* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Entenda o que aconteceu
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucional o parágrafo 4º do art. 39 da Lei 12.844/2013, dispositivo que estabelecia a presunção de legalidade do ouro e a boa-fé do comprador (ADI 7273 e ADI 7345).
A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7273 foi proposta pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) e pela Rede Sustentabilidade; já a Ação Direta de Inconstitucionalidade 7345 foi ajuizada pelo Partido Verde (PV).
A edição da norma ocorreu em 2013, mas estava suspensa desde abril de 2023 por liminar concedida pelo ministro Gilmar Mendes e referendada pelo Plenário.

Lei 12.844/2013
Art. 39...
§ 4º Presumem-se a legalidade do ouro adquirido e a boa-fé da pessoa jurídica adquirente quando as informações mencionadas neste artigo, prestadas pelo vendedor, estiverem devidamente arquivadas na sede da instituição legalmente autorizada a realizar a compra de ouro.
O relator, ministro Gilmar Mendes, afirmou que a regra prevista na Lei 12.844/2013 não é compatível com o dever constitucional de proteção ao meio ambiente, expresso no artigo 225, da CF/88.
Essa presunção de boa-fé no comércio do ouro, prevista em lei, prejudica a efetividade de controle da atividade garimpeira, inerentemente poluidora, não apenas facilitando, mas também incentivando o comércio de ouro obtido por garimpo ilegal.
Mendes destacou:
“Não é difícil verificar que a simplificação do processo de compra de ouro permitiu a expansão do comércio ilegal e fortaleceu as atividades de garimpo ilegal, o desmatamento, a contaminação de rios, a violência nas regiões de garimpo, chegando a atingir os povos indígenas das áreas afetadas”
Fiscalização
O relator, no momento da suspensão liminar da norma, em 2023, determinou aos órgãos da União que apresentassem um novo marco legal para a fiscalização do ouro.
Além disso, a Advocacia-Geral da União esclareceu que o presidente da República já havia apresentado um projeto de lei sobre o tema, que se encontra em tramitação no Congresso Nacional.
Gilmar Mendes determinou que, enquanto não houver a apreciação do PL 3.025/2023, os órgãos do Poder Executivo federal adotem, dentro de suas respectivas áreas de competência, medidas regulatórias e/ou administrativas para inviabilizar a aquisição de ouro obtido por garimpo ilegal em áreas de proteção ambiental e terras indígenas.
Análise jurídica
Meio ambiente
O meio ambiente, direito fundamental de terceira geração, abrange não só o meio ambiente natural (formado apenas pelos elementos naturais, tais como ar, água, solo, fauna etc.), como também o meio ambiente artificial (urbano), o meio ambiente cultural, o meio ambiente do trabalho.
E é dever tanto do Poder Público quanto da sociedade preservá-lo para as presentes e as futuras gerações.
CF
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
O meio ambiente deve ser considerado patrimônio comum de toda humanidade, para a garantia de sua integral proteção, especialmente em relação às gerações futuras.
Todas as condutas do Poder Público estatal devem ser direcionadas no sentido de integral proteção legislativa interna e de adesão aos pactos e tratados internacionais protetivos desse direito humano fundamental de 3ª geração, para evitar prejuízo da coletividade em face de uma afetação de certo bem (recurso natural) a uma finalidade individual.
Intervenção do poder público
Nesse contexto, extraímos o princípio da obrigatoriedade de intervenção do poder público na proteção do meio ambiente, que fundamentou, também, a declaração de inconstitucionalidade da norma que prevê a boa-fé no comércio do ouro.
A gestão do meio ambiente não é matéria que deva ser tratada apenas pela sociedade civil. O próprio art. 225 da Constituição Federal é incisivo em impor a obrigação de preservação do meio ambiente também ao Poder Público.
Corrobora com essa afirmação a natureza do bem ambiental como bem público. Portanto, o Estado tem o dever de gerir e prestar contas no trato com os elementos ambientais envolvidos no ecossistema (solo, ar, água etc.).
O correto manejo do meio ambiente passa pela observância das noções de eficiência, fiscalização, democracia e prestação de contas.
O Poder Público deve agir, em relação ao meio ambiente, com eficiência, produzindo mais com menos, fomentando o uso racional dos recursos naturais. Além do mais, deve fornecer à sociedade todas as informações necessárias acerca de sua atuação na proteção do meio ambiente. Nasce, assim, a noção de governança ambiental.
A competência administrativa em matéria ambiental, que inclui fiscalização, licenciamento, execução de políticas públicas ambientais, aplicação de poder de polícia ambiental, é do tipo COMUM, CUMULATIVA ou PARALELA, ou seja, tanto a União, quanto os Estados e os Municípios podem atuar. A atuação de um ente não exclui a atuação de outro ente em matéria ambiental (a atuação pode ser cumulativa). É o que prescreve o art. 23, VI e VII, da CF/88, in verbis:
CF/88
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
...
III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos
VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;
VII - preservar as florestas, a fauna e a flora;

DTVMs
A boa-fé no comércio do ouro reduz as responsabilidades das Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários – DTVMs por irregularidades referentes à origem do ouro da Amazônia, ao possibilitar que as distribuidoras comprem o metal com base no princípio da boa-fé, ou seja, utilizando exclusivamente informações prestadas pelos vendedores.
A medida, que facilita o comércio do ouro, possibilita, também, o comércio ilegal de ouro na região, ao dispensar mecanismos mais rígidos de fiscalização da atividade.

Podemos dizer que o princípio da boa-fé no comércio do ouro acarreta:
- Redução das responsabilidades das DTVMs;
- Fragilização da fiscalização ambiental;
- Fomento do garimpo ilegal;
- Facilitação do comércio ilegal do ouro;
- Aumento do desmatamento;
- Facilitação da contaminação dos rios;
- Afetação de terras indígenas.
Enfim, andou bem a Suprema Corte ao declarar a inconstitucionalidade da boa-fé no comércio do ouro, pois tal medida servirá para reforçar e fortalecer a proteção e a fiscalização do meio ambiente, através do combate ao garimpo ilegal.
Tema importante, e que pode ser cobrado em provas de direito ambiental. Portanto, muita atenção!
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