* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Tema 1.101
O Supremo Tribunal Federal decidiu, por unanimidade, que o regime de recuperação judicial e falência das empresas privadas não se aplica às empresas públicas e sociedades de economia mista, mesmo quando estas atuam em regime de concorrência com a iniciativa privada.

Este entendimento firmou-se no julgamento do Recurso Extraordinário 1.249.945, sob o rito da repercussão geral (Tema 1.101).
O caso em análise envolvia o recurso interposto pela Empresa Municipal de Serviços, Obras e Urbanização (ESURB) e pelo Município de Montes Claros contra uma decisão que negou o pedido de recuperação judicial da ESURB.
Análise jurídica
A lei nº 11.101/2005 regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária.
O artigo 2º da referida lei aduz:
Lei nº 11.101/2005 Art. 2º Esta Lei não se aplica a: I – empresa pública e sociedade de economia mista; II – instituição financeira pública ou privada, cooperativa de crédito, consórcio, entidade de previdência complementar, sociedade operadora de plano de assistência à saúde, sociedade seguradora, sociedade de capitalização e outras entidades legalmente equiparadas às anteriores.
O STF, ao final, considerou constitucional a exclusão prevista no art. 2º, inciso I, da Lei de Falências, que veda a aplicação do regime falimentar a empresas públicas e sociedades de economia mista.
Fundamentos centrais
As razões centrais para essa exclusão baseiam-se na natureza e finalidade dessas entidades estatais. Vejamos:
- Relevante Interesse Coletivo: as empresas públicas e sociedades de economia mista são criadas para atender a um relevante interesse coletivo ou a um imperativo de segurança nacional (Art. 173, caput, da Constituição Federal). A existência dessas entidades pressupõe, necessariamente, a presença de interesse público.
- Impedimento da Submissão: o interesse coletivo das empresas públicas impede sua submissão ao procedimento falimentar das empresas privadas. Retirar essa empresa do mercado, criada em função de interesse eminentemente público/coletivo, não cabe ao Estado-Juiz por argumentos genéricos de insolvência jurídica, mas sim ao Estado-Administração.
- Risco Socioeconômico: submeter essas empresas a uma solução normal de mercado poderia gerar graves perturbações socioeconômicas em razão das atividades exploradas e do interesse público envolvido.
- Impressão de Falência do Estado: a decretação de falência de uma empresa estatal, que tem o Estado como sócio principal, transmitiria a impressão de falência do próprio Estado, o que se considera inconcebível.
Outros fundamentos
Outro fundamento relevante invocado pela Suprema Corte é o Princípio do Paralelismo das Formas.
| O princípio do paralelismo das formas (ou simetria) determina que a alteração ou extinção de um ato jurídico deve ser feita pela mesma forma prescrita para a sua criação. |
- Extinção por Lei: a extinção dessas entidades estatais não pode decorrer de decretação judicial de falência, mas sim de lei específica, conforme o Art. 37, XIX, da Constituição.
CF/88
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
...
XIX - somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação;
- Simetria das Formas: para que se retire uma empresa estatal do mercado, deve haver uma lei específica disciplinando o processo de retirada, o pagamento aos credores e a liquidação da empresa. O princípio é claro: nasce por lei, morre por lei. A convolação em falência, após uma recuperação judicial, implicaria a extinção forçada da sociedade sem a necessária lei autorizadora, desrespeitando o interesse público.
- Regime Jurídico Misto Incompatível: o regime da Lei nº 11.101/2005 é visto como um sistema integral que não pode ser cindido. O procedimento falimentar não comporta uma “recuperação judicial ou falência flexibilizadas” para atender ao interesse público, sendo incompatível com a natureza da empresa pública.
Falência e recuperação judicial
Para concurso público, importante saber os conceitos de falência e recuperação judicial.
| Recuperação judicial | Falência |
| A recuperação judicial é um processo legal para empresas em crise financeira que buscam reestruturar suas dívidas e se recuperar para evitar a falência. O objetivo é preservar a atividade econômica, os empregos e a função social da empresa, renegociando os débitos com os credores por meio de um plano. Diferentemente da falência, que encerra as atividades, a recuperação judicial é uma forma de manter a empresa operando e produzindo. | A falência é um processo judicial que determina a liquidação de uma empresa que não tem mais condições de pagar suas dívidas. Ela ocorre quando a crise financeira da empresa é considerada irreversível, ao contrário da recuperação judicial, que se aplica a crises reversíveis. A falência é decretada quando o devedor for injustificadamente impontual no cumprimento de obrigação liquida, incorrer em execução frustrada ou praticar ato de falência |
Portanto, a recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica (Art. 47, Lei 11.101/05).
Não podemos nos esquecer da recuperação extrajudicial, instituto previsto no nosso ordenamento jurídico.
| A recuperação extrajudicial é um processo de negociação direta entre uma empresa em dificuldades financeiras e seus credores para renegociar dívidas, sem a intervenção judicial inicial. Esse método, previsto na Lei de Recuperação de Empresas e Falências (Lei nº 11.101/2005), permite que a empresa busque soluções de forma mais ágil e menos onerosa, buscando a homologação judicial do acordo final para conferir segurança jurídica. |
Como já caiu em provas de concurso
Esse tema vem sendo constantemente cobrado em provas de direito empresarial. Vejamos:
Delegado PE – 2024 - A respeito de recuperação judicial e extrajudicial, assinale a opção correta. a) O devedor pode requerer recuperação judicial desde que não tenha, há menos de dois anos, obtido concessão de recuperação judicial. b) O plano de recuperação extrajudicial poderá contemplar o pagamento antecipado de dívidas que alcancem até vinte por cento do total sujeito à recuperação. c) Pode requerer recuperação judicial o devedor que não seja falido; caso o tenha sido, as responsabilidades daí decorrentes devem estar declaradas extintas, por sentença transitada em julgado. d) Estão sujeitos à recuperação extrajudicial todos os créditos existentes na data do pedido de recuperação extrajudicial. e) No momento do pedido de recuperação judicial, o devedor deve estar exercendo regularmente suas atividades há pelo menos cinco anos. Gabarito: C.
Delegado CE – 2025 - A respeito da recuperação judicial e da extrajudicial, assinale a opção correta. a) O processo de recuperação extrajudicial não abrange créditos trabalhistas. b) Empresas públicas e sociedades de economia mista estão sujeitas à recuperação extrajudicial. c) A rejeição do plano de recuperação judicial ou extrajudicial acarretará, de imediato, a decretação de falência. d) O É assegurado ao devedor em processo de recuperação judicial requerer a homologação de plano de recuperação extrajudicial simultaneamente. e) É competente para homologar o plano de recuperação extrajudicial o juízo do local do principal estabelecimento do devedor ou da filial de empresa que tenha sede fora do Brasil. Gabarito: E.
Voltando ao julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, o voto condutor, proferido pelo Ministro Flávio Dino, destacou que a Lei nº 11.101/2005 oferece um tratamento diferenciado para diversas empresas (incisos I e II do Art. 2º), não apenas para os entes estatais, justificado pelas especificidades de sua atuação e pelas repercussões econômicas de suas crises.
Ao final, fixou-se a seguinte tese:
Tese do TEMA 1.101: “É constitucional o art. 2º, I, da Lei nº 11.101/2005 quanto à inaplicabilidade do regime falimentar às empresas públicas e sociedades de economia mista, ainda que desempenhem atividades em regime de concorrência com a iniciativa privada, em razão do eminente interesse público/coletivo na sua criação e da necessidade de observância do princípio do paralelismo das formas”
Ótimo tema que deve despencar nas provas daqui para frente. Portanto, atenção!
Quer saber quais serão os próximos concursos?
Confira nossos artigos para Carreiras Jurídicas!



