro relator iniciou sua fundamentação resgatando conceito clássico formulado por Geraldo Ataliba, segundo o qual as taxas constituem “tributo vinculado cuja hipótese de incidência consiste numa atuação estatal direta e imediatamente referida ao obrigado”. 

Esta premissa teórica revelou-se essencial para o desenvolvimento posterior da argumentação, porquanto estabelece desde logo o caráter sinalagmático que deve presidir a relação jurídico-tributária.

Outrossim, o voto incorporou vasta fundamentação doutrinária, citando precisamente as lições de Paulo de Barros Carvalho sobre a necessidade de que “em qualquer das hipóteses previstas para a instituição de taxas – prestação de serviço público ou exercício do poder de polícia – o caráter sinalagmático deste tributo haverá de mostrar-se à evidência”. 

Tal citação demonstra como a Corte procurou ancorar sua decisão em sólidas bases teóricas, evitando o pragmatismo excessivo que por vezes caracteriza julgamentos sobre questões tributárias.

Ademais, merece destaque especial a incorporação pelo relator dos ensinamentos de Humberto Ávila, para quem “as taxas só podem ser instituídas em razão de atividade estatal relacionada ao contribuinte, devendo o seu valor manter não apenas uma relação de pertinência, mas também uma relação de equivalência com esta atividade”. 

Esta passagem revela-se fundamental porque estabelece dupla exigência: pertinência e equivalência, conceitos que posteriormente foram aplicados ao caso concreto.

O que é base de cálculo?

É o valor sobre o qual a alíquota irá incidir. Ex: a alíquota do tributo é de 5%. A base de cálculo é 1000 reais. Logo, o valor do tributo será 5% de 1000 reais (50 reais).

A base de cálculo deve estar prevista na própria lei.

Qual critério o legislador deve adotar para fixar a base de cálculo das taxas?

Vimos acima que a taxa é um tributo contraprestacional. Logo, sua base de cálculo deve estar relacionada com o custo do serviço ou do poder de polícia exercido.

Segundo afirma a doutrina, não é necessário que a base de cálculo seja exatamente igual ao custo do serviço público prestado. A base de cálculo da taxa deve estar relacionada com o custo. Deve haver uma “equivalência razoável entre o custo real dos serviços e o montante a que pode ser compelido o contribuinte a pagar.” (Min. Moreira Alves, STF Rp 1077/RJ).

Assim, o que não pode ocorrer é o valor da base de cálculo ser muito superior ao custo do serviço, uma vez que, nesse caso, haveria enriquecimento sem causa por parte do Estado ou até mesmo uma forma de confisco (STF ADI 2551).

Caso concreto julgado pelo STF – Taxa de fiscalização

Em um determinado Município, foi instituída uma taxa de localização e funcionamento de estabelecimento industrial e comercial. Assim, os estabelecimentos comerciais e industriais eram obrigados a pagar uma taxa ao Município por conta da fiscalização que ele exercia nesses empreendimentos (taxa de poder de polícia). Comumente, era conhecida como “alvará de funcionamento”.

Ocorre que a lei municipal previu que a base de cálculo dessa taxa seria o número de empregados da empresa. Assim, quanto mais trabalhadores, maior a base de cálculo.

Esse critério escolhido é constitucional?

NÃO! O STF entendeu que o número de empregados não pode ser utilizado como base de cálculo para a cobrança da taxa de localização e funcionamento de estabelecimento industrial e comercial.

O legislador municipal, ao escolher o número de empregados para fixar a base de cálculo, levou em consideração qualidades externas e estranhas ao exercício do poder de polícia, sem pertinência quanto ao aspecto material da hipótese de incidência.

A taxa é tributo contraprestacional (vinculado), usado na remuneração de atividade específica, seja serviço ou exercício do poder de polícia e, por isso, não pode fixar a base de cálculo usando como critério os sinais presuntivos de riqueza do contribuinte.

O valor das taxas deve estar relacionado com o custo do serviço que as motiva, ou com a atividade de polícia desenvolvida.

STF. 1ª Turma. RE 554951/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 15/10/2013 (Info 724).

Base de cálculo das taxas não pode ser igual a dos impostos

A base de cálculo da taxa não pode ser idêntica a de algum imposto que já exista.

Exemplo: A base de cálculo do IPTU é o valor venal do imóvel. Logo, não pode ser instituída uma taxa que tenha esse mesmo critério como base de cálculo.

Essa é uma vedação imposta tanto pela CF/88 como pelo CTN:

Art. 145 (...) § 2º – As taxas não poderão ter base de cálculo própria de impostos.
CF/88

Art. 77 (...) Parágrafo único. A taxa não pode ter base de cálculo ou fato gerador idênticos aos que correspondam a imposto nem ser calculada em função do capital das empresas.
CTN

Outro exemplo:

Súmula 595-STF: É inconstitucional a taxa municipal de conservação de estradas de rodagem cuja base de cálculo seja idêntica a do imposto territorial rural.

Diferença entre a base de cálculo dos impostos e das taxas:

ImpostoTaxa
Tributo não contraprestacional.Tributo contraprestacional.
Não goza de referibilidade (o Estado não cobra o imposto por causa de alguma coisa que ele faça ao contribuinte).Goza de referibilidade direta (a atuação estatal que representa o fato gerador da taxa está relacionada, ou seja, refere-se diretamente ao contribuinte, e não a coletividade em geral).
BC = valor da manifestação de riqueza (quanto mais patrimônio a pessoa demonstre ter, maior será sua BC). Ex.: IRBC = custo do serviço.
O cálculo do valor do imposto deve levar em consideração a capacidade econômica do contribuinte (capacidade contributiva), segundo prevê o § 1º do art. 145 da CF/88.O cálculo do valor da taxa deve estar relacionado com o serviço prestado ou com o poder de polícia desempenhado.Segundo a interpretação literal do § 1º do art. 145 da CF/88, a capacidade econômica do contribuinte (capacidade contributiva) se aplica para os impostos. Apesar disso, existem alguns julgados do STF afirmando que o princípio da capacidade contributiva também pode ser aplicado para taxas. Verifique como isso será cobrado na prova (redação literal x segundo entendimento do STF).

O que a CF/88 veda é que a BC da taxa seja idêntica à do imposto

Segundo o STF interpreta o § 2º do art. 145 da CF/88, a base de cálculo da taxa pode ter alguns elementos parecidos com a do imposto. O que se proíbe é que a BC da taxa seja idêntica à de algum imposto.

Desse modo, essa vedação acaba sendo muito mitigada pela jurisprudência do STF.

Exemplo: A base de cálculo do IPTU é o valor venal do imóvel. No entanto, no momento de se chegar ao valor do bem, um dos elementos que é utilizado nesse cálculo é o tamanho do imóvel. Em um determinado município, foi instituída uma taxa de cobrança pela coleta domiciliar de lixo e a base de cálculo escolhida pelo legislador foi o tamanho do imóvel. Assim, quanto maior o imóvel, maior seria a base de cálculo da taxa.

Questionou-se esse critério no STF, tendo a Corte decidido que é constitucional essa previsão. Entendeu-se que existe uma presunção de que os imóveis maiores produzem mais lixo que os imóveis menores.

O Tribunal considerou ainda que a metragem da área construída do imóvel constitui apenas um dos elementos que integram a BC do IPTU, não havendo assim identidade absoluta entre a BC da taxa e do imposto.

Esse entendimento foi, então, pacificado pelo STF:

Súmula vinculante n.° 29-STF:

É constitucional a adoção, no cálculo do valor de taxa, de um ou mais elementos da base de cálculo própria de determinado imposto, desde que não haja integral identidade entre uma base e outra.

Voltando ao caso concreto: o princípio da referibilidade como vetor hermenêutico central

Destarte, a decisão desenvolve extensamente o que denomina “princípio da referibilidade”, também referido como “princípio da equivalência” na doutrina portuguesa ou “princípio da cobertura de custos” (Kostendeckungsprinzip) no direito alemão. 

O ministro Gilmar Mendes transcreveu expressamente as lições do professor português Sérgio Vasques sobre o tema, segundo as quais “o sentido essencial do princípio da equivalência está em proibir que se introduzam nos tributos comutativos diferenciações alheias ao custo ou ao benefício, assim como em proibir que o valor destes tributos ultrapasse esse mesmo custo ou benefício”.

Consequentemente, esta fundamentação teórica permitiu ao relator estabelecer parâmetros objetivos para análise da constitucionalidade de taxas: primeiro, deve existir correlação entre o valor cobrado e o custo da atividade administrativa; segundo, não podem ser introduzidos critérios alheios a esta relação custo-benefício; terceiro, o valor não pode ultrapassar o custo efetivo da prestação estatal.

Nesse contexto, o voto faz referência expressa à jurisprudência consolidada da própria Corte, citando precedente da lavra do ministro Celso de Mello, segundo o qual:

“a taxa, enquanto contraprestação a uma atividade do Poder Público, não pode superar a relação de razoável equivalência que deve existir entre o custo real da atuação estatal referida ao contribuinte e o valor que o Estado pode exigir de cada contribuinte”.

A aplicação concreta do princípio e os exemplos paradigmáticos

No que tange à aplicação prática desses conceitos teóricos, o ministro relator desenvolveu argumentação especialmente rica em exemplificações concretas. Conforme registrou, “não se pode ignorar que o exercício do poder de polícia na presente hipótese, o qual engloba a atividade de controle, vigilância e fiscalização de estabelecimentos, será mais ou menos custoso ao Poder Público de acordo com a atividade desempenhada pelo estabelecimento objeto de fiscalização”.

Por conseguinte, o voto apresenta exemplo didático que se tornou paradigmático: “é natural compreender, por exemplo, que um posto de combustível deve pagar valor superior, a título de taxa de poder de polícia, em comparação a uma agência de viagem. Afinal, a fiscalização do primeiro estabelecimento, por envolver maior risco à saúde e à segurança, deverá ser feita de maneira mais cautelosa que a do segundo estabelecimento”.

Entretanto, o relator teve o cuidado de esclarecer que “não se exige uma referibilidade absoluta entre o valor cobrado e o custo exato do serviço público. 

Exigir tal precisão inviabilizaria a arrecadação e a própria gestão tributária, dada a complexidade de mensurar individualmente o custo de cada serviço ou ato fiscalizatório em relação a cada contribuinte”.

O diálogo com precedentes e a consolidação jurisprudencial

Importante observar que o ministro Gilmar Mendes procedeu a extenso levantamento jurisprudencial, citando numerosos precedentes da própria Corte que já haviam chancelado critérios diferenciados para cobrança de taxas. 

Dentre eles, destacam-se decisões que validaram como parâmetros legítimos a área do imóvel (para taxas de localização e funcionamento), o porte da empresa aferido pela receita bruta (para taxa de controle ambiental), a quantidade de produto fiscalizado (para taxa florestal) e a metragem quadrada (para taxa de coleta de lixo).

Dessarte, a decisão insere-se numa linha evolutiva coerente, não representando ruptura jurisprudencial, mas antes consolidação de entendimento que vinha sendo construído casuisticamente. 

Com efeito, o voto faz referência expressa à Súmula Vinculante 19, que já estabelecia ser “constitucional a adoção, no cálculo do valor de taxa, de um ou mais elementos da base de cálculo própria de determinado imposto, desde que não haja integral identidade entre uma base e outra”.

Similarmente, o relator invocou o Tema 146 da sistemática da repercussão geral, cuja tese consolidada dispõe que “é constitucional a adoção, no cálculo do valor de taxa, de um ou mais elementos da base de cálculo própria de determinado imposto, desde que não haja integral identidade entre uma base e outra”.

Todavia, a decisão estabelece limites claros para essa diferenciação. Conforme registrou o relator, “a cobrança deve ser diretamente proporcional ao custo da atividade colocada à disposição ou prestada pelo Estado, dentro de um limite razoável, sob pena de violar princípios constitucionais”. 

Por fim, cumpre ressaltar que a tese fixada para fins de repercussão geral – “É constitucional considerar o tipo de atividade exercida pelo contribuinte como um dos critérios para fixação do valor de taxa de fiscalização do estabelecimento” – estabelece marcos definitivos para a matéria, proporcionando segurança jurídica tanto para os entes tributantes quanto para os contribuintes.

Como o tema já caiu em provas:

Ano: 2025 Banca: FGV Órgão: TRF – 5ª REGIÃO Prova: FGV – 2025 – TRF – 5ª REGIÃO – Juiz Substituto

Suponha que determinada lei estadual instituiu taxa de controle, monitoramento e fiscalização ambiental das atividades de geração, transmissão e/ou distribuição de energia elétrica de origem hidráulica, térmica e termonuclear, tendo como fato gerador o exercício regular do poder de polícia sobre as referidas atividades no âmbito da unidade federativa.

Considere, ainda, que a aludida lei estadual estabeleceu que o valor do tributo será determinado em razão do volume de energia elétrica gerado pelo explorador da atividade, bem como em virtude da receita bruta e do número de empregados do estabelecimento contribuinte.

De acordo com a Constituição Federal de 1988 e com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre o tema, a mencionada lei estadual pode, em tese, ser considerada:

a) Materialmente constitucional no que concerne à previsão de que o valor da taxa será fixado em virtude da receita bruta do explorador da atividade, haja vista que o porte da empresa pode ser utilizado como critério idôneo para a mensuração do custo da atividade estatal de fiscalização ambiental;

b) Materialmente inconstitucional no que diz respeito à previsão de que o valor da taxa será condicionado à quantidade de energia elétrica produzida e ao número de empregados do estabelecimento contribuinte, uma vez que tais critérios não guardam relação de pertinência com a atividade estatal de fiscalização ambiental;

c) Formalmente inconstitucional no que tange à previsão relativa à energia termonuclear, por invadir a competência privativa da União para legislar sobre atividades nucleares, assim como por inobservar o monopólio exercido pela União sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados;

d) Materialmente constitucional no que se refere à previsão de que o valor do tributo será fixado em razão do número de empregados do estabelecimento contribuinte, na medida em que, quanto maior for o referido número, maior poderá ser o impacto social e ambiental do empreendimento, a justificar um grau mais elevado de controle e fiscalização do poder público;

e) Materialmente inconstitucional em relação à previsão de que o valor do tributo será determinado pelo volume de energia elétrica gerado pelo contribuinte, porquanto tal critério excede de forma desproporcional os custos da atividade estatal de fiscalização, descaracterizando a natureza contraprestacional da taxa e violando o princípio da capacidade contributiva, na dimensão do custo/benefício.

Gabarito: Letra A


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