Repetitivo – STJ define marco inicial para pagamento de dívida fiduciária em busca e apreensão

Repetitivo – STJ define marco inicial para pagamento de dívida fiduciária em busca e apreensão

Recentemente, a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça fixou tese vinculante estabelecendo que o prazo de cinco dias para quitação integral de dívida em ações de busca e apreensão fiduciária tem início na execução da medida liminar, e não na ciência pessoal do devedor.

Olhe, isso aqui é muito importante para fins de prova:

Nas ações de busca e apreensão de bens alienados fiduciariamente, prazo de cinco dias para pagamento integral da dívida previsto o artigo 3º, parágrafo 1º do Decreto-Lei 911/1965 começa a fluir a partir da data da execução da medida liminar.

REsp 2.126.264

Nessa linha, esse tema encerra divergência que gerava insegurança jurídica como vamos explicar a seguir.

Antes, vamos rememorar o tema.

Alienação fiduciária

“A alienação fiduciária em garantia é um contrato instrumental em que uma das partes, em confiança, aliena a outra a propriedade de um determinado bem, ficando esta parte (uma instituição financeira, em regra) obrigada a devolver àquela o bem que lhe foi alienado quando verificada a ocorrência de determinado fato.” (RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito Empresarial. Salvador: Juspodivm, 2021, p. 827).

Regramento

O Código Civil de 2002 trata de forma genérica sobre a propriedade fiduciária em seus arts. 1.361 a 1.368-B. Existem, no entanto, leis específicas que também regem o tema:

  • alienação fiduciária envolvendo bens imóveis: Lei nº 9.514/97;
  • alienação fiduciária de bens móveis no âmbito do mercado financeiro e de capitais: Lei nº 4.728/65 e Decreto-Lei nº 911/69. É o caso, por exemplo, de um automóvel comprado por meio de financiamento bancário com garantia de alienação fiduciária.

Nas hipóteses em que houver legislação específica, as regras do CC aplicam-se apenas de forma subsidiária:

Art. 1.368-A. As demais espécies de propriedade fiduciária ou de titularidade fiduciária submetem-se à disciplina específica das respectivas leis especiais, somente se aplicando as disposições deste Código naquilo que não for incompatível com a legislação especial.

Resumindo:

Alienação fiduciária de bens MÓVEIS fungíveis e infungíveis quando o credor fiduciário for instituição financeiraAlienação fiduciária de bens MÓVEIS infungíveis quando o credor fiduciário for pessoa natural ou jurídica (sem ser banco)Alienação fiduciária de bens IMÓVEIS
Lei nº 4.728/65 Decreto-Lei nº 911/69Código Civil de 2002 (arts. 1.361 a 1.368-B)Lei nº 9.514/97

Alienação fiduciária de bens móveis no DL 911/69 e comprovação da mora

Imagine a seguinte situação hipotética:

Antônio quer comprar um carro de R$ 70 mil, mas somente possui R$ 30 mil. Antônio procura o Banco “X”, que celebra com ele contrato de financiamento com garantia de alienação fiduciária.

Assim, o Banco “X” empresta R$ 40 mil a Antônio, que compra o veículo. Como garantia do pagamento do empréstimo, a propriedade resolúvel do carro ficará com o Banco “X” e a posse direta com Antônio.

Em outras palavras, Antônio ficará andando com o carro, mas, no documento, a propriedade do automóvel é do Banco “X” (constará “alienado fiduciariamente ao Banco X”). Diz-se que o banco tem a propriedade resolúvel porque, uma vez pago o empréstimo, a propriedade do carro pelo banco “resolve-se” (acaba) e o automóvel passa a pertencer a Antônio.

O que acontece em caso de inadimplemento do mutuário (em nosso exemplo, Antônio)?

Havendo mora por parte do mutuário, o procedimento será o seguinte (regulado pelo DL 911/69):

Notificação do devedor

O credor deverá fazer a notificação extrajudicial do devedor de que este se encontra em débito, comprovando, assim, a mora. Essa notificação é indispensável para que o credor possa ajuizar ação de busca e apreensão. Confira:

Súmula 72-STJ: A comprovação da mora é imprescindível à busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente.
Súmula 245-STJ: A notificação destinada a comprovar a mora nas dívidas garantidas por alienação fiduciária dispensa a indicação do valor do débito.

Como é feita a notificação do devedor? Essa notificação precisa ser realizada por intermédio do Cartório de Títulos e Documentos?

NÃO. Essa notificação é feita por meio de carta registrada com aviso de recebimento. Logo, não precisa ser realizada por intermédio do Cartório de RTD.

O aviso de recebimento da carta (AR) precisa ser assinado pelo próprio devedor?

NÃO. Não se exige que a assinatura constante do aviso de recebimento seja a do próprio destinatário. É o que prevê o § 2º do art. 2º do DL 911/69):

Art. 2º (…)

§ 2º A mora decorrerá do simples vencimento do prazo para pagamento e poderá ser comprovada por carta registrada com aviso de recebimento, não se exigindo que a assinatura constante do referido aviso seja a do próprio destinatário.

Para a constituição em mora por meio de notificação extrajudicial, é suficiente que seja entregue no endereço do devedor, ainda que não pessoalmente.

Esse entendimento foi reafirmado pelo STJ, agora sob a sistemática dos recursos repetitivos, tendo sido fixada a seguinte tese:

Para a comprovação da mora nos contratos garantidos por alienação fiduciária, é suficiente o envio de notificação extrajudicial ao devedor no endereço indicado no instrumento contratual, dispensando-se a prova do recebimento, quer seja pelo próprio destinatário, quer por terceiros. 

STJ. 2ª Seção. REsps 1.951.662-RS e 1.951.888-RS, Rel. Min. Marco Buzzi, Rel. para acórdão Min. João Otávio de Noronha, julgado em 9/8/2023 (Recurso Repetitivo – Tema 1132) (Informativo 782).

Veja abaixo um resumo dos argumentos do STJ.

A interpretação literal do art. 2º, § 2º do DL 911/69 nos leva a essa conclusão

Como vimos acima, o art. 2º, § 2º, do Decreto-Lei nº 911/1969 é expresso ao prever que a mora nos contratos de alienação fiduciária decorrerá do simples vencimento do prazo para pagamento e poderá ser comprovada por carta registrada com Aviso de Recebimento, não exigindo que a assinatura constante do referido aviso seja a do próprio destinatário.

Consequentemente, uma interpretação literal do dispositivo enseja a conclusão de que, para a constituição do devedor em mora, exige-se tão somente o vencimento do prazo para pagamento, não havendo dúvida sobre isso, porquanto o texto da lei utiliza a expressão “simples vencimento”, que, nesse caso, quer literalmente dizer tão somente ou nada mais que o vencimento do prazo para pagamento.

Dies interpelatprohomine

Com efeito, ao dispensar a interpelação do devedor para sua constituição em mora, o legislador estabelece regra que a doutrina denomina de dies interpellatprohomine, ou seja, a chegada do dia do vencimento da obrigação corresponde a uma interpelação, de modo que, não pagando a prestação no momento ajustado, encontra-se em mora o devedor. Assim, se a mora decorre da mera falta de pagamento (inadimplemento), prescinde de qualquer atitude do credor, já que advém automaticamente do atraso.

Após dispor que a mora decorre do simples vencimento do prazo, o legislador estabeleceu, ainda, que a mora poderá ser comprovada por “carta registrada com Aviso de Recebimento”, dispondo expressamente que não se exige “que a assinatura constante do referido aviso seja a do próprio destinatário”. Nesse contexto, a literalidade da lei, que escolheu o vocábulo “poderá” em vez de “deverá”, e os conceitos jurídicos que ela exprime, por si sós, já são elementos suficientes para dirimir a controvérsia.

Comprovação da mora é mera formalidade

Verifica-se, portanto, que a lei estabeleceu que a comprovação é mera formalidade, pois primeiro usa o termo “poderá” e, na sequência, dispensa que a assinatura seja do próprio destinatário.

Se é a própria lei que torna não exigível a demonstração cabal de ciência do próprio devedor, não pode ser outra a interpretação jurisprudencial.

Análise sistemática conduz à mesma conclusão da interpretação literal

Além dessa interpretação literal do dispositivo, da análise sistemática ressai a conclusão de que pretendeu a lei tão somente estabelecer a forma do processo nas hipóteses em que a garantia do crédito deu-se por alienação fiduciária, na medida em que não se pode ignorar que a cláusula de alienação fiduciária nos contratos caracteriza-se por uma via de mão dupla, ou seja, é uma garantia bilateral, uma vez que a vantagem econômica do contrato é buscada por ambas as partes, não somente pelo credor.

Assim, se, na origem, o contrato é um negócio jurídico bilateral, em que se estabelece a alienação fiduciária em garantia e cujo objetivo é a vantagem econômica e o equilíbrio das relações entre as partes, não se pode permitir que, na conclusão desse mesmo negócio, ocorra um desequilíbrio, ou seja, as regras sejam tendenciosas e, portanto, tragam mais ônus ao credor em benefício exclusivo do devedor.

Interpretação teleológica também é no mesmo sentido

A análise teleológica do dispositivo legal também leva à inafastável conclusão de que a lei, ao assim dispor, pretendeu trazer elementos de estabilidade, equilíbrio, segurança e facilidade para os negócios jurídicos, de modo que é incompatível com o espírito da lei interpretação diversa, que enseja maior ônus ao credor, em benefício exclusivo do devedor fiduciante.

Na alienação fiduciária, a mora constitui-se exre, isto é, decorre automaticamente do vencimento do prazo para pagamento. Ou seja, a mora decorre do simples vencimento do prazo. Naturalmente, tal particularidade significa que o devedor estará em mora quando deixar de efetuar o pagamento no tempo, lugar e forma contratados (arts. 394 e 396 do Código Civil).

Então, se o objetivo da lei é meramente formal, deve ser igualmente formal o raciocínio sobre as exigências e, portanto, sobre a própria sistemática da lei, concluindo-se que, para ajuizar a ação de busca e apreensão, basta que o credor comprove o envio de notificação por via postal ao endereço indicado no contrato, não sendo imprescindível seu recebimento pessoal pelo devedor.

O raciocínio acima vale também para situações nas quais o credor enviou a carta com AR para o endereço do devedor presente no contrato, mas o AR retorna com o aviso de “ausente”, “mudou-se”, “insuficiência do endereço do devedor” ou “extravio do aviso de recebimento”?

SIM. A conclusão acima abarca essa situações nas quais a notificação é enviada ao endereço do devedor., mas retorna com aviso de “ausente”, de “mudou-se”, de “insuficiência do endereço do devedor” ou de “extravio do aviso de recebimento”. Nesses casos, a comprovação da mora é válida, considerando que cumpre ao credor demonstrar tão somente o comprovante do envio da notificação com Aviso de Recebimento ao endereço do devedor indicado no contrato.

Caso concreto julgado pela 2ª Seção do STJ

Nessa linha, o caso analisado envolveu ação ajuizada por instituição financeira contra consumidora inadimplente em contrato de financiamento veicular com cláusula de alienação fiduciária.

Assim, a devedora sustentava que o prazo previsto no artigo 3º, parágrafo 1º, do Decreto-Lei 911/69 deveria ser contado apenas após sua intimação pessoal.

Nesse interim, oMinistro Antonio Carlos Ferreira fundamentou a decisão na literalidade da norma especial, que “prevê expressamente a contagem do prazo a partir da execução da medida liminar”.

Isto é, segundo o relator, o decreto-lei prevalece sobre as regras gerais do Código de Processo Civil baseado no princípio da especialidade, que confere primazia à legislação específica sobre a geral quando ambas regulamentam a mesma matéria.

Inclusive, a decisão também se alicerça no conceito de mora exre estabelecido pelo artigo 397 do Código Civil, que dispensa notificação prévia do devedor quando se trata de “inadimplemento da obrigação positiva e líquida no seu termo”.

Assim, esta modalidade de mora opera automaticamente pelo simples vencimento da obrigação, diferentemente da mora ex persona, que exige constituição formal do devedor.

Pagamento de

Vale salientar que, o tema tramitou como repetitivo (Tema 1.279) após identificação de 25 acórdãos e 1.555 decisões monocráticas versando sobre a mesma questão, evidenciando a necessidade de uniformização.

Logo, comprovada a mora, o credor fiduciário pode requerer liminar de busca e apreensão, que uma vez deferida, confere ao devedor prazo de cinco dias para purgar a mora mediante pagamento integral do débito.

Transcorrido este período sem quitação, consolida-se a propriedade plena em favor do credor, que deve promover leilão público para satisfação do crédito.

Outros julgados sobre o tema:

No procedimento da consolidação da propriedade fiduciária pelo Decreto-Lei nº 911/69, compete ao credor fiduciário, após a consolidação da propriedade decorrente da mora do devedor, o ônus de comprovar a venda do bem e o valor auferido com a alienação.

Vale ressaltar, contudo, que as questões concernentes à venda extrajudicial do bem, imputação do valor alcançado no pagamento do débito e apuração acerca de eventual saldo remanescente em favor do devedor, em princípio, não podem ser discutidas, incidentalmente, no bojo da ação de busca e apreensão que visa tão somente à consolidação da propriedade do bem no patrimônio do credor fiduciário. É necessário o ajuizamento de ação de exigir contas.

STJ. 4ª Turma. REsp 1742102-MG, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 23/3/2023 (Informativo 769).
A notificação extrajudicial por meio digital ou eletrônico é válida para comprovar a mora do devedor fiduciante, desde que:

• seja enviada ao e-mail indicado no contrato; e

• seja comprovado seu recebimento.

STJ. 2ª Seção. REsp 2.183.860-DF, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 8/5/2025 (Info 851).

Como o tema já caiu em provas

Órgão: TJ-MA Prova: Instituto Consulplan - 2023 - TJ-MA - Titular de Serviços de Notas e de Registros – Remoção

Sobre o instituto da alienação fiduciária em garantia, à luz da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), assinale a afirmativa correta.

Alternativas

A) Dispensa-se a indicação do valor da dívida na notificação para comprovação de mora nas obrigações garantidas por alienação fiduciária.

B) Mesmo que a alienação fiduciária não esteja anotada no certificado de registro do veículo automotor, ela é oponível a terceiro de boa-fé.

C) A purga da mora, nos contratos de alienação fiduciária posteriores à Lei nº 10.931/2004, só é permitida quando já pagos pelo menos quarenta por cento do valor financiado.

D) A comprovação da mora é imprescindível à busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente, sendo exigido que a carta registrada seja expedida pelo Cartório de Títulos e Documentos.

Gab.: A.

Referências

CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Para a constituição em mora do devedor fiduciário é suficiente que haja o envio da notificação com AR para o endereço do devedor informado no contrato, não sendo necessário comprovar que ele recebeu a notificação. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/6d79e030371e47e6231337805a7a2685>. Acesso em: 13/08/2025


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