* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Entenda o que aconteceu
A Comissão de Segurança Pública da Câmara acaba de aprovar um projeto que propõe desarmar a segurança pessoal do presidente Lula e de todos os ministros de estado. Trata-se do PL nº 4.012/2023 (15 votos favoráveis e 8 contrários).
O autor do projeto é o presidente da Comissão, o delegado Paulo Bilynskyj, do Partido Liberal de São Paulo. Já o relator do PL é o deputado Gilvan da Federal, também do Partido Liberal, só que pelo Espírito Santo.
Durante a sessão, o deputado Gilvan da Federal chegou a dizer que quer que o presidente Lula morra.

“Eu quero mais que o Lula morra, quero que ele vá para o quinto dos infernos, é um direito meu. Não vou dizer que eu vou matar cara, mas eu quero que ele morra, que vá para o quinto dos infernos...
Nem o diabo quer o Lula, por isso que ele está vivendo aí. Superou o câncer. Tomara que ele tenha uma taquicardia, porque nem o diabo quer a desgraça desse presidente que está afundando o país. Quero mais que ele morra mesmo".
Após a fala do deputado (Gilvan da Federal), a Advocacia-Geral da União encaminhou uma Notícia de Fato à Polícia Federal e à Procuradoria-Geral da República para investigar as falas do deputado. A PF avalia abrir um inquérito sobre o caso.
Segundo Bilynskyj, o objetivo é alinhar a atuação dos órgãos que realizam a segurança do presidente e dos ministros à visão do atual governo “de promover uma cultura de paz, reduzir a violência e buscar soluções não violentas para os desafios de segurança”.
Paulo Bilynskyj disparou:
“O presidente Lula, cercado de seguranças armados, luta sempre para desarmar o cidadão. O ministro Lewandowski, que tem porte de arma renovado pela PF, dificulta o acesso do cidadão às armas de fogo”.
O texto do Projeto prevê o seguinte:
“Fica vedado o uso de armas de fogo pelos agentes integrantes da segurança pessoal do Presidente da República e de seus Ministros de Estado, ainda que em atividades que envolvam a segurança imediata de tais dignatários”.
O projeto tramita em caráter conclusivo e as comissões de Administração e Serviço Público e de Constituição e Justiça e de Cidadania o analisarão. Ele pode ir direto ao Senado, se não for apresentado recurso para discussão em plenário. Para virar lei, a medida precisa ser aprovada nas duas Casas: Câmara e Senado.
Oposição à medida
O deputado Pastor Henrique Vieira, do PSOL-RJ, chamou o projeto de “tragicômico” e o classificou como inconstitucional, já que estaria fundamentado em um argumento meramente ideológico, e não técnico.
“O presidente Lula nunca disse que agentes de segurança não podem estar armados. O que nós dizemos é que arma de fogo, para uso estimulado em massa pela população, não é uma boa política de defesa e de proteção…
Nós dizemos que arma de fogo estimulada em massa para uso da população em geral não é uma boa política de defesa e proteção. Sempre foi essa nossa defesa. Quando dissemos que policial não pode ter arma? O governo nunca disse isso. Ou vossas excelências estão agindo por maldade, ou por má fé ou por ignorância”.
Análise jurídica
O fundamento do projeto de lei é o de adequar a segurança do Presidente da República e de seus Ministros de Estado à realidade imposta pelos mesmos ao cidadão comum.
Constitucionalidade
Mas será que essa medida é constitucional? Certamente não!
Segundo a Constituição Federal, a segurança pública é um direito fundamental dos brasileiros. Para garantir esse direito, a União e os estados têm competências administrativas e são responsáveis, por exemplo, por organizar as polícias.
Temos, portanto, o seguinte:
GOVERNO FEDERAL | GOVERNOS ESTADUAIS | PREFEITURAS |
Polícia Federal | Polícia Civil | Guardas Municipais ?? |
Polícia Rodoviária Federal | Polícia Militar e Corpo de Bombeiro Militar | |
Polícia Ferroviária Federal | Polícia Penal Estadual | |
Polícia Penal Federal |
A lei estabeleceu que os municípios poderiam criar Guardas Municipais, “destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações”.
Ocorre que o Supremo Tribunal Federal decidiu, julgando o TEMA 656, que as Guardas Municipais podem atuar como polícia ostensiva, realizando, inclusive, prisões em flagrante.
As Guardas Municipais devem, entretanto, respeitar as atribuições das demais forças de segurança pública (polícia militar, polícia civil), que possuem competências reguladas pela Constituição e por normas estaduais.
A Suprema Corte fixou o entendimento de que os Municípios podem criar leis que prevejam competências próprias de segurança urbana para as Guardas Municipais, em especial:
- Policiamento ostensivo;
- Policiamento comunitário;
- Prisões em flagrante;
- Agir diante de condutas lesivas a bens, pessoas e serviços.
Limites às Guardas Municipais
1º) Não podem se sobrepor às competências da Polícia Militar;
2º) Não possuem poder de investigação;
3º) Atuação limitada às instalações municipais;
4º) Submetem-se à fiscalização do Ministério Público.
Importante destacar que, desde a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 995, o STF entende que as Guardas Municipais fazem parte do Sistema Único de Segurança Pública.
A ADPF 995 foi julgada procedente para, nos termos do artigo 144, §8º, da CF, conceder interpretação conforme à Constituição ao artigo 4º, da Lei 13.022/14 e ao artigo 9º, da 13.675/18, declarando inconstitucional todas as interpretações judiciais que excluam as Guardas Municipais, devidamente criadas e instituídas, como integrantes do Sistema de Segurança Pública.
Quais são as atribuições de cada polícia?1
Polícia Federal: realiza investigações em casos de crimes federais, em situações em que o delito atinge a União e quando as infrações têm repercussão interestadual ou internacional. Atua também na repressão do tráfico de drogas e contrabando. Os agentes federais também atuam como polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras. Polícia Rodoviária Federal: faz o patrulhamento ostensivo das rodovias federais, combatendo crimes cometidos nas estradas brasileiras. Polícia Ferroviária Federal: faz o patrulhamento ostensivo das ferrovias federais. Polícia Penal Federal: atua na segurança de presídios federais, ajudando a manter a ordem e disciplina no sistema prisional, controlar acessos, monitorar atividades dos detentos e realizar escoltas. Polícia Civil: faz a investigação de crimes nos estados, com exceção de crimes de competência da PF e as infrações militares. Polícia Militar: atua no patrulhamento e na preservação da ordem pública nas ruas. Realiza, por exemplo, prisões em flagrante e repressão a crimes. Polícia Penal Estadual: atua na segurança de presídios estaduais, com as atribuições semelhantes às da Polícia Penal Federal – manutenção da ordem e disciplina no sistema carcerário, com controle de acessos e monitoramento de detentos.
Mas quem realiza a segurança do Presidente da República?
A segurança das autoridades presidenciais é realizada pelo Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSIPR), por intermédio da Secretaria de Segurança Presidencial (SPR).
Para isso, a SPR utiliza, além dos seus recursos materiais, os seus Agentes de Segurança Pessoal e Agentes de Segurança de Instalações.
Agentes de Segurança Pessoal -> são encarregados de realizar a segurança imediata das autoridades presidenciais;
Agentes de Segurança de Instalações -> são destinados a prover a segurança dos palácios presidenciais e das residências oficiais, juntamente com Organizações Militares destinadas para esse fim, que são o Batalhão da Guarda Presidencial (BGP) e o 1º Regimento De Cavalaria De Guardas (1° RCG).
Além disso, o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República e a Assessoria Militar da Vice-Presidência da República são responsáveis pela coordenação das viagens presidenciais e pelo estabelecimento do sistema de segurança presidencial, integrando as ações de segurança com o Ministério da Defesa e Órgãos de Segurança Pública.
O sistema de segurança presidencial tem por objetivo integrar procedimentos que impeçam a realização de atentados, previnam a ocorrência de danos físicos e morais e evitem incidentes para o Presidente ou para o Vice-Presidente da República.
O sistema de segurança presidencial poderá envolver os diversos órgãos de segurança pública federais, estaduais e municipais e, mediante ordem do Presidente da República, integrantes das Forças Armadas.
O Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/2003) prevê, em seu artigo 6º, a proibição do porte de arma de fogo em todo o território nacional, salvo para:
I – os integrantes das Forças Armadas;
II - os órgãos de segurança pública indicados no art. 144 da Constituição Federal e os da Força Nacional de Segurança Pública (FNSP);
a - polícia federal;
b - polícia rodoviária federal;
c - polícia ferroviária federal;
d - polícias civis;
e - polícias militares e corpos de bombeiros militares.
f - polícias penais federal, estaduais e distrital.
III – os integrantes das guardas municipais e dos Municípios;
IV – os agentes operacionais da Agência Brasileira de Inteligência e os agentes do Departamento de Segurança do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República;
V – os integrantes dos órgãos policiais da Câmara dos Deputados e do Senado Federal;
VI – os integrantes do quadro efetivo dos agentes e guardas prisionais, os integrantes das escoltas de presos e as guardas portuárias;
VII – as empresas de segurança privada e de transporte de valores constituídas;
VIII – para os integrantes das entidades de desporto legalmente constituídas, cujas atividades esportivas demandem o uso de armas de fogo;
IX – integrantes das Carreiras de Auditoria da Receita Federal do Brasil e de Auditoria-Fiscal do Trabalho, cargos de Auditor-Fiscal e Analista Tributário;
X - os tribunais do Poder Judiciário descritos no art. 92 da Constituição Federal e os Ministérios Públicos da União e dos Estados, para uso exclusivo de servidores de seus quadros pessoais que efetivamente estejam no exercício de funções de segurança.
Conclusão
Um projeto que pretenda desarmar os agentes que cuidam da segurança da mais alta autoridade do país (Chefe de Estado) é claramente contrário aos próprios objetivos de segurança nacional.
As altas autoridades de um país estão naturalmente expostas a um maior risco quanto à sua segurança, podendo ser alvos de atentados, discursos de ódio, ações de extremistas, ameaças, vinganças.
Esse projeto, portanto, acaba por fragilizar:
- Segurança nacional;
- Soberania nacional;
- Segurança institucional;
- Princípio da eficiência estatal;
- Combate à criminalidade;
- Segurança pessoal das autoridades afetadas.
Ao que parece, o projeto de lei possui um caráter mais ideológico, de protesto, sendo, do ponto de vista jurídico, inconstitucional e, portanto, inviável de ser observado.
Em caso de eventual aprovação no Congresso Nacional (com derrubada de veto, inclusive) certamente o Supremo Tribunal Federal, ao ser instado, declarará a inconstitucionalidade da norma.
Ótimo tema para provas de direito constitucional!
- VIVAS, Fernanda. PEC da Segurança: entenda como funcionam as polícias hoje e as mudanças que a proposta prevê. G1 Política. Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/noticia/2025/04/09/pec-da-seguranca-entenda-como-funcionam-as-policias-hoje-e-as-mudancas-que-a-proposta-preve.ghtml>. ↩︎
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