STF valida prova obtida em celular sem ordem judicial

STF valida prova obtida em celular sem ordem judicial

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

Decisão do STF

O Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu que são válidas as provas obtidas por meio de perícia policial sem autorização judicial em celular do acusado esquecido na cena do crime.

O entendimento do STF passa a valer a partir do dia 25/06/2025.

A decisão se deu no julgamento do Tema 977 da repercussão geral, e servirá de referência para casos semelhantes em todos os tribunais do país, nos termos do art. 927, III, do CPC.

CPC

Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:

I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;

II - os enunciados de súmula vinculante;

III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;

IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;

V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

...

§ 4º A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia.

Acesso aos dados

Os dados obtidos em celular sem ordem judicial só podem ser utilizados na apuração do crime ao qual a perda do celular está vinculada, e não podem ser utilizados os dados que sejam de conteúdo particular não criminoso. A polícia pode preservar o conteúdo integral do aparelho, mas deve apresentar à Justiça argumentos que justifiquem seu acesso.

Quando o celular é apreendido com o suspeito presente — como em prisões em flagrante —, o acesso aos dados só pode ocorrer com consentimento expresso do dono ou com autorização judicial.

A medida deve respeitar direitos como intimidade, privacidade, proteção dos dados pessoais e autodeterminação informacional.

O caso que gerou o julgamento do Tema 977 (ARE 1.042.075) originou-se de um recurso do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, e teve a relatoria do ministro Dias Toffoli.

Provas

No caso, a vítima, ao sair de uma agência bancária, foi surpreendida por dois homens armados, que anunciaram o assalto.

Após luta corporal, um deles empurrou a vítima ao chão e pegou a sua bolsa, fugindo logo em seguida. No entanto, no momento da fuga, o réu deixou cair o seu aparelho celular, o qual foi entregue à polícia pela própria vítima.

Após o exame dos registros das últimas chamadas e da agenda telefônica do aparelho celular, os policiais localizaram e prenderam o suspeito do roubo.

Condenado em primeira instância, ele acabou absolvido pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que considerou ilegal o acesso ao conteúdo do aparelho sem autorização judicial. O MP-RJ recorreu, e o STF validou as provas.

Apreensão do celular

Importante destacar que o art. 6º do Código de Processo Penal impõe que, ao tomar conhecimento de um crime, os policiais se dirijam ao local, providenciem para que não haja alteração do estado e da conservação das coisas que lá se encontram; e coletem todos os elementos que servirem para esclarecer o ocorrido.

Por isso, a simples apreensão de aparelho celular encontrado no local não depende de decisão do juiz.

Em consequência, a polícia pode acessar os dados armazenados em aparelho celular abandonado na cena do crime.

Essa medida não viola o direito fundamental ao sigilo das comunicações telefônicas (art. 5º, XII, da Constituição).

A autorização prévia do juiz não é necessária, mas os policiais devem apresentar depois as razões que justificaram a apreensão. Por essas razões, no caso analisado, as provas obtidas pela polícia com o exame dos dados encontrados no aparelho de celular, que levaram à prisão do suspeito, são válidas.

Preservação dos dados

Mas atenção, já que, nas situações em que não há o abandono do celular no local do crime, a polícia somente poderá acessar os dados nele contidos se o proprietário concordar ou o juiz autorizar previamente.

Isso porque a Constituição protege os direitos fundamentais à intimidade, à privacidade, à proteção dos dados pessoais e à autodeterminação informacional, inclusive nos meios digitais (art. 5º, X e LXXIX).

CF/88

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

...

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

...

LXXIX - é assegurado, nos termos da lei, o direito à proteção dos dados pessoais, inclusive nos meios digitais.

Nesses casos, a autoridade policial poderá adotar as medidas técnicas necessárias para a preservação das informações contidas no aparelho apreendido, apresentando posteriormente as razões que justificaram sua conduta.

Tese de julgamento do TEMA 977 do STF

“1. A mera apreensão do aparelho celular, nos termos do art. 6º do CPP ou em flagrante delito, não está sujeita à reserva de jurisdição. Contudo, o acesso aos dados nele  contidos deve observar as seguintes condicionantes:

1.1 Nas hipóteses de encontro fortuito de aparelho celular, o acesso aos respectivos dados para o fim exclusivo de esclarecer a autoria do fato supostamente criminoso, ou de quem seja o seu proprietário, não depende de consentimento ou de prévia decisão judicial, desde que justificada posteriormente a adoção da medida.

1.2. Em se tratando de aparelho celular apreendido na forma do art. 6º do CPP ou por ocasião da prisão em flagrante, o acesso aos respectivos dados será condicionado ao consentimento expresso e livre do titular dos dados ou de prévia decisão judicial (cf. art. 7º, inciso III, e art. 10, § 2º, da Lei nº 12.965/2014) que justifique, com base em elementos concretos, a proporcionalidade da medida e delimite sua abrangência à luz de direitos fundamentais à intimidade, à privacidade, à proteção dos dados pessoais e à autodeterminação informacional, inclusive nos meios digitais (art. 5º, X e LXXIX, CRFB/88). Nesses casos, a celeridade se impõe, devendo a Autoridade Policial atuar com a maior rapidez e eficiência possíveis e o Poder Judiciário conferir tramitação e apreciação prioritárias aos pedidos dessa natureza, inclusive em regime de plantão.

2. A autoridade policial poderá adotar as providências necessárias para a preservação dos dados e metadados contidos no aparelho celular apreendido, antes da autorização judicial, justificando, posteriormente, as razões de referido acesso.

3. As teses acima enunciadas só produzirão efeitos prospectivos, ressalvados os pedidos eventualmente formulados por defesas até a data do encerramento do presente julgamento".

Ótimo tema para provas de direito processual penal!


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