Síndico convoca assembleia para instituir taxa do tráfico

Síndico convoca assembleia para instituir taxa do tráfico

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

Entenda o que aconteceu

O síndico de um condomínio localizado em Madureira, zona norte do Rio de Janeiro, convocou uma assembleia-geral para debater o pagamento de uma taxa mensal de segurança aos criminosos da vizinhança.

Taxa do tráfico

O tráfico estaria cobrando uma taxa mensal de R$1.800,00 para não roubar o prédio.

Ordem do dia da assembleia: “aprovar o pagamento mensal no valor de R$ 1.800 para a comunidade do Morro do São José a partir do mês de maio/2025”.

O condomínio fica bem próximo de uma favela situada no Morro do São José, onde a facção criminosa Terceiro Comando Puro (TCP) domina o tráfico de drogas. Portanto, o pagamento da taxa seria a forma de garantir proteção aos moradores, que seriam poupados de assaltos e outros crimes.

A Polícia Civil do Rio de Janeiro está investigando essa suposta extorsão praticada por traficantes. O síndico será chamado para depor.

A cobrança de taxa de segurança de donos de estabelecimentos comerciais é comum em bairros em que facções criminosas ou milícias dominam. Inclusive, na área da Serrinha, do qual faz parte o Morro do São José, existem denúncias de extorsão contra comerciantes pelo menos desde 2020.

Análise jurídica

Extorsão

A cobrança da taxa do tráfico configura o crime de extorsão, previsto no artigo 158, do código penal.

O crime de extorsão consiste em constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa.

A pena-base do crime de extorsão varia de quatro a dez anos de reclusão, e multa, podendo aumentar de um terço até metade se cometido por duas ou mais pessoas, ou com emprego de arma.

CP

Extorsão

Art. 158 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa:

Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa.

§ 1º - Se o crime é cometido por duas ou mais pessoas, ou com emprego de arma, aumenta-se a pena de um terço até metade.

§ 2º - Aplica-se à extorsão praticada mediante violência o disposto no § 3º do artigo anterior.

§ 3º Se o crime é cometido mediante a restrição da liberdade da vítima, e essa condição é necessária para a obtenção da vantagem econômica, a pena é de reclusão, de 6 (seis) a 12 (doze) anos, além da multa; se resulta lesão corporal grave ou morte, aplicam-se as penas previstas no art. 159, §§ 2o e 3o, respectivamente.

O crime extorsão combina práticas de coação com a obtenção de bens, caracterizando-se como uma forma de lesão ao patrimônio que envolve também aspectos psicológicos e comportamentais.

Consumação

Sobre a consumação do delito de extorsão, o STJ firmou a seguinte tese:

O crime de extorsão é formal e consuma-se no momento em que a violência ou a grave ameaça é exercida, independentemente da obtenção da vantagem indevida.

A súmula 96 do STJ vai na mesma linha de raciocínio: “o crime de extorsão consuma-se independentemente da obtenção da vantagem indevida”.

Sobre o concurso de crimes entre extorsão e roubo, o STJ firmou a seguinte tese:

Há concurso material entre os crimes de roubo e extorsão quando o agente, após subtrair bens da vítima, mediante emprego de violência ou grave ameaça, a constrange a entregar o cartão bancário e a respectiva senha para sacar dinheiro de sua conta corrente.

O STJ entendeu que não é possível reconhecer continuidade delitiva entre os crimes de roubo e extorsão.

Não é possível reconhecer a continuidade delitiva entre os crimes de roubo e de extorsão, pois são infrações penais de espécies diferentes.

Em relação à elementar grave ameaça no crime de extorsão, o STJ firmou a seguinte tese:

No crime de extorsão, a ameaça a que se refere o caput do art. 158 do CP, exercida com o fim de obter a indevida vantagem econômica, pode ter por conteúdo grave dano aos bens da vítima.

Em relação ao delito praticado por funcionário público, mediante violência ou grave ameaça, para obter vantagem indevida, assim entende o STJ:

Comete o crime de extorsão e não o de concussão, o funcionário público que se utiliza de violência ou grave ameaça para obter vantagem indevida.

Assembleia de condôminos

Saindo da seara penal, o código civil regula o condomínio edilício a partir do artigo 1.331, tratando o síndico como sendo o representante legal e administrador do condomínio.

Mas a assembleia tem poderes para investir outra pessoa, em lugar do síndico, em poderes de representação.
CC

Art. 1.347. A assembleia escolherá um síndico, que poderá não ser condômino, para administrar o condomínio, por prazo não superior a dois anos, o qual poderá renovar-se.

Compete ao síndico, segundo o artigo 1.348, do código civil:

I - convocar a assembleia dos condôminos;

II - representar, ativa e passivamente, o condomínio, praticando, em juízo ou fora dele, os atos necessários à defesa dos interesses comuns;

III - dar imediato conhecimento à assembleia da existência de procedimento judicial ou administrativo, de interesse do condomínio;

IV - cumprir e fazer cumprir a convenção, o regimento interno e as determinações da assembleia;

V - diligenciar a conservação e a guarda das partes comuns e zelar pela prestação dos serviços que interessem aos possuidores;

VI - elaborar o orçamento da receita e da despesa relativa a cada ano;

VII - cobrar dos condôminos as suas contribuições, bem como impor e cobrar as multas devidas;

VIII - prestar contas à assembleia, anualmente e quando exigidas;

IX - realizar o seguro da edificação.

As deliberações tomadas pela Assembleia de Condôminos são soberanas e têm validade independente do registro em cartório, sendo dispensável seu registro para que tenha validade entre os condôminos.

Mas atenção! Uma assembleia-geral convocada para deliberar sobre a criação da taxa do tráfico é considerada nula em decorrência da ilicitude do objeto da deliberação.

A Assembleia de Condôminos é soberana, mas dentro dos limites legais.

O código civil, em seu artigo 166, trata como nulo o negócio jurídico quando:

I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz;

II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;

III - o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito;

IV - não revestir a forma prescrita em lei;

V - for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade;

VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa;

VII - a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.

O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo. Portanto, não se sujeita a prazo prescricional.

Ótimo tema para provas de direito civil.


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