Hoje, vamos discutir sobre um tema que afeta diretamente 23,8 milhões de contribuintes no Brasil: o Simples Nacional e as principais controvérsias que chegam ao Superior Tribunal de Justiça.
Nessa linha, os julgados aqui são fruto desse especial do STJ e o tema adora cair em provas como provaremos:
Simples, mas nem tanto: a jurisprudência do STJ e as regras aplicáveis ao Simples Nacional
Ora, você já deve ter se perguntado por que um regime tributário que se chama “simples” gera tantas dúvidas e discussões judiciais…
A resposta está justamente na complexidade das relações entre diferentes tributos, benefícios fiscais e a necessidade de equilibrar a simplificação com a arrecadação.
O que é o Simples Nacional?
O Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, disciplinado pela Lei Complementar 123/2006, é um regime tributário que unifica o recolhimento de vários tributos em uma única guia.
Para aderir ao sistema, a empresa deve cumprir requisitos como ter receita bruta anual de no máximo R$ 4,8 milhões, comprovar regularidade fiscal e não possuir débitos com o INSS, isso adora cair em provas:
O Simples Nacional é um regime unificado de arrecadação, cobrança e fiscalização de tributos aplicável às microempresas e empresas de pequeno porte. O art. 17, V da LC 123/2006 afirma que a microempresa ou empresa de pequeno porte que possua débito com o INSS, ou com a Fazenda Pública (cuja exigibilidade não esteja suspensa), não poderá recolher os tributos na forma do Simples. O Plenário do STF decidiu que essa vedação é CONSTITUCIONAL. STF. Plenário. RE 627543/RS, rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 30/10/2013 (Informativo 726).
O Simples Nacional é um regime unificado de arrecadação, cobrança e fiscalização de tributos, aplicável às microempresas e empresas de pequeno porte.
As empresas com débitos junto à Fazenda Pública (federal, estadual, distrital ou municipal) não podem aderir ou permanecer no Simples (art. 17, V, da LC 123/2006).
Como o Simples envolve tributos federais, estaduais e municipais, se for constada a existência de débitos o termo de indeferimento será expedido pela autoridade fiscal do ente federativo que detectou a existência de pendências e, por isso, decidiu pela recusa.
Assim, se a empresa foi recusada por ter débitos estaduais, mas não concordar com o indeferimento, caso deseje impetrar um mandado de segurança deverá fazê-lo contra a autoridade fiscal do Estado-membro.
Vale ressaltar que o STF já decidiu que é CONSTITUCIONAL o art. 17, V da LC 123/2006, que nega o ingresso da empresa no Simples caso ela possua débito com o INSS ou com a Fazenda Pública (RE 627543/RS).
STJ. 1ª Turma. REsp 1319118-RS, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 13/6/2014 (Informativo 545).
Perceba que o grande dilema do Simples Nacional está justamente no seu nome: ele promete simplicidade, mas opera em um sistema tributário complexo, cheio de exceções, vedações e interpretações divergentes.
Pode ou não pode? O caso do Perse e a vedação de cumulação
Vamos a um exemplo prático que ilustra bem essa complexidade. Durante a pandemia de Covid-19, criou-se o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), que oferecia alíquota zero para PIS, Cofins, CSLL e IRPJ para empresas do setor de eventos.
Você imagina qual foi a reação das empresas optantes do Simples Nacional? “Também queremos esse benefício!”, certo?
Errado.
Para fruição da alíquota zero do PIS/COFINS, CSLL e IRPJ instituída pelo art. 4º da Lei 14.148/2021 (PERSE), é indispensável a prévia inscrição do prestador de serviços turísticos no CADASTUR. Tese fixada: 1) É necessário que o prestador de serviços turísticos esteja previamente inscrito no CADASTUR, conforme previsto na Lei 11.771/2008, para que possa se beneficiar da alíquota zero relativa ao PIS/COFINS, à CSLL e ao IRPJ, instituído pelo art. 4º da Lei 14.148/2021 no Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (PERSE); 2) O contribuinte optante pelo Simples Nacional não pode se beneficiar da alíquota zero relativa ao PIS/COFINS, à CSLL e ao IRPJ, instituída pelo art. 4º da Lei 14.148 /2021 no Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (PERSE), considerando a vedação legal inserta no art. 24, § 1º, da LC 123/2006. STJ. 1ª Seção. REsp 2.126.428-RJ, REsp 2.126.436-RJ, REsp 2.130.054-CE, REsp 2.144.088-CE, 2.138.576-PE e REsp 2.144.064-PE, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 11/6/2025 (Recurso Repetitivo - Tema 1283) (Informativo 855).
Ora, a Primeira Seção do STJ foi clara ao fixar a tese de que optantes do Simples Nacional não podem se beneficiar dessa alíquota zero.
Isto porque existe uma vedação expressa no artigo 24, parágrafo 1º, da Lei Complementar 123/2006, que impede qualquer alteração em alíquotas que modifique o valor de imposto ou contribuição apurado na forma do Simples Nacional.
A ministra Maria Thereza de Assis Moura foi enfática: “tendo em vista o caráter opcional do regime simplificado, aos contribuintes não cabe invocar o princípio da igualdade para exigir o tratamento favorecido”.
Traduzindo: você escolheu o Simples Nacional? Então aceite as regras do jogo, incluindo as limitações.
E os débitos antigos? A regra da irretroatividade
Aqui temos outro ponto interessante. Imagine uma empresa que desenvolvia software em 2010, quando havia vedação expressa para empresas de tecnologia aderirem ao Simples Nacional. Em 2014, essa vedação foi revogada. A empresa pode agora incluir os débitos antigos no regime simplificado?
A resposta é não, e o STJ foi claro no AREsp 2.191.098. O ministro Paulo Sérgio Domingues explicou que “a previsão de aplicação retroativa de lei mais benéfica não se presta para embasar a pretensão de inclusão de débitos inadimplidos no âmbito do Simples Nacional quando se referem a fatos geradores ocorridos no período em que expressamente vedada a adoção da forma especial de recolhimento”.
Veja como a lógica é simples: se na época dos fatos geradores você não podia estar no Simples Nacional, não faz sentido querer incluir esses débitos posteriormente, mesmo que a legislação tenha mudado para melhor.
FGTS: dentro ou fora do Simples Nacional?

Essa é uma questão que gera muita confusão. O FGTS está incluído no Simples Nacional ou não? A resposta exige um pouco de atenção aos detalhes.
Isto porque existem duas contribuições diferentes relacionadas ao FGTS. A primeira é a contribuição de 8% que o empregador paga mensalmente sobre a remuneração do trabalhador (artigo 15 da Lei 8.036/1990). Essa sempre esteve incluída no Simples Nacional e continua.
A segunda é a contribuição adicional de 10% sobre o saldo da conta do FGTS dos empregados demitidos sem justa causa, criada pela Lei Complementar 110/2001. E aqui está o ponto: essa também é devida pelos optantes do Simples Nacional.
O ministro Mauro Campbell Marques esclareceu que essa contribuição adicional “está incluída na disciplina do artigo 13, parágrafo 1º, inciso XV, da LC 123/2006, que determina a incidência dos ‘demais tributos de competência da União'”.
Perceba a diferença: uma coisa são as contribuições que estão expressamente dispensadas pelo Simples Nacional, outra coisa são aquelas que continuam sendo devidas normalmente.
É legítima a cobrança da contribuição social ao FGTS das empresas optantes pelo Simples. As empresas optantes do Simples Nacional também estão obrigadas a pagar a contribuição ao FGTS prevista no art. 1º da LC 110/2001. STJ. 2ª Turma. REsp 1635047-RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 6/6/2017 (Informativo 606).
Observação importante – O art. 12 da Lei 13.932/2019 estabelece que:
Art. 12. A partir de 1º de janeiro de 2020, fica extinta a contribuição social instituída por meio do art. 1º da Lei Complementar nº 110, de 29 de junho de 2001.
Alvará de funcionamento: requisito ou não?
Ora, aqui temos uma situação bem prática.
Quantas vezes você já viu empresas sendo impedidas de aderir ao Simples Nacional por falta de alvará de funcionamento municipal?
O STJ decidiu que isso não pode acontecer.
No REsp 1.512.925, a Segunda Turma entendeu que “a ausência de alvará de funcionamento não é suficiente para impedir a inclusão de empresas no Simples Nacional”.
O ministro Campbell foi direto ao ponto: “não parece razoável que a ausência do referido alvará trate de irregularidade cadastral fiscal”. A lógica é clara: uma coisa é irregularidade fiscal (relacionada a tributos), outra coisa são questões administrativas municipais.
Dessa forma, se a empresa está devidamente inscrita e em dia com os tributos, não pode ser excluída do Simples Nacional apenas pela falta de alvará municipal.
Inexistência de alvará de localização e funcionamento não impede empresa de aderir ao Simples. A ausência de alvará de localização e funcionamento não impede que a Empresa de Pequeno Porte ou a Microempresa ingressem ou permaneçam no regime do Simples Nacional. O inciso XVI do art. 17 da LC 123/2006 prevê que não poderão aderir ao regime as empresas que não tiverem inscrição em cadastro fiscal federal, municipal ou estadual ou, então, se possuírem irregularidade em algum desses cadastros. Os cadastros a que se refere esse inciso são apenas os cadastros fiscais (Cadin, no âmbito federal e similares nas esferas estadual e municipal). Assim, a falta de alvará de localização e funcionamento não significa "ausência de inscrição em cadastro fiscal" ou "irregularidade em cadastro fiscal", tal como previsto no art. 17, XVI, da LC 123/2006. Vale ressaltar que a empresa não possuía débitos tributários. STJ. 2ª Turma. REsp 1512925-RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 2/6/2016 (Informativo 590).
As gorjetas e a base de cálculo
Vamos a um exemplo bem concreto: você vai a um restaurante e paga R$ 100,00 pelo jantar mais R$ 10,00 de gorjeta. Esses R$ 10,00 entram na base de cálculo do Simples Nacional?
A resposta é não. Tanto a Primeira quanto a Segunda Turma do STJ já decidiram que gorjetas não integram a receita bruta para fins de apuração do Simples Nacional.
O ministro Campbell foi claro: “pelas mesmas razões que é ilegítimo o recolhimento de PIS, Cofins, IRPJ e CSLL sobre a gorjeta, não se pode cogitar sua inclusão na base de cálculo do Simples Nacional”.
Veja como a lógica é consistente: se a gorjeta não é considerada receita para outros tributos, também não pode ser para o Simples Nacional.
O valor pago a título de gorjetas, ante a sua natureza salarial, não pode integrar o conceito de faturamento, receita bruta ou lucro para fins de apuração tributária. Não é possível a inclusão da gorjeta no conceito de receita bruta, base de cálculo do Simples Nacional. De acordo com o art. 18, § 3º, da LC 123/2006, a tributação unificada Simples Nacional tem como base de cálculo a receita bruta da microempresa ou empresa de pequeno porte optante, cujo conceito está previsto no art. 3º, § 1º, da mesma legislação: considera-se receita bruta o produto da venda de bens e serviços nas operações de conta própria, o preço dos serviços prestados e o resultado nas operações em conta alheia, não incluídas as vendas canceladas e os descontos incondicionais concedidos. O valor pago a título de gorjetas, ante a sua natureza salarial, não pode integrar o conceito de faturamento, receita bruta ou lucro para fins de apuração tributária. Considerando-se, então, o conceito de receita bruta explicitado na LC 123/2006 e a natureza salarial da gorjeta, esta verba não deve integrar a receita bruta para fins de cálculo do Simples Nacional. STJ. 1ª Turma. AgInt no AREsp 1.846.725-PI, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 8/4/2024 (Informativo 811). STJ. 2ª Turma. AREsp 2.381.899-SC, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 17/10/2023 (Informativo 794).
Quais contribuições estão dispensadas?
Essa é uma das maiores fontes de dúvida. O artigo 13, parágrafo 3º, da Lei Complementar 123/2006 dispensa as optantes do Simples Nacional do “pagamento das demais contribuições instituídas pela União”. Mas quais são essas contribuições?
O STJ já decidiu dois casos importantes. No REsp 1.988.618, entendeu que empresas do Simples Nacional estão isentas do AFRMM (Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante). No REsp 1.825.143, reconheceu a isenção da Condecine (contribuição para o cinema nacional).
Em ambos os casos, a lógica foi a mesma: essas são contribuições instituídas pela União que não constam do rol taxativo das contribuições sujeitas ao recolhimento unificado do Simples Nacional.
Perceba o raciocínio: se a contribuição foi instituída pela União e não está expressamente incluída no Simples Nacional, então está dispensada pelo parágrafo 3º do artigo 13.
E a retenção na fonte?
Aqui temos a famosa Súmula 425 do STJ: “a retenção da contribuição para a seguridade social pelo tomador do serviço não se aplica às empresas optantes pelo Simples”.
Traduzindo para o dia a dia: se uma empresa do Simples Nacional presta serviços para outra empresa, o tomador dos serviços não pode fazer a retenção de 11% na fonte para a Previdência Social. Isto porque haveria incompatibilidade entre os sistemas tributários.
O ministro Afrânio Vilela reafirmou esse entendimento recentemente: “indevida a retenção de 11% do valor da nota fiscal emitida pelo prestador de serviços que fosse optante do Simples, por haver incompatibilidade entre os sistemas tributários”.
Cuidados processuais: legitimidade passiva em mandados de segurança
Vamos a uma questão processual importante. Quando uma empresa quer ingressar no Simples Nacional e tem o pedido negado, contra quem deve impetrar o mandado de segurança?
O STJ decidiu no REsp 1.319.118 que “as questões tributárias que impeçam o ingresso no Simples devem ser resolvidas entre o contribuinte e o ente tributante correspondente”. Ou seja, se o problema é com o fisco estadual, o mandado de segurança deve ser contra a autoridade estadual, não federal.
Perceba a lógica: cada ente federado é responsável pela cobrança de seus tributos, mesmo no sistema unificado do Simples Nacional.
Como o tema já caiu em concursos?
Prova: FCC - 2022 - PGE-AM - Procurador do Estado da 3ª Classe O Estado do Amazonas celebrou contrato com a empresa Brilha Brilha Estrelinha, optante pelo Simples Nacional, para manutenção dos Serviços de Iluminação das rodovias estaduais, após a mesma ser vencedora de licitação pública. Conforme jurisprudência sumulada do STJ, o Estado do Amazonas, na qualidade de tomador dos serviços, Alternativas A) poderá reter a contribuição para a seguridade social até o limite de 6%, pelo fato de a prestadora ser optante pelo Simples Nacional. B) deverá reter a contribuição para a seguridade social no importe de 6%. C) deverá reter a contribuição para a seguridade social no importe de 8%. D) não poderá reter a contribuição para a seguridade social pelo fato de a prestadora ser optante pelo Simples Nacional. E) poderá reter a contribuição para a seguridade social até o limite de 8%, pelo fato de a prestadora ser optante pelo Simples Nacional.
Gab.: D.
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