* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
O presidente Lula disparou: “a regulamentação das redes sociais precisa ser feita pelo Congresso Nacional ou pelo Supremo Tribunal Federal (STF).”
Para rádios da Bahia, o presidente Lula defendeu que, se o Legislativo não discutir o tema da regulamentação das redes sociais, o Supremo Tribunal Federal terá que se debruçar sobre a matéria.
“Precisamos regular essa chamada imprensa digital. No digital, não tem lei. Os caras acham que podem fazer o que quiser, provocar, xingar, incentivar a morte, a promiscuidade das pessoas. E não tem nada para punir. Então, o nosso Congresso Nacional tem responsabilidade e vai ter que colocar isso para regular. Se não for o caso, a Suprema Corte vai ter que regular, porque é preciso moralizar”, disse Lula.
O tema da regulamentação das redes sociais envolve uma complexa discussão envolvendo dois princípios fundamentais: liberdade de expressão x proteção dos cidadãos contra desinformação e discursos de ódio (honra e privacidade).
Liberdade de expressão
A Constituição Federal protege o direito à liberdade de expressão:
CF/88 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes... IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; ... X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; ... Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. ... § 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.
Mas não existem direitos absolutos. Todos os direitos devem observar certas balizas instituídas pelo próprio ordenamento jurídico. A liberdade de expressão, integrante das liberdades públicas, é cláusula pétrea, mas não pode ser exercida de maneira a ofender a dignidade humana de outrem ou de grupos minoritários.
Dino ressaltou, no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1.513.428, que o Supremo tem entendimento consolidado de que o direito à liberdade de expressão e de livre manifestação do pensamento não são absolutos, cabendo intervenção da Justiça em situações de evidente abuso:
“Entendo que as obras jurídicas adversadas não estão albergadas pelo manto da liberdade de expressão, pois, ao atribuírem às mulheres e à comunidade LGBTQIAPN+ características depreciativas, fazendo um juízo de valor negativo e utilizando-se de expressões misóginas e homotransfóbicas, afrontam o direito à igualdade e violam o postulado da dignidade da pessoa humana, endossando o cenário de violência, ódio e preconceito contra esses grupos vulneráveis".
Responsabilidades das Big Techs
E como fica a responsabilidade das Big Techs por conteúdos ofensivos postados e não retirados pela plataforma?
Existe um inquérito civil que tramita desde 2021 para apurar a responsabilidade das Big Techs nos conteúdos postados e que tem a Meta, dona do Facebook, Instagram e WhatsApp, como um dos alvos.
Tramita no Supremo Tribunal Federal dois temas de repercussão geral sobre o assunto:
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Lei nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.
A AGU defende que há a possibilidade de as plataformas digitais serem responsabilizadas, independentemente de ordem judicial prévia para a remoção do conteúdo, considerando o dever de precaução que devem ter as empresas, por iniciativa própria ou por provocação do interessado.
Esse dever de precaução inerente às plataformas digitais aplica-se quando forem identificadas violações a direitos muito caros à sociedade, tais como os direitos da criança e adolescente, direitos referentes à integridade das eleições, defesa do consumidor, além da prática de ilícitos penais e propagação de fake news.
Em trecho de documento enviado ao Supremo Tribunal Federal, a AGU destacou:
“Não é razoável que empresas que lucram com a disseminação de desinformação permaneçam isentas de responsabilidade legal no que tange à moderação de conteúdo. Essas plataformas desempenham um papel crucial na veiculação de informações corretas e na proteção da sociedade contra falsidades prejudiciais. A ausência de uma obrigação de diligência nesse processo permite que a desinformação se propague de forma descontrolada, comprometendo a confiança pública e causando danos consideráveis”.
Em 2023, a queda de braço entre o STF e o X (antigo Twitter) levou à suspensão da plataforma por um mês. Além disso, houve o bloqueio de contas da Starlink, também fundada por Musk, que é dono do X, a fim de garantir o pagamento de multas impostas à rede social.
Regulamentação pelo STF?
Outro ponto essencial é saber se, na omissão do Congresso Nacional, a Suprema Corte poderá regulamentar as redes sociais.
O STF não estaria se imiscuindo em competência privativa do Legislativo, em nítido ativismo judicial indevido?
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No mundo ideal, não seria necessário o ativismo judicial. Isso porque se espera dos Poderes da República a devida atuação, concretizadora de suas competências originais.
Ocorre que, não raro, há omissão injustificável tanto do Executivo quanto do Legislativo na regulamentação de temas caros à sociedade.
E é nessa hipótese de omissão intolerável que se abrem as portas para a atuação saneadora do Judiciário, em especial do STF no que diz respeito aos direitos e valores constitucionais.
Portanto, em tese, é possível sim que o Supremo Tribunal Federal regule as redes sociais para garantir a observância do direito à honra, à privacidade e à dignidade, em face da omissão do Congresso em combater o uso das redes sociais para disseminação de discurso de ódio e desinformação (fake news), mas desde que não haja censura nem desrespeito ao legítimo direito de qualquer cidadão expressar opinião que não seja ofensiva, humilhante ou que traga uma informação comprovadamente falsa.
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Conclusão
A discussão é espinhosa: liberdade de expressão, violação a direitos fundamentais, censura e responsabilidade no ambiente digital. Mas não podemos nos esquivar em achar uma solução que, sem impor qualquer tipo de censura ou restrição à liberdade de expressão, garanta, da forma mais ampla possível, os direitos fundamentais que perfazem a própria dignidade da pessoa humana.
Tema extremamente pertinente para provas de direito constitucional, direito civil e direito processual civil. Por isso, importante acompanhar o desenrolar dos fatos para ver quem levará a melhor nessa disputa de forças.