STF decide se advogado público precisa ou não de OAB
Foto: Gustavo Moreno/STF

STF decide se advogado público precisa ou não de OAB

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

STF inicia julgamento

O Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou o julgamento sobre a constitucionalidade da exigência de que advogados públicos estejam inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para poderem exercer a profissão (TEMA 936).

O tema é analisado no Recurso Extraordinário 609.517. Nele, a OAB contesta uma decisão que permitiu a um membro da Advocacia Geral da União (AGU) atuar sem inscrição na seccional da entidade em Rondônia.

O caso tem repercussão geral reconhecida (Tema 936). Ou seja, a tese a ser firmada pelo STF deverá ser seguida por outros tribunais em casos semelhantes.

Só no Supremo Tribunal Federal, há 17 processos sobre o mesmo assunto à espera desse julgamento.

O relator do recurso é o ministro Cristiano Zanin. Para ele, é inválida a exigência de inscrição na OAB como requisito para o exercício da advocacia pública.

Zanin reconheceu a possibilidade de inscrição voluntária, desde que como manifestação expressa de vontade do representante do órgão ou ente federativo.

Os ministros Flávio Dino, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes acompanharam o entendimento do relator.

Advogado público:

Alexandre de Moraes foi incisivo: “É muito perigoso subordinar uma instituição do Estado a qualquer outra que tenha interesses privados”.

Por outro lado, divergiram os ministros André Mendonça e Edson Fachin, que consideram obrigatória a inscrição na OAB para o exercício da função.

Fux apresentou um voto intermediário, defendendo a obrigatoriedade de inscrição na OAB apenas nos casos em que se permite o exercício da advocacia privada ou quando o concurso público exige a inscrição como requisito prévio, mas afastando a necessidade de manter a inscrição ativa quando houver impedimento legal para advogar.

O ministro Toffoli pediu vista, suspendendo o julgamento.

Posição da AGU

A Advocacia-Geral da União defendeu a obrigatoriedade de inscrição na OAB para o exercício da advocacia pública. O fundamento utilizado foi o de que a Constituição Federal atribui à advocacia pública o papel de função essencial à Justiça, equiparando-a ao Ministério Público, à Defensoria Pública e à advocacia privada.

Essas instituições têm a missão comum de resguardar valores constitucionais e direitos fundamentais do cidadão.

O advogado da União Lyvan Bispo dos Santos, que realizou sustentação oral em nome da AGU, destacou que, embora existam diferenças quanto ao regime funcional e ao beneficiário final da atuação, as atividades desempenhadas por advogados públicos e privados são, em essência, idênticas. Isso justifica, assim, a aplicação de um mesmo regime jurídico.

O próprio Supremo, ao julgar a ADI 2.652, afastou a criação de tratamentos jurídicos diferenciados entre essas categorias (advogados públicos e privados).

O STF concluiu, na ADI 2.652, que a discriminação em relação aos advogados vinculados a entes estatais violava os princípios da isonomia e da inviolabilidade no exercício da profissão.

Para a AGU, a exigência de inscrição na OAB é um mecanismo para garantir a autonomia técnica e as prerrogativas dos advogados públicos, frequentemente vulneráveis em entes subnacionais.

Não haveria que se falar na aplicação analógica do julgado no RE 1.240.299, que dispensou os Defensores Públicos de inscrição na OAB, já que se trata de carreira distinta.

Posição do Conselho Federal da OAB

Vicente Martins Prata Braga, representante do Conselho Federal da OAB, procurador do Estado do Ceará e presidente da Associação Nacional dos Procuradores de Estado, defendeu que todos os advogados públicos devem manter inscrição obrigatória na OAB.

Para Braga, a diferença entre a advocacia pública e privada reside apenas no cliente representado, já que ambas compartilham a mesma essência profissional. A retirada dessa obrigatoriedade enfraqueceria as prerrogativas e comprometeria a segurança institucional dos advogados públicos.

A Ordem dos Advogados do Brasil se apresenta como casa comum da advocacia e instância de defesa da categoria, especialmente importante para os advogados públicos municipais, que não contam com a mesma proteção constitucional assegurada aos federais e estaduais.

Reforçou a não aplicação do tema 1.074, do STF, referente à Defensoria Pública, que já alcançou grau elevado de autonomia funcional e administrativa. Isso não ocorre com a advocacia pública, que ainda está em processo de consolidação como função constitucional plena.

Voto do relator

Cristiano Zanin, relator do caso, votou contra a exigência de inscrição na OAB como requisito para o exercício da advocacia pública, sob os seguintes fundamentos:

• Os advogados públicos, embora exerçam atividades jurídicas típicas da advocacia, são selecionados por concurso público e se submetem aos estatutos próprios dos órgãos aos quais estão vinculados, conforme determinam os arts. 131 e 132 da Constituição Federal;

• Apesar das semelhanças com a atuação dos advogados privados, os advogados públicos não estão sujeitos às mesmas normas aplicáveis à advocacia privada;

• A LC 73/93 não exige a inscrição na OAB como condição para o exercício das funções institucionais dos membros da AGU;

• Caso os advogados públicos venham a exercer a advocacia privada - mediante autorização legal -, deverão obrigatoriamente cumprir as exigências previstas no Estatuto da Advocacia (lei 8.906/94), como a inscrição na Ordem, o pagamento da anuidade e a submissão à fiscalização ética e disciplinar;

• A inscrição voluntária na OAB deve ser permitida, especialmente nos casos em que o advogado público deseja participar de listas para composição de tribunais, como ocorre nos chamados quintos constitucionais;

• Zanin considerou legítima a celebração de convênios ou atos administrativos entre órgãos públicos e a OAB, permitindo, por exemplo, o repasse de anuidades e o desenvolvimento de ações institucionais conjuntas.

Cristiano Zanin ressaltou que “a capacidade postulatória do Advogados Públicos decorre de previsão constitucional (CF, arts. 131 e 132), independentemente de qualquer registro nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil, o que afasta a obrigatoriedade do pagamento de anuidade ao órgão.”

CF/88

Art. 131. A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.

§ 1º - A Advocacia-Geral da União tem por chefe o Advogado-Geral da União, de livre nomeação pelo Presidente da República dentre cidadãos maiores de trinta e cinco anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada.

§ 2º - O ingresso nas classes iniciais das carreiras da instituição de que trata este artigo far-se-á mediante concurso público de provas e títulos.

§ 3º - Na execução da dívida ativa de natureza tributária, a representação da União cabe à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, observado o disposto em lei.

Art. 132. Os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas.         

Parágrafo único. Aos procuradores referidos neste artigo é assegurada estabilidade após três anos de efetivo exercício, mediante avaliação de desempenho perante os órgãos próprios, após relatório circunstanciado das corregedorias.

Ao final, o relator propôs a seguinte tese para o TEMA 936:

"É inconstitucional a exigência de inscrição do Advogado Público nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil, para o exercício das atividades inerentes ao cargo público.”

Divergência parcial

O ministro Gilmar Mendes, apesar de acompanhar o voto do relator, fez ressalvas quanto à proposta original de permitir a celebração de atos administrativos conjuntos entre órgãos públicos e a OAB.

Divergência

O Ministro Edson Fachin abriu a divergência, defendendo a obrigatoriedade de inscrição na OAB para o exercício da advocacia pública, sob os seguintes fundamentos:

• A Constituição Federal de 1988 não estabelece distinção entre a advocacia pública e a privada;

• Separar o exercício da advocacia pública e privada contraria o princípio da unidade da carreira jurídica, consagrado pela Constituição;

• Os advogados públicos integram a carreira da advocacia, mesmo que estejam submetidos a um regime jurídico específico dos servidores públicos;

• Os advogados públicos estão sujeitos simultaneamente às normas do Estatuto da OAB e ao Código de Ética da advocacia, ao mesmo tempo em que obedecem às regras específicas da carreira pública;

• O art. 2º do Estatuto da OAB reconhece a advocacia como serviço público e função social, inclusive quando exercida em caráter privado, o que reforça a ideia de que todo advogado - público ou privado - exerce um verdadeiro munus público, justificando a exigência dos mesmos critérios de habilitação e fiscalização profissional;

• Há uma distinção relevante entre a advocacia pública e a Defensoria Pública, apta a afastar a incidência do TEMA 1.074 do STF;

• Os artigos 131 e 132, da CF, devem ser interpretados em harmonia com o art.  133, que estabelece a advocacia como função essencial à administração da Justiça;

• É plenamente possível a convivência entre as normas específicas da carreira pública e as regras gerais aplicáveis à advocacia;

• As prerrogativas e deveres inerentes ao cargo público não afastam, por si só, os deveres e impedimentos previstos para o exercício da advocacia - salvo quando expressamente excepcionados por lei.

Por fim, importante acompanhar o restante do julgamento, que servirá como divisor de águas para a Advocacia Pública brasileira.


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