Utilização de cócoras do vaso sanitário. É possível renunciar ao direito à privacidade no Big Brother Brasil?

Utilização de cócoras do vaso sanitário. É possível renunciar ao direito à privacidade no Big Brother Brasil?

Sou o professor Marcos Gomes, Defensor Público do Estado de São Paulo, Coordenador da Coleção Defensoria Pública Ponto a Ponto e Especialista em Direito Público.

Trouxe abaixo uma análise para reflexão sobre o tema: Utilização de cócoras do vaso sanitário. É possível renunciar ao direito à privacidade no Big Brother Brasil?

Caso paradigmático:

Recentemente, muito se discutiu acerca da produção do Big Brother Brasil (BBB 24) ter colocado um aviso no banheiro sobre uso ideal do vaso sanitário, o que teria sido provocado pela utilização de forma diferente e perigosa de uma das participantes – utilização de cócoras e em cima do vaso[1].

Questão polêmica:

A questão que se coloca é: seria possível que um participante do Big Brother Brasil renunciasse ao direito à privacidade e à intimidade? O tema merece uma análise detalhada e poderá ser pleiteado em concursos de carreiras jurídicas.

Uma análise histórica:

            Sobre o tema, um clássico exemplo sobre liberdades individuais merece ser destacado aos nossos alunos. O arremesso de anões consistia em uma atração em bares na França, nos quais anões vestiam trajes de proteção e eram arremessados em colchões. Essa prática foi proibida na pequena cidade francesa de Morsang-sur-Orge. Após inúmeros recursos, o caso chegou ao Conselho de Estado Francês, onde restou decidido que a autoridade municipal poderia proibir essa prática em virtude de afrontar a dignidade humana. O tema chegou até mesmo na Comissão das Nações Unidas para os Direitos Humanos, a qual decidiu que a decisão de proibição dos arremessos de anões não era discriminatória.

            Curiosamente, importante destacar que os próprios anões desejavam a referida atividade, notadamente porque possuíam um emprego, remuneração e até mesmo reconhecimento. Porém, a par da vontade individual de algumas pessoas com nanismo, a prática foi proibida por violar a dignidade da pessoa humana de um grupo como um todo.

Irrenunciabilidade dos direitos fundamentais:

            De acordo com a doutrina majoritária[2], uma das características dos direitos fundamentais consiste na irrenunciabilidade. De forma objetiva, afirmamos que os direitos fundamentais não podem ser renunciados. Então, como analisar a situação dos participantes do Big Brother, expostos 24 horas por dia, por meio de inúmeras câmeras e microfones, participando de testes físicos, psicológicos, jogos, festas, discussões etc.? 

            O art. 5º, X, da Constituição Federal estabelece que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Por seu turno, o art. 11, do Código Civil dispõe que “com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária”.

            Nesse sentido, podemos citar o Enunciado n. 4 da I Jornada de Direito Civil, o qual dispõe que “o exercício dos direitos da personalidade pode sofrer limitação voluntária, desde que não seja permanente nem geral”.

Irrenunciabilidade X Não exercício:

            Como vimos, conforme a doutrina majoritária, os direitos fundamentais não podem ser renunciados, o que não confunde com o seu não exercício.  Não é possível renunciar o direito à privacidade, pois esse direito fundamental é inerente a natureza humana. Mas, a doutrina aduz que determinados direitos podem não ser exercidos.

            Seguindo essa linha de raciocínio, seria possível, por exemplo, contratualmente, a limitação voluntária do direito à intimidade/privacidade por meio do seu não exercício – sendo certo que não se trata de uma renúncia absoluta do direito. Esse é exatamente o caso dos contratos realizados com os participantes do Big Brother Brasil, onde participantes renunciam, pontualmente, ao exercício de alguns direitos, a exemplo do direito de ir e vir, à privacidade e à intimidade.

            Por fim, destacamos a existência de linhas tênues e cinzentas de violação da dignidade da pessoa humana nesses programas. Um juízo crítico acerca desse tema é extremamente importante para que os telespectadores não aceitem quaisquer violações físicas e morais dos participantes, sob pena se tornarem reféns de métodos, artifícios e atitudes imorais em prol do voraz vale tudo pela audiência. 


[1] Disponível em https://revistaquem.globo.com/entretenimento/tv-e-novelas/bbb/bbb-24/noticia/2024/01/producao-do-bbb-24-coloca-placa-de-alerta-aos-brothers-sobre-uso-ideal-do-vaso-sanitario-entenda.ghtml. Acesso em 01 de fevereiro de 2024.

[2] Por exemplo: CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 2012.

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