* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Decisão do STJ
O Superior Tribunal de Justiça decidiu que apenas as restingas localizadas na faixa de 300 metros da linha de preamar máxima ou aquelas que atuam como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues devem ser consideradas APPs – Áreas de Preservação Permanente, conforme o Código Florestal e a resolução Conama 303/2002.
Restinga

Depósito arenoso paralelo à linha da costa, de forma geralmente alongada, produzido por processos de sedimentação, onde se encontram diferentes comunidades que recebem influência marinha, com cobertura vegetal em mosaico, encontrada em praias, cordões arenosos, dunas e depressões, apresentando, de acordo com o estágio sucessional, estrato herbáceo, arbustivo e arbóreo, este último mais interiorizado.
O entendimento se deu no julgamento do REsp 1.827.303, e teve como relatora a ministra Maria Thereza de Assis Moura.
A Área de Preservação Permanente – APP é uma área protegida, coberta ou não por vegetação nativa. A APP possui importante papel na preservação dos elementos formadores do ecossistema (recursos hídricos, paisagem, estabilidade geológica, biodiversidade, solo), além de assegurar o bem-estar das populações humanas.
As APP’s podem estar situadas tanto em áreas rurais como em áreas urbanas e estão elencadas no artigo 4º do Código Florestal.
O Chefe do Executivo poderá, por meio de ato oficial e através da declaração de interesse social, instituir novas APP’s em áreas cobertas por vegetação, desde que a função [da vegetação] seja a de:
I - conter a erosão do solo e mitigar riscos de enchentes e deslizamentos de terra e de rocha; II - proteger as restingas ou veredas; III - proteger várzeas; IV - abrigar exemplares da fauna ou da flora ameaçados de extinção; V - proteger sítios de excepcional beleza ou de valor científico, cultural ou histórico; VI - formar faixas de proteção ao longo de rodovias e ferrovias; VII - assegurar condições de bem-estar público; VIII - auxiliar a defesa do território nacional, a critério das autoridades militares; IX - proteger áreas úmidas, especialmente as de importância internacional.
Em regra, veda-se a supressão de vegetação em APP (haja vista sua importância ambiental), e é dever do proprietário, possuidor ou ocupante manter tal vegetação.
Caso haja desmatamento ou degradação, o proprietário, possuidor ou ocupante obriga-se a recuperar a área, mesmo que não tenha sido ele o responsável pela degradação. Isso porque a obrigação aqui é propter rem (segue a coisa).
Só se permite a intervenção ou supressão de vegetação nativa em APP nos casos de:
- Utilidade pública;
- Interesse social; ou
- Baixo impacto ambiental.
Entenda o caso
O caso teve origem em uma ação civil pública proposta pelo Ministério Público de Santa Catarina em face do IMA – Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina.
O juízo de 1º grau concordou com a tese do parquet. Ele ainda proibiu a concessão de licenças ambientais pelo órgão ambiental, independentemente ou não de restinga.
Ocorre que o Tribunal de Justiça de Santa Catarina reformou a sentença, restringindo o reconhecimento da vegetação de restinga como APP – Área de Preservação Permanente apenas quando exercesse funções específicas de fixação de dunas ou estabilização de mangues, como prevê o artigo 4º, VI, do CFlo.
CFlo Art. 4º Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei: ... VI - as restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;
Ministério Público
O Ministério Público entendeu que essa limitação favorece interesses econômicos de grandes construtoras, movidas pela especulação imobiliária, que buscam erguer empreendimentos em áreas ambientalmente privilegiadas, sobretudo sobre vegetações de restinga, em prejuízo do direito difuso ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Maury Viviani, representando o MP, afirmou que a vegetação de restinga deve ser reconhecida como ecossistema vital e de reconhecida fragilidade, e não apenas como acidente geográfico.
“Não queremos compreender que esse tipo de vegetação, inclusive pela sua fragilidade, se trate apenas de um muro de contenção, de um muro de arrimo”.
Maury foi incisivo ao citar precedentes como o REsp 945.898, relatado pelo ministro Hermann Benjamin, e o REsp 1.462.108, do ministro Humberto Martins, ambos reconhecendo que a simples existência da vegetação de restinga é suficiente para caracterizar APP.
Também mencionou decisões recentes do STJ e o julgamento das ADPFs 747 e 749 pelo STF, que validaram a resolução 303/2002 do Conama.
“O STF convalidou as normas infralegais que estabelecem critérios técnicos para proteção ambiental. Na ocasião, a ministra Rosa Weber ressaltou que a invalidação de tais normas operacionais resultaria em descontrole regulatório, incompatível com o dever constitucional de proteção ao meio ambiente”.
Ao final, o parquet pediu o provimento integral do recurso, para restabelecer a sentença que determinou que o órgão ambiental reconheça como APP toda e qualquer área em que haja vegetação de restinga, “independentemente da existência ou não de um acidente geográfico associado”.
Procuradoria-Geral do Estado
O procurador-geral do Estado de Santa Catarina, Marcelo Mendes, representando o IMA, ressaltou a relevância do julgamento para “a economia, a sociedade, o mundo jurídico e político brasileiros”, pois o resultado afetará diretamente 17 estados e diversos municípios costeiros.
O PGE de SC defendeu que a ação civil pública é inadequada para discutir o tema, por ter caráter abstrato e pretender dar uma interpretação conforme o entendimento do Ministério Público, alterando, na prática, o conteúdo do Código Florestal.
Ainda segundo o PGE, não cabe ao Poder Judiciário, nem muito menos à Administração Pública, definir uma nova hipótese de APP. Além do mais, as demais áreas de restinga já são protegidas pela lei 11.428/06 (lei da Mata Atlântica), que estabelece regras rigorosas para vegetações primárias e secundárias, incluindo estudos de impacto ambiental e compensação equivalente à área suprimida.
Marcelo Mendes ressaltou o enorme risco desse entendimento ampliativo para o setor econômico, industrial e para a construção civil, já que a decisão afetará zonas portuárias, industriais e urbanas em vários estados, citando exemplos como Praia Grande e Cubatão/SP, o Aeroporto do Galeão/RJ, e as cidades de Recife e Olinda/PE.
Para o Estado de Santa Catarina, portanto, a legislação vigente já garante proteção adequada. A ampliação judicial do conceito de restinga traria insegurança jurídica, social, política e econômica.
Resolução do Conama
Sobre a resolução 303/2002 do Conama, o representante do Sindicato da Indústria da Construção Civil da Grande Florianópolis observou que ela se aplica apenas às restingas situadas a até 300 metros da costa.
“Não há norma, nem mesmo resolução, que considere toda e qualquer vegetação de restinga como área de preservação permanente”.
A ministra Maria Thereza de Assis Moura destacou que o art. 4º, inciso VI, da lei 12.651/12 e a resolução Conama 303/2002 são normas válidas e complementares no ordenamento jurídico.
Para a relatora, não há dúvidas que o comando normativo é claro ao restringir o alcance do termo restinga. Segundo ela, a evolução legislativa demonstra a existência de outras formas de tutela ao ecossistema, além da APP.
Para a ministra, considera-se como área de preservação permanente as restingas:
- Em faixa mínima de 300 metros, medidos a partir da linha de preamar máxima; e
- Em qualquer localização ou extensão, quando recoberta por vegetação com função fixadora de dunas ou estabilizadora de mangues.
Por fim, o recurso do MP/SC foi parcialmente provido apenas para reconhecer como APP as restingas nos 300 metros da faixa costeira e aquelas com função ecológica específica, mantendo a decisão que rejeitou o reconhecimento irrestrito.
Como caiu na prova
Delegado PF – 2025 Foi concedida licença ambiental para a construção de determinada obra em área com vegetação nativa de restinga. No decorrer da obra, um popular questionou a administração pública sobre a legalidade da licença. A construtora, diante do Poder Judiciário, alegou fato consumado. A partir dessa situação hipotética, julgue os próximos itens com base na legislação ambiental e na jurisprudência dos tribunais superiores. Na situação apresentada, foi indevida a concessão da licença ambiental, pois a vegetação nativa de restinga é sempre considerada área de preservação permanente. Gabarito: CERTO
OBS.: Com base no entendimento do STJ, o gabarito deveria ser “ERRADO”.
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