O Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidou importante interpretação sobre a responsabilidade solidária em casos de improbidade administrativa, trazendo luz a um dos pontos mais controversos da reforma introduzida pela Lei 14.230/2021 na Lei de Improbidade Administrativa (LIA) no informativo 849 divulgado dia 29/04/2025.
Em recente julgamento do AgInt no AREsp 1.485.464-SP, a Primeira Turma do STJ, sob relatoria do Ministro Paulo Sérgio Domingues, estabeleceu marco interpretativo sobre a vedação à solidariedade contida no artigo 17-C, §2º, da Lei 8.429/1992.
Vamos aprofundar, mas antes, tratar do caso concreto.
Esquema de fraude em licitação
De início, o caso analisado envolve uma ação de improbidade administrativa ajuizada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo contra diversos réus, incluindo Nelson Bonfim, então Prefeito do Município de Piacatu/SP. A acusação apontava burla a uma decisão judicial anterior que proibia a empresa Emblema de contratar com o Poder Público.

Desse modo, para contornar esta proibição, foi criada uma empresa de fachada (Macpel) que permitiu à Emblema continuar vendendo seus produtos para entes públicos. O esquema incluiu diversas irregularidades nos processos licitatórios, superfaturamento, falta de publicação adequada do edital, composição da comissão de licitação com pessoas desqualificadas, ausência de numeração e assinaturas em documentos, inobservância de prazos mínimos e falta de pesquisa prévia de preços.
A retroescavadeira adquirida pelo município por R$ 207.000,00 – valor superior ao repasse de R$ 200.000,00 recebido do Fundo Estadual de Prevenção e Controle da Poluição (FECOP) – foi comprovadamente superfaturada, conforme evidenciado por comparações com aquisições semelhantes por outros municípios e mesmo por particulares.
Tese firmada pelo STJ
O ponto central da discussão girava em torno da interpretação do artigo 17-C, §2º, da LIA, que estabelece:
"Na hipótese de litisconsórcio passivo, a condenação ocorrerá no limite da participação e dos benefícios diretos, vedada qualquer solidariedade".
Ora, o STJ firmou entendimento de que esta vedação à solidariedade deve ser interpretada de forma harmônica com o sistema jurídico brasileiro, especialmente com as disposições do Código Civil e da legislação que regula a Administração Pública. Assim:
"A vedação à solidariedade contida no art. 17-C, §2º, da Lei n. 8.429/1992 é aplicável quando individualizáveis os desígnios dos agentes ativos do ato ilícito, mas não quando tenham, todos eles, participado em unidade de vontades no cometimento da improbidade, oportunidade em que se poderá atribuir a todos o dever de ressarcir integralmente os danos causados, na forma do art. 942 do CC."
Distinção entre sanções e ressarcimento
Nessa linha, a decisão do STJ traça importante distinção entre dois institutos jurídicos:
- Sanções por improbidade: têm natureza personalíssima, e devem ser impostas de acordo com a participação individual de cada agente no ato ímprobo, respeitando o princípio constitucional da individualização das penas;
- Ressarcimento ao erário: possui natureza reparatória, não sancionatória, e decorre do reconhecimento do ato ilícito, do dano efetivo e do nexo causal, sendo informado pelo princípio da reparação integral.
Logo, o relator destaca que o legislador de 2021, ao introduzir a vedação à solidariedade, aparentemente confundiu ressarcimento com sanção. Não por acaso, a responsabilidade solidária pelo ressarcimento de danos está prevista em diversas normas do ordenamento jurídico brasileiro.
A decisão no caso concreto
Dessa maneira, o STJ reconheceu que no caso em análise, os envolvidos atuaram com “unidade de vontades” no esquema fraudulento. Por isso, manteve a condenação solidária ao ressarcimento integral do dano ao erário, que foi fixado em R$ 207.000,00.
Ademais, em concordância com o princípio da irretroatividade da Lei 14.230/2021, conforme decidido pelo STF no Tema 1.199, mas atento às alterações benéficas ao réu, o tribunal apenas reduziu a multa civil aplicada, que passou de três vezes o valor do acréscimo patrimonial para uma vez esse valor, adequando-se ao novo patamar estabelecido pela reforma da LIA.
Retomando
Assim, a decisão do STJ no AgInt no AREsp 1.485.464-SP repercute diretamente na atuação da LIA.
Novamente, o STJ resguarda a efetividade do ressarcimento ao erário. Quando seria praticamente impossível destrinchar qual parcela do dano caberia a cada um dos envolvidos no esquema fraudulento, a solidariedade surge como instrumento garantidor da reparação integral. Isso evita que o compartilhamento das responsabilidades acabe resultando em reparação insuficiente do dano.
Além disso, merece destaque também a distinção estabelecida entre as naturezas jurídicas do ressarcimento e das sanções. Enquanto o primeiro deriva do dever de reparação integral do dano (natureza ressarcitória), as segundas estão submetidas à individualização, por sua natureza punitiva pessoalíssima.
Logo, o STJ pôs fim à confusão conceitual que o legislador de 2021 teria cometido ao tratar ambos os institutos como se fossem da mesma natureza.
Por fim, o STJ consolidou interpretação que servirá de norte para os tribunais brasileiros: a vedação à solidariedade prevista no art. 17-C, §2º da LIA não é absoluta.
Quando os agentes ímprobos atuam com unidade de propósitos, compartilhando os mesmos desígnios na empreitada contra o erário, permanece viável a responsabilização solidária pelo ressarcimento integral do dano, amparada nas previsões do Código Civil e na própria finalidade da legislação protetiva do patrimônio público.
Em resumo, o julgado, portanto, acaba por criar importante filtro interpretativo para o dispositivo introduzido pela Lei 14.230/2021.
Perceba, a vedação à solidariedade somente se aplica quando for possível delimitar, com precisão, a parcela do dano imputável a cada réu. Havendo atuação conjunta com propósitos compartilhados, todos respondem solidariamente pelo prejuízo causado, aplicando-se a regra civilista tradicional expressa no art. 942 do Código Civil.
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