A decisão do STF sobre prescrição de medicamentos por enfermeiros no Distrito Federal

A decisão do STF sobre prescrição de medicamentos por enfermeiros no Distrito Federal

De início, a controvérsia que chegou ao Supremo Tribunal Federal mediante o Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo 1.561.727/DF apresenta questão recorrente no controle de constitucionalidade brasileiro: até que ponto a declaração de inconstitucionalidade de dispositivo específico contamina a integralidade de determinado diploma normativo?

Além disso, o Ministro Flávio Dino, relator do caso, enfrentou este problema ao analisar a Lei Distrital 7.530/2024, elaborada pelo deputado Jorge Vianna, que versava sobre a prerrogativa de enfermeiros prescreverem medicamentos:

Isto porque, o Conselho Especial do Tribunal de Justiça do Distrito Federal havia proferido julgamento declarando a inconstitucionalidade total da norma.

Insurgindo-se contra tal decisão, a Mesa da Câmara Legislativa do Distrito Federal provocou a jurisdição do Supremo, tendo o Sindicato dos Médicos do Distrito Federal posteriormente apresentado agravo interno quando a decisão monocrática do Ministro Relator reformou parcialmente o acórdão de origem.

Perceba, o núcleo da discussão concentrava-se em determinar se o vício identificado em parte da lei necessariamente contaminaria sua integralidade.

Entendendo o caso concreto

De início, o artigo 1º da lei distrital estabelecia que ficava “assegurada aos enfermeiros, no Distrito Federal, a prerrogativa de prescrição de medicamentos estabelecidos em programas de saúde pública e em rotina aprovada pela instituição de saúde, nos termos da Lei federal nº 7.498, de 25 de junho de 1986, art. 11, II, alínea ‘c'”.

Assim, a remissão expressa constitui elemento determinante para a compreensão da decisão do Supremo.

Vamos encarar o voto do Min. Flávio Dino seguido pelos demais.

Voto de Dino

Conforme destacou o Ministro Dino em seu voto, “o art. 1º da Lei Distrital remete expressamente à Lei Federal nº 7.498/1986, incorporando, por referência, todos os seus requisitos e condições, como a necessidade de que o enfermeiro seja ‘integrante da equipe de saúde'”.

Assim, esta constatação afasta completamente a tese sustentada pelo Sindicato agravante de que a norma distrital teria concedido prerrogativas irrestritas aos enfermeiros, desvinculadas das limitações impostas pela legislação federal.

Perceba, a Lei Federal 7.498/1986 já estabelecia, desde sua promulgação, que compete ao enfermeiro, enquanto integrante da equipe de saúde, realizar a prescrição de medicamentos estabelecidos em programas de saúde pública e em rotina aprovada pela instituição de saúde.

Assim, tratava-se, portanto, de prerrogativa profissional previamente reconhecida pela União no exercício regular de sua competência privativa para legislar sobre condições de exercício profissional, nos termos do artigo 22, inciso XVI, da Constituição Federal.

Logo, o Relator do STF invocou precedente específico do Supremo na ADI 5761 para demonstrar que “a jurisprudência do STF é clara ao diferenciar a usurpação de competência da mera reprodução, que não inova e não é inconstitucional”.

Assim, esta distinção revela-se fundamental: enquanto a usurpação de competência pressupõe inovação legislativa que crie ou modifique condições para o exercício profissional, a reprodução de norma federal, mediante remissão expressa que incorpora integralmente seus requisitos, constitui técnica legislativa válida que não viola a repartição constitucional de competências.

Voto de Fachin

Merece destaque, ainda, que o Ministro Edson Fachin, embora concordando com a conclusão do Relator quanto à manutenção da validade do artigo 1º, apresentou fundamentação diversa.

Isto porque, para Fachin, a norma distrital efetivamente inovou sobre a ordem jurídica local, mas tratava-se de exercício legítimo da competência concorrente do Distrito Federal para legislar sobre proteção e defesa da saúde.

Ademais, esta divergência quanto aos fundamentos, mantida a convergência quanto ao resultado, evidencia a complexidade da matéria e a possibilidade de múltiplas abordagens hermenêuticas no controle de constitucionalidade.

O vício de iniciativa na criação de atribuições administrativas

Ora, diversamente do que ocorreu com o artigo 1º, o artigo 2º da Lei Distrital 7.530/2024 padecia de vício insanável.

Isto porque, o dispositivo estabelecia que “a recusa de comerciante ou de fornecedor farmacêutico em cumprir a prescrição de medicamentos prevista na Lei federal nº 7.498, de 1986, art. 11, II, alínea ‘c'” implicaria multa de quinhentos reais, duplicada em caso de reincidência, e suspensão da licença de funcionamento do estabelecimento por até sessenta dias.

Ademais, o parágrafo único do artigo 2º determinava que ao "Instituto de Defesa do Consumidor do Distrito Federal - Procon - DF compete fiscalizar o disposto nesta Lei, inclusive por meio do recebimento de denúncias, e aplicar as sanções previstas neste artigo".

Veja, a Lei 7.530/2024 originou-se de iniciativa parlamentar.

Dessa forma, ao atribuir novas competências fiscalizatórias e sancionatórias ao PROCON-DF, órgão integrante da estrutura do Poder Executivo distrital, o artigo 2º invadiu esfera de competência constitucionalmente reservada ao Governador do Distrito Federal.

Assim, como consignou o Ministro Dino, "a jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal estabelece que padece de inconstitucionalidade formal a lei de iniciativa parlamentar que dispõe sobre atribuições e estabelece obrigações a órgãos da Administração Pública".

Logo, a iniciativa para leis que versem sobre organização administrativa, criação, estruturação e atribuição de órgãos públicos constitui prerrogativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo, conforme consagra o princípio da separação dos poderes.

Permitir que o Poder Legislativo, por iniciativa própria, alterasse as competências de órgão administrativo importaria em desequilíbrio do sistema constitucional de freios e contrapesos.

Assim, o vício, portanto, não guardava relação com a matéria de fundo — o exercício profissional da enfermagem — mas decorria exclusivamente da inadequação formal da iniciativa legislativa.

Acresce que a atribuição conferida ao PROCON-DF revelava-se materialmente inadequada.

Segundo argumentou o Relator, “a fiscalização de matéria sanitária e de saúde pública, conforme a legislação federal correlata compete aos órgãos de vigilância sanitária (Leis nº 5.991/1973 e 6.360/1976)”.

A prescrição de medicamentos por profissional habilitado constitui ato técnico-sanitário que se insere na esfera de atuação da vigilância sanitária, não se confundindo com típica relação consumerista que justificaria a intervenção do órgão de defesa do consumidor.

A divisibilidade das normas

Perceba que, a teoria da divisibilidade das normas jurídicas, amplamente aplicada pelo Supremo Tribunal Federal, determina que a inconstitucionalidade de parte de determinada lei não implica, necessariamente, a invalidade de sua totalidade.

Logo, impõe-se ao intérprete constitucional o dever de preservar os dispositivos que possam subsistir autonomamente sem apresentar mácula de inconstitucionalidade.

Assim, o Ministro Dino invocou este princípio ao fundamentar a manutenção dos demais artigos da Lei 7.530/2024: “os dispositivos que puderem subsistir de forma autônoma e sem mácula devem ser preservados”.

Lado outro, o artigo 1º da lei distrital possui conteúdo normativo perfeitamente autônomo, capaz de produzir efeitos jurídicos independentemente da existência do artigo 2º.

Além disso, a prerrogativa de prescrição de medicamentos por enfermeiros subsiste validamente mesmo sem mecanismo sancionatório específico criado pela lei distrital, uma vez que tal prerrogativa já encontra fundamento e proteção na legislação federal de regência. Inexiste, portanto, nexo de dependência entre os dispositivos que justificasse a declaração de inconstitucionalidade total.

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal, ao declarar a inconstitucionalidade integral da Lei 7.530/2024, desconsiderou este princípio basilar do controle de constitucionalidade.

Por fim, a decisão do Supremo corrigiu este equívoco metodológico, preservando os artigos que não apresentavam vício formal ou material. Além do artigo 1º, subsistem validamente o artigo 3º, que incorpora eventuais alterações posteriores da alínea “c” do inciso II do artigo 11 da Lei Federal 7.498/1986, o artigo 4º, que autoriza regulamentação pelo Poder Executivo, e os artigos 5º e 6º, relativos à vigência e revogações.

Como pode cair em provas?

Ora, a decisão unânime do Supremo Tribunal Federal no julgamento do ARE 1.561.727 AGR/DF consolida orientação jurisprudencial relevante para a compreensão dos limites da atividade legislativa dos entes subnacionais.

Ora, a prerrogativa de prescrição de medicamentos por enfermeiros, reconhecida pela Lei Federal 7.498/1986, encontra-se definitivamente assegurada no âmbito do Distrito Federal.

Ademais, a decisão representa, ademais, reconhecimento da importância da atuação dos profissionais de enfermagem no Sistema Único de Saúde, confirmando judicialmente prerrogativas essenciais ao exercício desta categoria profissional.

Como o tema já caiu em provas?

MPE-GO - 2010 - MPE-GO - Promotor de Justiça

I - A doutrina e a jurisprudência nacionais admitem plenamente a teoria da divisibilidade da lei, de modo que somente deve ser proferida a inconstitucionalidade daquelas normas viciadas, não devendo se estender o juízo da censura às outras partes da lei, salvo se elas não puderem subsistir de forma autônoma. (Certo)

Quer saber quais serão os próximos concursos?

Confira nossos artigos para Carreiras Jurídicas!
0 Shares:
Você pode gostar também