Uma análise jurídica dos requisitos da prisão preventiva em crimes de lavagem de dinheiro
Como se sabe, o ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal, negou nesta sexta-feira (12/09) o pedido da Polícia Federal para decretação da prisão preventiva do advogado Nelson Wilians, sócio-fundador de um dos maiores escritórios jurídicos do país.
Ademais, divulgaremos a nota do escritório, no fim, que constam nos sites.
Nesse sentido, como o processo corre sobre segredo de justiça, faremos uma análise apenas das notícias que foram declaradas na mídia:
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Como noticiado, a decisão ocorreu no âmbito da Operação Cambota, que investiga esquema bilionário de fraudes previdenciárias que causou prejuízo estimado em R$ 6,3 bilhões ao INSS entre 2019 e 2024.
Nessa linha, para compreender adequadamente esta decisão judicial, devemos analisar tanto o contexto histórico das investigações quanto os fundamentos jurídicos que regem a prisão preventiva no ordenamento brasileiro.
Evolução cronológica das investigações
Como noticiado no site: STF nega pedido da PF para prisão do advogado Nelson Wilians em investigação sobre fraudes no INSS
Perceba, é importante saber da trajetória investigativa que culminou na Operação Cambota revela aspectos fundamentais para compreender por que Nelson Wilians não teve prisão decretada.
Isto porque, o caso iniciou-se em 2022, quando a Polícia Federal identificou os primeiros indícios de descontos indevidos em benefícios previdenciários, abrindo investigações preliminares que seguiram metodologia gradual de aprofundamento probatório.
Depois, em 2023, ocorreu a deflagração da Operação Sem Desconto, primeira fase ostensiva das investigações, com cumprimento de mandados de busca e apreensão em entidades suspeitas.

Logo, essa etapa foi crucial para estabelecer o modus operandi do esquema: associações de fachada cadastravam aposentados sem autorização, utilizando assinaturas falsificadas para justificar descontos mensais nos pagamentos do INSS, desviando recursos para empresas ligadas ao grupo investigado.
Depois disso, durante 2024, as apurações avançaram significativamente, demonstrando o uso sistemático de empresas de fachada e operadores financeiros para movimentação de recursos ilícitos.
Assim, foi neste período que emergiram evidências sobre estruturas de lavagem de dinheiro mais sofisticadas, revelando a participação de intermediários jurídico-financeiros no esquema.
Por fim, somente no início de 2025 foi deflagrada a Operação Cambota, focalizando especificamente a lavagem de dinheiro e resultando na prisão de empresários diretamente ligados ao esquema.
Logo, esta cronologia é juridicamente relevante porque demonstra que Nelson Wilians não figurava entre os alvos iniciais das investigações, sendo incluído posteriormente após análise de dados financeiros do COAF que identificaram transferências de R$ 28 milhões consideradas suspeitas.
STF e STJ: os requisitos legais da prisão preventiva e sua aplicação temporal
Ora, a prisão preventiva, regulamentada pelo artigo 312 do Código de Processo Penal, exige demonstração simultânea de dois elementos essenciais: o fumus commissi delicti (indícios de autoria e materialidade) e o periculum libertatis (perigo que a liberdade representa).
Assim, como se percebe, o elemento temporal da inclusão de Wilians nas investigações influenciou diretamente a análise destes requisitos pelo ministro Mendonça.
No primeiro requisito, o STF reconheceu existir “fundada suspeita de participação nos graves crimes apurados”.
Isto porque, a investigação preliminar demonstrou que Wilians movimentou R$ 28 milhões em operações consideradas suspeitas, funcionando como “engrenagem necessária para ocultação e branqueamento dos recursos provenientes das entidades” fraudulentas.
Nessa linha, relatórios do COAF evidenciaram movimentações financeiras entre o advogado e Maurício Camisotti, empresário acusado de comandar entidades envolvidas nas fraudes.
Contudo, para o segundo requisito, a inclusão tardia de Wilians no inquérito contribuiu para que não fossem identificados elementos concretos de risco processual.
Assim, o ministro do STF destacou que “não foram apontados, de modo individualizado, atos que pudessem configurar risco de fuga, tentativa de obstrução direta das investigações ou fossem aptos a configurar quadro de continuidade de práticas delitivas”.
O que pensa a jurisprudência sobre o tema de lavagem de dinheiro:
2. O acórdão recorrido destacou que a "minuciosa investigação demonstrou que a intenção do réu era fugir para Sergipe e lavar o dinheiro comprando casas e veículos em nome de terceiros, o que foi feito" (fl. 1.021). A modificação dessas premissas implicaria o inviável revolvimento de fatos e provas. 3. Além disso, é oportuno registrar a compreensão desta Corte Superior de Justiça de que, para a caracterização da lavagem de capitais, é suficiente a demonstração de indícios da origem ilícita dos valores, circunstância expressada no acórdão recorrido. 4. Agravo regimental não provido. (STJ; AgRg-AREsp 2.859.157; Proc. 2025/0051854-2; SE; Sexta Turma; Rel. Min. Rogério Schietti Cruz; Julg. 09/09/2025; DJE 15/09/2025)
A prisão preventiva foi mantida em razão da gravidade concreta das condutas imputadas ao agravante, consistentes na prática de crimes de lavagem de dinheiro e participação em organização criminosa vinculada ao PCC, com possível utilização de empresa contratada pelo poder público para dissimulação de valores ilícitos. 2. Constatada a presença de elementos que indicam reiteração delitiva, histórico criminal e participação ativa na empresa utilizada como instrumento para os crimes, evidenciada a necessidade de acautelamento da ordem pública. 3. O fato de o agravante se encontrar foragido, associado à retomada de atividades ilícitas de forma mais estruturada, em tese com uso de empresa contratada pelo poder público, reforça a necessidade da prisão preventiva para assegurar a aplicação da Lei Penal e prevenir a continuidade delitiva, configurando fundamentação cautelar idônea conforme orientação consolidada desta Corte. 4. Não se verifica constrangimento ilegal por excesso de prazo, considerando a complexidade da causa, o número elevado de réus (19) e a conduta do agravante em evadir-se, o que contribuiu para eventual atraso na marcha processual. 5. Condições pessoais favoráveis não impedem a decretação ou manutenção da prisão preventiva quando presentes os requisitos legais. 6. Agravo regimental não provido. (STJ; AgRg-RHC 218.648; Proc. 2025/0235824-7; SP; Quinta Turma; Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca; DJE 15/09/2025)
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EM HABEAS CORPUS IMPROVIDO. RAZÕES INSUFICIENTES PARA INFIRMAR OS FUNDAMENTOS DO DECISUM ATACADO. OPERAÇÃO FACE OFF. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA, CORRUPÇÃO PASSIVA, USURA PECUNIÁRIA OU REAL E LAVAGEM DE DINHEIRO. PRISÃO PREVENTIVA. GRAVIDADE CONCRETA DAS CONDUTAS. PERICULOSIDADE DOS RECORRENTES. POLICIAIS CIVIS COM POSIÇÃO DE COMANDO NO GRUPO. CONTEMPORANEIDADE DA MEDIDA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. NECESSIDADE DE GARANTIR A ORDEM PÚBLICA. MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS. INSUFICIÊNCIA. PRECEDENTES DO STJ. Agravo regimental improvido. (STJ; AgRg-RHC 214.128; Proc. 2025/0120910-9; SP; Sexta Turma; Rel. Min. Sebastião Reis Júnior; DJE 09/09/2025)
No caso, a segregação preventiva encontra-se devidamente motivada, pois destacou o Juízo de origem que os acusados vêm cometendo os delitos contra o patrimônio, de forma reiterada. Ressaltando, ainda, a reiteração delitiva do ora agravante, o qual, após ser beneficiado com o livramento condicional, porquanto foi condenado pelos delitos de lavagem de dinheiro, organização criminosa e estelionato, voltou a delinquir. Portanto, a prisão cautelar está amparada na necessidade de garantia da ordem pública. 3. Ademais, é cediço nesta Corte que "a existência de inquéritos, ações penais em curso, anotações pela prática de atos infracionais ou condenações definitivas denotam o risco de reiteração delitiva e, assim, constituem fundamentação idônea a justificar a segregação cautelar" (HC n. 607.654/SP, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, DJe 16/12/2020). 4. Diante do risco de reiteração delitiva, é inviável a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão, pois insuficientes para acautelar a ordem pública. Com efeito, nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, demonstrada pelas instâncias originárias, com expressa menção às peculiaridades do caso concreto, a necessidade da imposição da prisão preventiva, não se mostra suficiente à aplicação de nenhuma das medidas cautelares alternativas à prisão, elencadas no art. 319 do CPP. Nesse sentido: RHC n. 144.071/BA, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 18/5/2021, DJe 24/5/2021; e HC n. 601.703/RS, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 16/3/2021, DJe 23/3/2021. 5. Saliento que as condições subjetivas favoráveis, por si sós, não impedem a prisão cautelar, caso se verifiquem presentes os requisitos legais para a decretação da segregação provisória, tal como ocorre no caso. 6. Por fim, quanto à alegada ausência de contemporaneidade da prisão preventiva, consoante entendimento do Supremo Tribunal Federal, a contemporaneidade "não está necessariamente ligada à data da prática do crime, mas sim à subsistência da situação de risco que justifica a medida cautelar" (RHC n. 208.129 AGR, relator Roberto Barroso, Primeira Turma, julgado em 14/2/2022, DJe-031, divulgado em 16/2/2022, publicado em 17/2/2022), exatamente como se delineia na espécie, em que os fundamentos da prisão justificam a subsistência da situação de risco. 7. Agravo regimental desprovido. (STJ; AgRg-HC 1.014.692; Proc. 2025/0233887-3; PR; Sexta Turma; Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro; DJE 09/09/2025)
Por qual razão há diferenciação jurídica entre os investigados?
Perceba, a decisão de Mendonça estabeleceu tratamento diferenciado entre os investigados baseado em critérios técnicos.
Isto porque, enquanto negou a prisão de Wilians, autorizou a detenção de Maurício Camisotti e Antonio Camilo Antunes (o “Careca do INSS”), demonstrando como a temporalidade e o papel de cada um no esquema influenciaram a análise judicial.
Segundo notícias, Antunes, investigado desde as fases iniciais, movimentou R$ 12,2 milhões em apenas quatro meses, transferindo mais de R$ 9 milhões para pessoas ligadas diretamente ao INSS.
Logo, esta movimentação concentrada e recente caracterizou continuidade delitiva e risco concreto de obstrução das investigações, justificando sua prisão preventiva.
Camisotti, identificado como sócio oculto de entidades fraudulentas e beneficiário direto dos recursos desviados, também apresentava elementos que configuravam risco processual, especialmente pela posição central que ocupava na estrutura criminosa revelada ao longo dos três anos de investigação.
Vale salientar que a defesa de Wilians apresentou versão alternativa para as movimentações financeiras, alegando que os R$ 28 milhões se referiam à “aquisição de um terreno vizinho à sua residência, transação lícita e de fácil comprovação”.
Logo, embora esta alegação não tenha sido aceita como suficiente para afastar as suspeitas criminais, contribuiu para demonstrar a ausência de riscos processuais imediatos.
O pensamento do STF
Vale salientar que a partir das experiências da Operação Lava Jato e outros casos de grande repercussão, o STF passou a exigir fundamentação cada vez mais robusta para prisões preventivas, afastando-se de decisões baseadas exclusivamente na gravidade abstrata dos delitos.
Isto é, mesmo crimes de alta lesividade social demandam demonstração concreta e individualizada dos requisitos legais para prisão preventiva.
Logo, a cronologia das investigações torna-se elemento fundamental nesta análise, pois influencia diretamente a avaliação dos riscos processuais.
O precedente estabelecido no caso Wilians demonstra que a inclusão posterior de investigados em operações complexas pode influenciar a análise judicial dos requisitos para prisão preventiva, especialmente quando não há demonstração de continuidade delitiva ou risco de obstrução após a deflagração das medidas investigativas iniciais.
Por fim, o ministro Mendonça autorizou apenas busca e apreensão no escritório e residência de Wilians, medidas menos invasivas que levaram em consideração tanto as prerrogativas profissionais do advogado quanto o momento de sua inclusão no inquérito.
Ademais, a investigação seguiu protocolo específico para casos envolvendo prerrogativas da advocacia, com participação da Ordem dos Advogados do Brasil no acompanhamento das diligências realizadas em setembro de 2025.
Até então, a cronologia processual revela ainda que material apreendido na primeira fase da Operação Sem Desconto, em abril de 2024, foi fundamental para estabelecer as conexões entre Antunes, Camisotti e Wilians. Foram analisados 211 mandados de busca e apreensão executados em 18 estados brasileiros, cujo material periciado em 12 unidades da federação revelou as ligações financeiras suspeitas.
Nota de Nelson Wilians
Em nota, o escritório de advocacia Nelson Wilians declarou que ele tem colaborado “integralmente com as autoridades” e que a medida é de caráter investigativo, não implicando “qualquer juízo de culpa ou responsabilidade”. A defesa nega qualquer envolvimento com fraudes e afirma que as acusações baseiam-se em “ilações e interpretações unilaterais”, não confirmadas por decisão judicial. Além disso, nega qualquer relação pessoal ou profissional com o “Careca do INSS”.
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