Imagine a seguinte situação hipotética:
João ofereceu R$ 10 mil para Pedro matar Carlos, o que foi feito.
O Ministério Público denunciou João (mandante) e Pedro (executor) imputando a ambos o crime de homicídio qualificado, com base no art. 121, § 2º, I, do CP:
Homicídio qualificado
§ 2º Se o homicídio é cometido:
I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe;
Esta espécie de homicídio é chamada pela doutrina de “homicídio mercenário” ou “por mandato remunerado”. O objetivo do legislador foi o de punir mais gravosamente a pessoa que comete o delito pela “cupidez, isto é, pela ambição desmedida, pelo desejo imoderado de riquezas.” (MASSON, Cleber. Direito Penal esquematizado. São Paulo: Método, 2014).
Tese da defesa do mandante
A defesa de João (mandante) alegou que não poderia ser a ele imputado o inciso I do § 2º do art. 121 do CP porque esta qualificadora (mediante paga ou promessa de recompensa) diz respeito ao executor, sendo uma circunstância subjetiva, de caráter pessoal, e que, portanto, não se comunica ao mandante. Invocou, para tanto, o art. 30 do CP:
Art. 30. Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime.
Correntes
A qualificadora da “paga ou promessa de recompensa” prevista no inciso I do § 2º do art. 121 do CP é aplicada, sem dúvidas, ao executor do crime. No entanto, indaga-se: essa qualificadora também se comunica ao MANDANTE do crime? | |
1ª corrente: NÃO (posição da 5ª Turma do STJ) | 2ª corrente: SIM (posição da 6ª Turma do STJ) |
A qualificadora da paga ou promessa de recompensa não é elementar do crime de homicídio e, em consequência, possuindo caráter pessoal, não se comunica aos mandantes. STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp n. 1.879.682/PR, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 18/8/2020. A qualificadora da paga (art. 121, 2º, I, do CP) não é aplicável aos mandantes do homicídio, porque o pagamento é, para eles, a conduta que os integra no concurso de pessoas, mas não o motivo do crime. STJ. 5ª Turma. REsp 1.973.397-MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 06/09/2022 (Info 748). | Não obstante a paga ou a promessa de recompensa seja circunstância acidental do delito de homicídio, de caráter pessoal e, portanto, incomunicável automaticamente a coautores do homicídio, não há óbice a que tal circunstância se comunique entre o mandante e o executor do crime, caso o motivo que levou o mandante a empreitar o óbito alheio seja torpe, desprezível ou repugnante. STJ. 6ª Turma. REsp 1.209.852/PR, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 15/12/2015 (Info 575). No homicídio mercenário, a qualificadora da paga ou promessa de recompensa é elementar do tipo qualificado, comunicando-se ao mandante do delito. STJ. 6ª Turma. AgInt no REsp 1681816/GO, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 03/05/2018. |
Nesse sentido, a Terceira Seção, por unanimidade, decidiu no EAREsp 1.322.867-SP que a qualificadora do homicídio praticado mediante paga ou promessa de recompensa não se comunica automaticamente ao mandante do crime:
A qualificadora do homicídio praticado mediante paga ou promessa de recompensa não se comunica automaticamente ao mandante do crime.
STJ. 3ªSeção, EAREsp 1.322.867-SP, Rel. Ministro Antonio Saldanha Palheiro, por unanimidade, julgado em 13/8/2025 (Informativo 860)
Como chegou no STJ?
Em breve síntese, a questão chegou à Terceira Seção através do instituto dos embargos de divergência, mecanismo processual destinado justamente a dirimir controvérsias internas.
De um lado, o acórdão embargado, proferido pela Quinta Turma, concluíra pelo caráter pessoal e pela incomunicabilidade da qualificadora. De outro, o paradigma exarado pela Sexta Turma entendera que a qualificadora seria aplicável tanto ao executor quanto ao mandante do crime.
Como salientamos, para a Sexta Turma, conforme assentado no AgInt no REsp 1681816/GO, “no homicídio mercenário, a qualificadora da paga ou promessa de recompensa é elementar do tipo qualificado, comunicando-se ao mandante do delito”.
Por outro lado, a Quinta Turma sustentava posicionamento diametralmente oposto, reconhecendo na qualificadora circunstância de caráter eminentemente pessoal.
O que decidiu a 3ª Seção do STJ?
A Terceira Seção fundamentou sua conclusão na aplicação rigorosa do artigo 30 do Código Penal, dispositivo que estabelece regra fundamental do concurso de pessoas: “Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime”.
Com efeito, o STJ pacificou o entendimento de que as circunstâncias relacionadas à motivação do crime evidenciam elemento acidental, não se comunicando, em regra, aos coautores do delito.
Assim, crucial para a decisão foi o reconhecimento de que “não há divergência quanto ao fato de que os motivos do mandante não se confundem com os motivos do executor”.

Esta diferenciação ganha contornos ainda mais evidentes quando se considera que nem sempre a motivação do mandante será “necessariamente abjeta, desprezível ou repugnante”, conforme consignado no voto do Ministro Rogerio Schietti Cruz no REsp 1.209.852/PR.
O julgado oferece exemplo desta distinção: “nos homicídios privilegiados, em que o mandante, por relevante valor moral, contrata pistoleiro para matar o estuprador de sua filha”.
Nestes casos, a qualificadora do motivo torpe não seria transmitida ao mandante “em razão da incompatibilidade da qualificadora do motivo torpe com o crime privilegiado”.
A diferenciação
Veja, o acórdão estabelece distinção dogmática fundamental entre as posições ocupadas pelo mandante e pelo executor no homicídio mercenário.
Conforme destacado no voto do Ministro Ribeiro Dantas no REsp 1.973.397/MG, “há uma diferenciação relevante entre as condutas de mandante e executor: para o primeiro, a paga é a própria conduta que permite seu enquadramento no tipo penal enquanto coautor, na modalidade de autoria mediata; para o segundo, a paga é, efetivamente, o motivo pelo qual aderiu ao concurso de agentes e executou a ação nuclear típica”.
Em suma, enquanto o executor age motivado pela recompensa, configurando torpeza em sua conduta, o mandante utiliza o pagamento como instrumento para alcançar objetivo diverso. Destarte, “os motivos do mandante podem até ser nobres ou mesmo se enquadrar no privilégio do parágrafo primeiro do artigo 121, já que o autor intelectual não age motivado pela recompensa”.
Resumo dos principais argumentos da primeira corrente divulgados no Informativo 748
· Os motivos do homicídio têm caráter eminentemente subjetivo e, dessa forma, não se comunicam necessariamente entre os coautores.
· Especificamente sobre a qualificadora da paga, essa circunstância se aplica somente aos executores diretos do homicídio, porque são eles que, propriamente, cometem o crime “mediante paga ou promessa de recompensa”. Como consequência, o mandante do delito não incorre na referida qualificadora, já que sua contribuição para o cometimento do homicídio em concurso de pessoas, na forma de autoria mediata, é a própria contratação e pagamento do assassinato.
· Os motivos do mandante - pelo menos em tese - podem até ser nobres ou mesmo se enquadrar no privilégio do § 1º do art. 121, já que o autor intelectual não age motivado pela recompensa; somente o executor direto é quem, recebendo o pagamento ou a promessa, a tem como um dos motivos determinantes de sua conduta. Há, assim, uma diferenciação relevante entre as condutas de mandante e executor: para o primeiro, a paga é a própria conduta que permite seu enquadramento no tipo penal enquanto coautor, na modalidade de autoria mediata; para o segundo, a paga é, efetivamente, o motivo (ou um dos motivos) pelo qual aderiu ao concurso de agentes e executou a ação nuclear típica.
· Como se sabe, a qualificadora prevista no inciso I do art. 121, § 2º, do CP, diz respeito à motivação do agente, tendo a lei utilizado, ali, a técnica da interpretação analógica. Vale dizer: o homicídio é qualificado sempre que seu motivo for torpe, o que acontece exemplificativamente nas situações em que o crime é praticado mediante paga ou promessa de recompensa, ou por motivos assemelhados a estes.
· Como a paga não é o motivo da conduta do mandante, mas sim o meio de sua exteriorização, referida qualificadora não se aplica a ele.
· O direito penal é regido pelo princípio da legalidade, de modo que considerações sobre justiça e equidade, ponderáveis que sejam, não autorizam o julgador a suplantar eventuais deficiências do tipo penal.
Assim, a imputação da qualificadora ao mandante exigirá demonstração específica de que sua motivação pessoal era torpe, desprezível ou repugnante.
Logo, não bastará a mera participação no homicídio mercenário para configurar automaticamente a incidência da qualificadora.
No fundo, esta abordagem fortalece sobremaneira o princípio da individualização da responsabilidade penal, evitando automatismos condenatórios que poderiam resultar em desproporcionalidade punitiva.
Referências
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. A qualificadora da ‘paga ou promessa de recompensa’, prevista no inciso I do § 2º do art. 121 do CP, também se comunica ao MANDANTE do crime?. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/10953/a-qualificadora-da-paga-ou-promessa-de-recompensa-prevista-no-inciso-i-do-2o-do-art-121-do-cp-tambem-se-comunica-ao-mandante-do-crime. Acesso em: 05/09/2025 – 06:07>.
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