Explicação do caso
A cadeia de custódia foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro pela Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime), regulamentando o tratamento das provas materiais e digitais no processo penal.
Dispõem os arts. 158-A a 158-F do Código de Processo Penal (CPP) que a cadeia de custódia é o conjunto de procedimentos destinados a manter e documentar a história cronológica da evidência, garantindo sua autenticidade e integridade. Seu objetivo é assegurar que o vestígio apresentado ao juízo seja o mesmo que foi coletado na investigação, e que se mantenha imune a adulterações.
No julgamento do RHC 218.358/PI (Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 04/11/2025), o Superior Tribunal de Justiça (STJ) enfrentou uma questão inédita: seria nula a prova pericial baseada em mídias cujo conteúdo integral se tornou inacessível à defesa, por falha no armazenamento ao longo da cadeia de custódia?

O caso envolvia a perda de arquivos digitais utilizados na confecção de laudos periciais. Embora os peritos tivessem atuado regularmente e elaborado relatórios técnicos, o material original — vídeos e gravações — havia se extraviado, tornando impossível o acesso da defesa à íntegra das evidências.
O STJ concluiu que essa falha comprometeu o contraditório e a ampla defesa, pois impediu a verificação e contestação da prova técnica. Assim, reconheceu-se a quebra da cadeia de custódia e, como consequência, a nulidade dos laudos periciais produzidos a partir de mídias inacessíveis.
Essa decisão reforça a centralidade da preservação da prova digital e redefine o alcance prático da cadeia de custódia no processo penal contemporâneo.
Aspectos jurídicos relevantes
Cadeia de custódia
O art. 158-A do CPP define a cadeia de custódia como o “conjunto de procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte”. O dispositivo estrutura um protocolo normativo rígido que abrange tanto provas físicas quanto digitais.
As etapas da cadeia de custódia dividem-se em duas fases:
- Fase externa: reconhecimento, isolamento, fixação, coleta, acondicionamento, transporte e recebimento do vestígio.
- Fase interna: processamento (análise pericial), armazenamento e descarte, observando-se os requisitos de documentação e rastreabilidade.
A observância dessas etapas é essencial para garantir a idoneidade e a confiabilidade da prova, princípios diretamente vinculados aos direitos constitucionais ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, LV, CF/88).
O caso
No julgamento do RHC 218.358/PI, o STJ destacou que a falha não residia em eventual adulteração ou manipulação, mas sim na inacessibilidade das mídias originais após a confecção dos laudos. A ausência de armazenamento adequado das gravações e simulações técnicas inviabilizou a produção de contraprova pela defesa. Isso fragilizou o exercício do contraditório e violou o princípio da paridade de armas.
A Corte reconheceu que a quebra da cadeia de custódia não decorre automaticamente da ausência de determinada mídia, mas da essencialidade do material para a reconstituição fidedigna dos fatos. Ou seja, o vício depende da análise do caso concreto. No processo em questão, a impossibilidade de acesso às mídias originais representou violação substancial à garantia de defesa, tornando a prova pericial inidônea.
O acórdão, portanto, estabelece um marco interpretativo: a perda ou inacessibilidade do material periciado configura quebra da cadeia de custódia sempre que comprometer o controle da defesa sobre a autenticidade da prova.
O STJ também enfatizou o dever jurídico de conservação das evidências, sobretudo quando se tratar de provas produzidas de forma cautelar, ou seja, sem contraditório prévio, mas sujeitas a controle judicial diferido. Nesses casos, o armazenamento seguro do material é indispensável para garantir que a defesa, em momento processual oportuno, possa exercer plenamente seu direito de impugnar a prova técnica ou requerer nova perícia.
Assim, a decisão reforça o papel dos arts. 158-B e 158-F do CPP, que impõem a obrigatoriedade de documentação e guarda das evidências. Ao descumprir tais protocolos, a autoridade pública incorre em vício procedimental grave, apto a gerar nulidade absoluta, especialmente quando o prejuízo à defesa é evidente.
Consequências
A decisão do RHC 218.358/PI insere-se em um movimento mais amplo de reforço à legalidade das provas digitais e à observância estrita da cadeia de custódia. Desde o Pacote Anticrime, a jurisprudência do STJ vem reconhecendo que a inobservância dos protocolos de custódia compromete a validade da prova e, em certos casos, em caso de prejuízo às partes, acarreta a sua inadmissibilidade.
O Informativo 811 do STJ já havia afirmado que a ausência de registro e controle sobre dados extraídos de celulares viola a cadeia de custódia e torna a prova digital inválida. No Informativo 803, o Tribunal absolveu um acusado por ausência de materialidade, diante da impossibilidade de identificar as substâncias periciadas. O Informativo 837 reforçou que, mesmo antes da Lei nº 13.964/2019, a preservação da integridade da prova era exigência inerente ao devido processo legal.
Ainda que a doutrina divirja quanto às consequências da quebra da cadeia de custódia — entre os que veem apenas comprometimento da credibilidade e os que defendem nulidade absoluta —, o STJ tem adotado uma posição intermediária e prudente: a irregularidade deve ser examinada em conjunto com o contexto probatório, mas, quando implicar impossibilidade de contraditório efetivo, a nulidade é incontornável.
Foi exatamente essa a conclusão do caso em exame: a perda das mídias originais impediu a defesa de exercer o contraditório técnico. Isso tornou o laudo pericial inservível como prova válida. O precedente consolida a tese de que a cadeia de custódia é elemento essencial da legitimidade da prova penal, e não mera formalidade burocrática.
Como isso vai cair na sua prova?
Com base no entendimento firmado pelo STJ, assinale a alternativa correta:
a) A perda das mídias originais utilizadas na perícia não compromete a validade do laudo, desde que exista cópia parcial dos arquivos nos autos.
b) A quebra da cadeia de custódia só ocorre quando comprovada adulteração ou manipulação dolosa da prova, não bastando a simples falha de armazenamento.
c) A ausência de parte das gravações ou imagens periciadas configura mera irregularidade, que não impede o aproveitamento do laudo pela acusação.
d) A inacessibilidade do conteúdo integral das mídias por falha na conservação caracteriza quebra da cadeia de custódia e acarreta nulidade dos laudos periciais, por violar o contraditório e a ampla defesa.
e) A nulidade da prova por quebra da cadeia de custódia é sempre relativa, exigindo demonstração de dolo da autoridade policial na perda do material.
Gabarito: d)
Explicação:
O STJ decidiu, no RHC 218.358/PI, que o extravio ou a inacessibilidade das mídias originais utilizadas na perícia — decorrente de falha de armazenamento — configura quebra da cadeia de custódia, pois impede a defesa de verificar a autenticidade do material e de produzir contraprova técnica. Tal situação viola os princípios do contraditório, da ampla defesa e da paridade de armas, tornando nulo o laudo pericial. O Tribunal ressaltou que a nulidade decorre não da suspeita de adulteração, mas da impossibilidade de controle efetivo da prova, elemento essencial à justiça processual penal.
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