STF garante anistia a cabos da Aeronáutica afastados no início da ditadura militar – distinguish?

STF garante anistia a cabos da Aeronáutica afastados no início da ditadura militar – distinguish?

STF reconhece anistia a cabos da Aeronáutica desligados no início da ditadura militar, garantindo reparação a militares afastados por atos institucionais.

cabos da Aeronáutica

Contexto

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) proferiu decisão importante ao invalidar 36 portarias editadas em 2020 pelo então Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos que anulavam a anistia política e as pensões concedidas a ex-cabos da Aeronáutica afastados de seus cargos no início da ditadura militar. 

O caso remonta a 1964, quando, após o golpe militar, cabos da Aeronáutica que manifestaram oposição à ruptura democrática foram compulsoriamente transferidos para a reserva, por força da Portaria nº 1.104/1964 do Ministério da Aeronáutica. 

Assim, entre 2002 e 2006, o Ministério da Justiça e Segurança Pública reconheceu o caráter político das dispensas e expediu diversas portarias concedendo anistia e pensões a esses ex-militares, entendendo que a Portaria nº 1.104/1964 constituía um ato de exceção de natureza exclusivamente política.

Em 2019, entretanto, o STF estabeleceu, no julgamento do RE 817.338, com repercussão geral, que a Administração Pública poderia revisar a concessão de anistia a ex-militares, desde que respeitado o devido processo legal. Determinou-se também que a União não poderia exigir a devolução de valores já repassados aos anistiados.

A anulação das anistias

No ano seguinte, em junho de 2020, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, então chefiado pela atual senadora Damares Alves (Republicanos), editou 313 portarias anulando a anistia concedida aos cabos da Aeronáutica. 

Tais portarias justificavam a revogação pela “ausência de comprovação da existência de perseguição exclusivamente política no ato concessivo”.

Em seguida, a medida foi contestada pelo Conselho Federal da OAB, que impetrou Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 777) perante o STF. A petição inicial, assinada pelo constitucionalista Lenio Streck, apontava violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa, uma vez que os anistiados não foram notificados do processo administrativo de revisão, tampouco tiveram oportunidade de se defender.

Anistia política e reparação de natureza econômica

Administração Pública pode anular a anistia política que já foi concedida?

Durante a ditadura militar instalada no Brasil em 1964, diversas pessoas foram vítimas de perseguição política praticada pelo governo federal.

Como exemplo disso, diversos militares que não eram alinhados ao governo foram considerados “subversivos” pelo regime militar e expulsos das Forças Armadas.

A fim de reparar política e economicamente situações como essa e que atingiram milhares de indivíduos na época da ditadura militar, a CF/88 previu, no art. 8º do ADCT, que a União poderá conceder anistia política a pessoas que foram prejudicadas por perseguições decorrentes de motivação política no período de 18/09/1946 até a data de promulgação da Constituição.

Há previsão também de que o anistiado receba uma reparação de natureza econômica, a ser paga pela União, em alguns casos nos quais fique demonstrado que ele sofreu prejuízos em sua atividade laboral.

A Lei nº 10.559/2002 regulamentou o art. 8º do ADCT e a concessão dessa reparação econômica para os anistiados. Veja:

Art. 1º O Regime do Anistiado Político compreende os seguintes direitos:

I - declaração da condição de anistiado político;

II - reparação econômica, de caráter indenizatório, em prestação única ou em prestação mensal, permanente e continuada, asseguradas a readmissão ou a promoção na inatividade, nas condições estabelecidas no caput e nos §§ 1º e 5º do art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias;

(...)

Art. 3º A reparação econômica de que trata o inciso II do art. 1º desta Lei, nas condições estabelecidas no caput do art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, correrá à conta do Tesouro Nacional.

(...)

Art. 4º A reparação econômica em prestação única consistirá no pagamento de trinta salários mínimos por ano de punição e será devida aos anistiados políticos que não puderem comprovar vínculos com a atividade laboral.

(...)

Art. 5º A reparação econômica em prestação mensal, permanente e continuada, nos termos do art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, será assegurada aos anistiados políticos que comprovarem vínculos com a atividade laboral, à exceção dos que optarem por receber em prestação única.

(...)

Art. 6º O valor da prestação mensal, permanente e continuada, será igual ao da remuneração que o anistiado político receberia se na ativa estivesse, (...)

Imagine agora a seguinte situação adaptada

  • Em 1964, João, cabo da Aeronáutica, foi dispensado do serviço militar na década de 1960 por meio da Portaria nº 1.104/1964.
  • Em 2003, o Ministro da Justiça concedeu a João a anistia reconhecendo a sua condição de perseguido político.
  • Em 2006, a Advocacia-Geral da União emitiu nota técnica (AGU/JD-1/2006) fazendo alguns questionamentos sobre a forma indevida pela qual estavam sendo concedidas anistias políticas, dentre elas a que foi outorgada a João. Segundo esta nota, a Comissão de Anistia estava concedendo o benefício com base apenas em um documento produzido na época do regime militar de exceção, não sendo isso suficiente, considerando que seriam necessárias provas complementares.
  • Em 2011, o Ministro da Justiça, motivado pela nota técnica editada em 2006, determinou que fossem revistas as portarias de anistia de inúmeros militares, dentre elas a de João.
  • Em 2012, foi aberto processo administrativo para examinar a situação de João e, ao final, determinou-se a anulação da anistia política que lhe havia sido concedida sob o argumento de que a Portaria nº 1.104/1964, que ensejou a dispensa do cabo, não tinha motivação política.

A Portaria nº 1.104/1964 limitou-se a desligar João da Aeronáutica – assim como inúmeros outros – pelo simples fato de ele ter completado o tempo de serviço militar (8 anos).

O Ministério da Justiça fundamentou seu ato no poder de autotutela.

Isso seria possível?

  • Sim.

A jurisprudência do STF construiu a tese de que o prazo decadencial do art. 54 da Lei nº 9.784/99 não se aplica quando o ato a ser anulado afronta diretamente a Constituição Federal.

Situações de flagrante inconstitucionalidade não devem ser consolidadas pelo transcurso do prazo decadencial previsto no art. 54 da Lei nº 9.784/99, sob pena de subversão das determinações insertas na Constituição Federal.

Desse modo, não pode haver “usucapião de constitucionalidade”, pois a obrigatoriedade da Constituição deriva de sua vigência. Não é possível entender, portanto, que o tempo derrogue a força obrigatória de seus preceitos por causa de ações omissivas ou comissivas de autoridades públicas.

Se há uma inconstitucionalidade flagrante, a pessoa que está se beneficiando dessa situação não está de boa-fé, já que deveria saber que aquela situação é incompatível com o ordenamento jurídico.

A parte final do art. 54 menciona que esse prazo não se aplica se ficar demonstrada a má-fé do beneficiário. Logo, estando o beneficiário de má-fé (porque a inconstitucionalidade era evidente), a ele não pode ser aplicado o prazo decadencial.

Portanto, o ato administrativo que declarou o impetrante como anistiado político não é passível de convalidação pelo tempo, dada a sua manifesta inconstitucionalidade, uma vez que viola frontalmente o art. 8º do ADCT.

A Comissão de Anistia do Ministério da Justiça editou súmula administrativa reconhecendo indiscriminadamente que todos os cabos da Aeronáutica que houvessem sido licenciados pela implementação do tempo de serviço militar (8 anos) seriam anistiados por ato de natureza exclusivamente política, sendo este o único fundamento para o enquadramento na situação do art. 8º do ADCT.

Essa interpretação dada pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça acabou presumindo que houve motivação política na Portaria 1.104/1964, implicando em números impressionantes de concessão de anistia política para ex-integrantes da Aeronáutica.

Em suma:

No exercício do seu poder de autotutela, poderá a Administração Pública rever os atos de concessão de anistia a cabos da Aeronáutica com fundamento na Portaria nº 1.104/1964, quando se comprovar a ausência de ato com motivação exclusivamente política, assegurando-se ao anistiado, em procedimento administrativo, o devido processo legal e a não devolução das verbas já recebidas.

STF. Plenário. RE 817338/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 16/10/2019 (Repercussão Geral – Tema 839) (Info 956).

O STJ seguindo a orientação do STF, também definiu que:

No exercício de seu poder de autotutela, poderá a Administração Pública rever os atos de concessão de anistia a cabos da Aeronáutica relativos à Portaria nº 1.104/1964, quando se comprovar a ausência de ato com motivação exclusivamente política, assegurando-se ao anistiado, em procedimento administrativo, o devido processo legal e a não devolução das verbas já recebidas.

STJ. 1ª Seção. MS 20.187-DF, Rel. Min. Manoel Erhardt (Desembargador convocado do TRF5), julgado em 10/08/2022 (Info 744).

No exercício do seu poder de autotutela, poderá a Administração Pública rever os atos de concessão de anistia a cabos da Aeronáutica com fundamento na Portaria nº 1.104/1964, quando se comprovar a ausência de ato com motivação exclusivamente política, assegurando-se ao anistiado, em procedimento administrativo, o devido processo legal e a não devolução das verbas já recebidas.

STJ. 1ª Seção. MS 18442-DF, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 09/11/2022 (Info 756).

No mesmo sentido:

É possível a anulação do ato de anistia pela Administração Pública, evidenciada a violação direta do art. 8º do ADCT, mesmo quando decorrido o prazo decadencial contido na Lei nº 9.784/99.

STJ. 1ª Seção. MS 19.070-DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. Acd. Min. Og Fernandes, julgado em 12/02/2020 (Info 668).

E agora, o que ficou decidido pelo STF? 

Veja, no julgamento da ADPF 777 ficou estabelecido alguns limites da autotutela administrativa frente a situações “consolidadas pelo tempo”, bem como um certo desrespeito ao princípio do contraditório. 

Em síntese, a Min Relatora destacou que:

  1. Houve um significativo lapso temporal de 17 anos entre a concessão da anistia (2002-2006) e sua anulação (2020), extrapolando qualquer parâmetro de razoabilidade temporal para o exercício do poder de autotutela;
  2. Além disso, a situação de especial vulnerabilidade dos anistiados, que são pessoas idosas e que organizaram suas vidas e planejamentos financeiros com base na expectativa legítima da manutenção de seus benefícios;
  3. O contexto, isto é, anulação em plena pandemia de Covid-19, quando a proteção social se tornava ainda mais necessária, especialmente para grupos de risco como idosos;
  4. O contraditório, isto é, houve ausência de motivação concreta e individualizada nas portarias anulatórias, que apresentavam fundamento genérico (“ausência de comprovação da existência de perseguição exclusivamente política”), contradizendo o próprio entendimento do STF no RE 817.338, que exigia comprovação específica da ausência de motivação política para justificar a revisão.

Em outras palavras, a ministra não questionou a possibilidade teórica de revisão, mas sim a forma como esta foi realizada na prática.

Como podemos diferenciar então?

ADPF 777 (2025)MS 17526-DF e precedentes
Tempo decorrido17-18 anos (2002-2020)8-9 anos (2003-2012)
Forma da revisão313 portarias simultâneas com texto idênticoAnálise gradual e individual dos casos
MotivaçãoGenérica, sem análise individualEspecífica para cada caso
ContextoDurante pandemia COVID-19, afetando idososSem circunstâncias agravantes específicas
Devido processoDimensão substantiva (razoabilidade)Dimensão formal (procedimento)
ResultadoAnulação das portarias, mantendo anistiasValidação das anulações de anistia

Eu não tenho dúvidas que isso será cobrado em provas!

Saudações!

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