Em breve síntese, o episódio ocorrido na 2ª Turma Recursal da Justiça Federal do Paraná inaugurou um debate interessante na advocacia brasileira: até onde os avanços tecnológicos podem permear o exercício profissional sem comprometer sua essência?
Veja o seguinte vídeo:
Juiz repreende advogado que substituiu sustentação por gravação de IA
Isto é, no último dia 29, em sessão ordinária da 2ª turma recursal da Justiça Federal do Paraná (TRF da 4ª região), um advogado utilizou a famosa “voz da tradutora do Google”, aquela gerada por IA, para a realização de sustentação oral.
Nessa linha, o caso tratava de recurso relacionado à concessão de benefício previdenciário.
Assim, autorizado a realizar sustentação oral, o advogado surpreendeu os magistrados ao informar que utilizaria inteligência artificial para sua manifestação.
Em seguida, acionou um áudio com uma voz robótica que leu, do início ao fim, a argumentação.
O tempo regulamentar de cinco minutos foi integralmente utilizado pela gravação, e ao final o causídico ainda solicitou trinta segundos adicionais para que a IA pudesse concluir a leitura.
Nessa linha, a atitude causou desconforto entre os membros da turma.
"Dr., isso está absolutamente repetitivo e desnecessário. Eu vou pedir para cortar o seu som", reagiu o juiz Federal Alexandre Moreira, interrompendo a reprodução.
Por outro lado, na sequência, o relator do caso, juiz Federal Vicente Ataíde Junior, proferiu voto mantendo a sentença recorrida pelos próprios fundamentos.
Inclusive, o magistrado reconheceu a condição de trabalhadora rural da segurada, mas afastou o regime de economia familiar.
Segundo o relator, a dimensão da propriedade rural e o volume expressivo de comercialização caracterizariam uma atividade empresarial agrícola, o que inviabilizaria a concessão do benefício nos moldes pleiteados. Assim, votou pelo desprovimento do recurso.
Inclusive, ao acompanhar o relator, o juiz Federal Leonardo Castanho fez questão de manifestar seu descontentamento com a postura do advogado.
"Considero um desrespeito da parte do advogado fazer com que os magistrados fiquem ouvindo uma gravação. Se é para ser feito dessa forma, que se juntasse nos autos a gravação. Não vim aqui para ouvir gravação. Isso não tem cabimento."
Reação dos comentários
Reação | Estimativa | Características dos Comentários | Exemplos |
Indignação | 45% | Expressam revolta com a conduta, considerando-a desrespeitosa à dignidade da profissão | “Desrespeito com o Judiciário e com a própria classe”; “OAB deveria punir exemplarmente” |
Humor e sarcasmo | 30% | Fazem piadas e comentários irônicos sobre a situação, usando emojis de riso | “Advogado reborn”; “A IA vai receber os honorários também?”; “Desinteligência artificial” |
Preocupação com a classe | 15% | Demonstram preocupação com o desprestígio da advocacia e prejuízos à categoria | “Todo dia alguém para envergonhar nossa classe”; “Lutamos pela sustentação oral e vem isso” |
Crítica técnica | 5% | Apontam questões técnicas e jurídicas sobre a inadequação da prática | “Viola o caráter personalíssimo da advocacia”; “Desrespeito aos deveres éticos” |
Defesa/neutralidade | 3% | Poucos comentários defendendo ou relativizando a conduta | “Ele pediu autorização e foi autorizado”; “Para pessoas com deficiência poderia ajudar” |
Crítica ao Judiciário | 2% | Usam o episódio para criticar posturas do próprio Judiciário | “Magistrado comendo durante sustentação”; “Juízes chegam com voto pronto mesmo” |
Análise jurídica
Perceba, a utilização de inteligência artificial para realizar sustentação oral representa marco paradigmático que exige análise cuidadosa dos aspectos jurídicos, éticos e processuais envolvidos.
De início, vale ressaltar que a sustentação oral encontra amparo no artigo 937 do Código de Processo Civil, que assegura aos advogados o direito de manifestação oral nos julgamentos colegiados.
Este dispositivo estabelece que “na sessão de julgamento, depois da exposição da causa pelo relator, o presidente dará a palavra, sucessivamente, ao recorrente, ao recorrido e ao Ministério Público”.
Entretanto, a norma processual, contudo, não especifica modalidades ou restrições técnicas para o exercício deste direito.
Tampouco os regimentos internos dos tribunais contemplam expressamente situações envolvendo uso de inteligência artificial, criando lacuna normativa que permite interpretações divergentes sobre os limites da inovação tecnológica no ambiente forense.
Argumentos favoráveis à prática
Ausência de vedação legal expressa
O primeiro argumento favorável reside na inexistência de proibição específica ao uso de IA em sustentações orais.
Ora, o princípio da legalidade, consagrado no artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal, estabelece que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
Sendo assim, enquanto não houver regulamentação expressa vedando tal prática, poder-se-ia argumentar que ela permanece no campo do permitido, desde que respeitados os demais princípios legais e éticos da profissão.
Acessibilidade e inclusão
A utilização de IA poderia, teoricamente, beneficiar advogados com limitações físicas que impeçam a fala, como aqueles acometidos por afasias, disfonias graves ou outras condições médicas.
Nesta perspectiva, a tecnologia funcionaria como ferramenta de acessibilidade, garantindo o exercício pleno da advocacia independentemente de limitações pessoais.
Eficiência processual
Por fim, alguns defensores da inovação argumentam que a IA poderia contribuir para maior objetividade nas sustentações, eliminando vícios de linguagem, nervosismo ou improvisações que prejudiquem a exposição dos argumentos jurídicos.
Argumentos contrários à prática
Violação ao caráter personalíssimo da advocacia
O Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94) estabelece em seu artigo 1º que a advocacia é atividade privativa do advogado, conferindo-lhe caráter personalíssimo.
Logo, a sustentação oral representa momento de diálogo direto entre o causídico e os julgadores, onde aspectos humanos como persuasão, empatia e adaptação argumentativa desempenham papel fundamental.
Dessa maneira, a substituição por máquina descaracteriza esta relação pessoal, reduzindo o ato processual a mera reprodução mecânica de texto previamente elaborado.
Descumprimento dos deveres éticos
Veja, o Código de Ética e Disciplina da OAB, em seu artigo 2º, impõe ao advogado o dever de “atuar com destemor, independência, honestidade, decoro, veracidade, lealdade, dignidade e boa-fé”.

Dessa forma, a utilização de gravação robotizada pode ser interpretada como violação ao princípio da dignidade profissional, especialmente diante da reação dos magistrados no caso em análise.
Ademais, o artigo 34, inciso VII, do mesmo código, estabelece como infração disciplinar “deixar de cumprir com exatidão os deveres consignados no mandato”.
Ora, se o cliente contratou especificamente a atuação pessoal do advogado, a delegação desta função à IA poderia configurar descumprimento contratual.
Prejuízo à função constitucional da advocacia
Como se sabe, o artigo 133 da Constituição Federal declara que “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão”. Assim, esta norma reconhece papel constitucional específico do advogado na realização da justiça.
Dessa forma ,a sustentação oral integra este múnus público, permitindo ao causídico contribuir efetivamente para o convencimento dos julgadores através do contraditório qualificado.
Nesse entendimento, a automação deste momento esvazia sua função constitucional, reduzindo-o a protocolo meramente formal.
E você o que acha?
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