STJ define prescrição quinquenal para ressarcimento ao SUS – Tema 1147
Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

STJ define prescrição quinquenal para ressarcimento ao SUS – Tema 1147

Uma questão muito controvertida sobre as operadoras de planos de saúde finalmente ganhou resposta definitiva do Superior Tribunal de Justiça.

No mesmo dia 14 de maio em que decidiu o Tema 1265 sobre honorários em execução fiscal, o STJ também julgou o Tema 1147, que tratava de uma dúvida ainda mais fundamental: quanto tempo a ANS tem para cobrar ressarcimento ao SUS?

A decisão foi unânime na Primeira Seção, relatada pelo Ministro Afrânio Vilela. O caso concreto envolvia a Unimed de Caçapava, que questionava tanto o prazo prescricional quanto o momento exato em que esse prazo começaria a contar.

A operadora alegava que cobranças referentes a atendimentos de 2006 estariam prescritas, já que a notificação só ocorreu em 2013.

O ressarcimento ao SUS na prática

Para entender a importância dessa decisão, é preciso conhecer como funciona o ressarcimento ao SUS.

Ressarcimento ao SUS

Quando um beneficiário de plano de saúde é atendido pelo Sistema Único de Saúde – seja em caráter de urgência, emergência ou por deficiência na rede credenciada – a operadora tem obrigação legal de ressarcir os cofres públicos pelos custos do atendimento.

Esse mecanismo, previsto no artigo 32 da Lei 9.656/1998, evita que as operadoras se locupletem às custas do erário público.

Na prática, a ANS identifica os atendimentos, apura os valores segundo tabelas específicas, notifica a operadora e, se não houver pagamento em 15 dias, inscreve o débito em dívida ativa para cobrança judicial.

O sistema movimenta valores bilionários anualmente.

Apenas em 2023, a ANS arrecadou mais de R$ 2 bilhões em ressarcimentos, recursos que voltam diretamente para o financiamento do SUS através do Fundo Nacional de Saúde.

A polêmica dos prazos

Até a decisão do STJ, duas questões práticas fundamentais geravam discussões intermináveis nos tribunais:

Primeira questão: a ANS tem cinco anos (Decreto 20.910/1932) ou três anos (Código Civil) para cobrar esse ressarcimento?

Segunda questão: esse prazo começa a contar da internação do paciente, da alta hospitalar, ou só depois que a ANS notifica a operadora com o valor devido?

Essas divergências criavam cenários divergentes.

Algumas operadoras conseguiam prescrição total de débitos milionários simplesmente porque o tribunal aplicava o prazo trienal contado da data do atendimento.

Outras vezes, a ANS perdia cobranças de atendimentos recentes porque tribunais entendiam que o prazo começava a correr antes mesmo da apuração administrativa.

As posições em conflito

Posição das operadoras

As operadoras defendiam veementemente a aplicação do prazo trienal do Código Civil.

O argumento central era que o ressarcimento teria natureza privada, tratando-se de simples indenização por enriquecimento sem causa. Alegavam que não se tratava de relação de direito público, mas de mera obrigação civil.

A Unimed de Caçapava, no caso concreto, sustentava que “não sendo o débito em questão dívida ativa decorrente de infração à lei e, tampouco, não tendo qualquer natureza pública, mas, ao contrário, privada ressarcitória, clarividente a impossibilidade de incidência no caso concreto do Decreto 20.910/32”.

Quanto ao termo inicial, defendiam que deveria começar a contar imediatamente após o atendimento no SUS, quando já se configuraria o “dano” a ser ressarcido. Argumentavam que “a pretensão de exigir a reparação do dano prescreve em três anos contados da data do dano”.

Posição da ANS

Por outro lado, a Agência Nacional de Saúde Suplementar defendia posição diametralmente oposta. Sustentava que a relação era tipicamente de direito administrativo, considerando que o ressarcimento decorre de expressa previsão legal, é apurado em procedimento administrativo específico e, quando não pago, é inscrito em dívida ativa para cobrança pela Fazenda Pública.

Quanto ao termo inicial, a ANS argumentava que seria “inadequada a invocação do art. 884 do Código Civil, por se tratar de norma da mesma hierarquia daquela constante do art. 32 da Lei nº 9.656/98”. Defendia que o prazo só poderia começar após a constituição definitiva do crédito, mediante notificação administrativa.

A fundamentação técnica do STJ

O Ministro Afrânio Vilela construiu fundamentação sólida para resolver definitivamente ambas as questões. Primeiramente, analisou a natureza jurídica da relação entre ANS e operadoras.

Natureza administrativista

O STJ foi categórico ao afirmar que a relação é regida pelo Direito Administrativo. A fundamentação foi a seguinte:

1)Existe obrigação decorrente de expressa previsão legal: o artigo 32 da Lei 9.656/1998 estabelece diretamente a obrigação, não deixando margem para negociação ou autonomia da vontade.

2)Há apuração em procedimento administrativo prévio: a ANS conduz processo administrativo específico, com identificação dos atendimentos, aplicação de tabelas oficiais e possibilidade de impugnação pela operadora.

3)Os valores não pagos são inscritos em dívida ativa: ultrapassado o prazo de 15 dias, a ANS inscreve o débito em sua dívida ativa, que tem natureza tipicamente fazendária.

4)A cobrança é feita pela própria Fazenda Pública: as execuções fiscais são ajuizadas diretamente pela ANS, não por terceiros ou mediante cessão de créditos.

Como observou o relator, “esse cenário revela que a relação existente entre a ANS e as operadoras de planos de saúde é regida pelo Direito Administrativo, motivo pelo qual deve ser afastada a incidência do prazo prescricional previsto no Código Civil”.

Harmonia com precedentes

Ademais, a decisão se alinha perfeitamente com jurisprudência já consolidada do próprio STJ. A Corte há muito tempo aplica o prazo quinquenal do Decreto 20.910/1932 para cobranças de créditos não tributários da Fazenda Pública, “a fim de resguardar-se o tratamento isonômico entre administrados e Administração Pública”.

Além disso, está em perfeita consonância com o Tema 345 do STF, que confirmou a constitucionalidade do ressarcimento e o classificou como “crédito não tributário (ressarcimento), compreendido como receita originária do tipo corrente”.

Termo inicial: racionalidade administrativa

Quanto ao momento em que o prazo prescricional começa a contar, o STJ adotou solução de pura racionalidade administrativa. O prazo só inicia após a notificação da decisão administrativa que apurou os valores.

A lógica é a seguinte:

1)Durante o procedimento administrativo, o crédito não está constituído: enquanto a ANS analisa os atendimentos, aplica as tabelas e permite eventual impugnação, não há valor certo e exigível.

2)Só após a apuração se conhece o valor exato devido: antes da conclusão do processo administrativo, pode haver alterações nos valores, exclusões de procedimentos ou outras modificações.

3)Não se pode cobrar algo ainda não quantificado: como bem observou o Tribunal, “somente a partir de tal momento é que o montante do crédito será passível de ser quantificado”.

Esta solução evita distorções práticas. Imagine se o prazo começasse a contar da internação: a ANS teria apenas cinco anos para identificar o atendimento, abrir processo administrativo, permitir defesa, apurar valores, notificar e ainda cobrar judicialmente. Seria praticamente impossível para casos complexos.

O que muda para a ANS e o SUS?

A ANS saiu fortalecida da decisão. Além do prazo mais longo, tem segurança jurídica para conduzir seus procedimentos administrativos sem pressão temporal excessiva.

Dessa maneira, oode apurar valores complexos, envolvendo múltiplos atendimentos e diferentes tabelas, sem risco de prescrição prematura.

Para o SUS, a decisão representa garantia de recursos fundamentais. Os bilhões arrecadados anualmente através do ressarcimento financiam diretamente procedimentos de saúde pública. Uma redução desses valores por prescrição representaria possivelmente menor investimento em hospitais, medicamentos e tratamentos.

Tese

A tese aprovada será de observância obrigatória para todos os tribunais do país:

“Nas ações com pedido de ressarcimento ao Sistema Único de Saúde de que trata o art. 32 da Lei 9.656/1998, é aplicável o prazo prescricional de cinco anos previsto no Decreto 20.910/1932, contado a partir da notificação da decisão administrativa que apurou os valores”.

Resumindo

Portanto, com as decisões dos Temas 1147 e 1265, o STJ praticamente organizou todo o regime jurídico das cobranças de ressarcimento ao SUS:

Foro competente: Justiça Federal (por envolver autarquia federal);

Prazo prescricional: cinco anos do Decreto 20.910/1932;

Termo inicial: notificação da decisão administrativa;

Natureza jurídica: direito administrativo, não tributário.


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