*João Paulo Lawall Valle é Advogado da União (AGU) e professor de direito administrativo, financeiro e econômico do Estratégia carreira jurídica.
Entenda o caso
Vocês vêm acompanhando a “novela” envolvendo a rede social “X”, do bilionário Elon Musk e o Supremo Tribunal Federal (STF), mas especificamente o ministro Alexandre de Moraes.
Vamos relembrar como a questão da suspensão do funcionamento do “X” ocorreu.
- Foi instaurado inquérito policial autuado por prevenção à Pet. 12.100/DF para apurar a prática de crimes de obstrução de investigações de organização criminosa (art. 2º, §1º, da Lei n. 12.850/13) e de incitação ao crime (art. 286, do Código Penal);
- Algumas redes sociais, dentre elas o “X”, passaram a ser instrumentalizadas com a exposição de dados pessoais, fotografias, ameaças e coações dos policiais e de seus familiares;
- O STF determinou ao “X” o bloqueio de canais/perfis/contas indicados. Isso incluía também quaisquer grupos que sejam administrados pelos usuários seus, inclusive bloqueando eventuais monetizações em curso relativas aos mencionados perfis, devendo as plataformas informar os valores que seriam monetizados e os destinatários dos valores, sob pena de multa diária;
- O acionista majoritário e responsável internacional pelo “X”, Elon Musk, declarou que manteria o desrespeito as decisões judiciais brasileiras, bem como anunciou que extinguiria a subsidiária brasileira – X BRASIL, com a flagrante finalidade de ocultar-se do ordenamento jurídico brasileiro e das decisões do Poder Judiciário;
- Como medida coercitiva, além das multas aplicadas, o STF determinou os bloqueios imediatos das contas bancárias/ativos financeiros;
- O “X” e Elon Musk mantiveram a conduta de descumprir as decisões judiciais emanadas pelo Supremo Tribunal Federal;
- Dada a postura de desprezo ao Poder Judiciário, o ministro Alexandre de Moraes determinou medida judicial drástica ordenando a suspensão imediata, completa e integral do funcionamento do “X” no Brasil. Determinou-se o seguinte:
Cumprimento integral
Após vários dias suspenso, o “X”, em 04/10/2024 apresentou ao STF petição informando o cumprimento integral das determinações judiciais, quais sejam:
- O bloqueio de diversas contas na rede social, conforme determinação do Supremo Tribunal Federal;
- O protocolo na junta comercial do Estado de São Paulo de documentação com alteração societária, indicação de representante em território nacional;
- Depósito integral de todas as multas aplicadas, quitando as obrigações pecuniárias impostas à rede social.
Mas como não poderia ser diferente neste embate entre MUSK e MORAES, o depósito do valor das multas foi realizado de forma errada. Isso impediu a liberação até a sua regularização.
Sobre este ponto, veja a análise realizada pelo professor Felipe Duque no blog do Estratégia Carreiras Jurídicas: https://cj.estrategia.com/portal/x-suspensao-plataforma/.
Análise Jurídica
O uso da internet e das redes sociais no Brasil tem como marco regulatório a Lei 12.965/2014. Esta lei, que disciplina o uso da internet no Brasil, tem como fundamento o respeito à liberdade de expressão, e também:
I - o reconhecimento da escala mundial da rede; II - os direitos humanos, o desenvolvimento da personalidade e o exercício da cidadania em meios digitais; III - a pluralidade e a diversidade; IV - a abertura e a colaboração; V - a livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor; e VI - a finalidade social da rede.
A lei consagrou, ao lado da liberdade de expressão, o respeito aos direitos humanos e a proteção da privacidade e do consumidor. Ela prevê, inclusive, a aplicação das normas consumeristas nas relações travadas na internet.
E o marco civil da internet traz a previsão de a responsabilização civil do provedor de aplicações de internet por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros e apontado como infringente, caso não sejam realizadas as medidas determinadas por ordem judicial dentro do prazo assinalado e nos limites técnicos do serviço.
Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.
Além disso, o art. 997, inciso VI do Código Civil, estabelece que a constituição de qualquer sociedade, obrigatoriamente, deve indicar as pessoas naturais incumbidas da administração da sociedade, e seus poderes e atribuições. Isso porque os administradores respondem solidariamente perante a sociedade e os terceiros prejudicados, por culpa no desempenho de suas funções.,
E há especificidade para as empresas estrangeiras atuarem no Brasil, trazida pela Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro que assim determina:
Art. 11. As organizações destinadas a fins de interesse coletivo, como as sociedades e as fundações, obedecem à lei do Estado em que se constituírem. § 1o Não poderão, entretanto ter no Brasil filiais, agências ou estabelecimentos antes de serem os atos constitutivos aprovados pelo Governo brasileiro, ficando sujeitas à lei brasileira.
Atuação regular
Os provedores de internet no Brasil, assim como qualquer outra empresa que atue no território nacional deve cumprir as formalidades legais para a sua regular atuação e as ordens judiciais emanadas por todas as instâncias competentes do Poder Judiciário.
De forma a se esquivar do cumprimento das regras impostas pela legislação nacional, bem como as ordens emanadas pelo Poder Judiciário, o “X” deixou de designar representante no Brasil, violando a legislação federal, bem como declarou que iria encerrar suas atividades no país, tornando sua operação comercial ilícita.
Em acréscimo, as declarações do acionista majoritário do “X”, Elon Musk, contrárias ao Supremo Tribunal Federal, iniciaram uma campanha de desinformação e, inclusive, instigando a prática dos crimes de desobediência e obstrução à Justiça, inclusive, em relação a organizações criminosas (art. 359 do Código Penal).
Conforme pontuou o ministro Alexandre de Moraes, Elon Musk confundiu liberdade de expressão com uma inexistente liberdade de agressão, e mistura deliberadamente censura com proibição constitucional ao discurso de ódio e de incitação a atos antidemocráticos, ignorando os ensinamentos de uma dos maiores liberais em defesa da liberdade de expressão da história, John Stuart Mill.
Vale ilustrarmos com lição doutrinária de HOLMES e BRANDIS:
“A única liberdade que merece esse nome é a de buscar nosso próprio bem da nossa própria maneira, contanto que não tentemos privar os outros do seu próprio bem, ou impedir seus esforços para obtê-lo. Cada um é o guardião adequado de sua própria saúde: seja física ou mental e espiritual. A humanidade ganha mais tolerando que cada um viva como lhe pareça bom do que os forçando a viver como parece bom aos demais […] segue a liberdade, dentro dos mesmos limites, de combinação entre indivíduos; liberdade para se unir por algum propósito não envolvendo dano aos outros: as pessoas assim combinadas, supõem-se, atingiram a maioridade e não foram forçadas ou enganadas”.
De tudo isso percebe-se que o “X”, seja diretamente, seja através de seu acionista majoritário, praticou diversos atos contrários ao direito brasileiro e demonstrou indiferença em relação ao Poder Judiciário, buscando uma linha de enfrentamento direto com o Supremo Tribunal Federal.
Mas quem saiu ganhando desta disputa?
Evidentemente, o STF, através de certidão constante do processo judicial onde foi determinado o bloqueio, atestou a regularização dos depósitos realizados pelo “X” e o integral cumprimento das multas impostas (as demais ordens já tinham sido cumpridas):
Em face disso, em 08 de outubro de 2024 o Ministro Alexandre de Moraes determinou a liberação do retorno às atividades do “X” no Brasil:
A “batalha” de forças entre o “X”, Elon Musk e o Supremo Tribunal Federal foi alvo do noticiário internacional. O The New York Times reconheceu a derrota de MUSK no caso, com a reafirmação da escorreita aplicação da legislação federal para a empresa “X”:
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