O Supremo Tribunal Federal confirmou a constitucionalidade da Lei 13.714/2018, que assegura atendimento no Sistema Único de Saúde independentemente da apresentação de comprovante de domicílio para pessoas em vulnerabilidade social. A decisão do Ministro Cristiano Zanin na ADI 6.085/DF rejeitou alegações de vício formal no processo legislativo bicameral.
Processo legislativo sob questionamento
O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) contestou a validade da norma argumentando que o Senado Federal teria violado o artigo 65 da Constituição ao acrescentar dispositivo inédito ao projeto original da Câmara sem devolvê-lo para nova apreciação. O projeto inicial tratava apenas da identidade visual do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), mas ganhou um artigo 2º sobre atendimento de saúde.
"O projeto de lei aprovado pela Câmara dos Deputados foi modificado em seu mérito pelo Senado Federal e imediatamente foi enviado à sanção presidencial, sem que tenha sido remetido novamente à Câmara", alegou o partido autor.
A questão central residiu na classificação da emenda: seria apenas redacional, dispensando retorno à Casa iniciadora, ou constitutiva de alteração substancial, exigindo nova deliberação?
Duplo critério de análise constitucional
O relator aplicou dois critérios fundamentais para avaliar a constitucionalidade da tramitação. Primeiro, verificou a pertinência temática entre os dispositivos. “Ambos tratavam de políticas públicas sociais, havendo o que ele chamou de intersetorialidade entre o sistema único de assistência social e o sistema único de saúde”, registrou Zanin.
O segundo critério examinou se houve modificação substancial do sentido jurídico da proposição. O ministro concluiu que “não houve modificação no sentido do projeto, mas o que aconteceu, houve um aprimoramento, ou seja, reforça direitos que já são garantidos na Constituição”.
A fundamentação baseou-se no entendimento de que o artigo acrescentado pelo Senado “não está criando um direito novo, ele está apenas reafirmando algo que na verdade já decorre do próprio artigo 196 da Constituição Federal”.
Precedentes consolidam interpretação restritiva
A decisão se alinha à jurisprudência estabelecida nas ADIs 2.238 e na ADC 3, que determinam retorno à Casa iniciadora apenas quando emendas “produzam proposição jurídica diversa da proposição emendada”. O STF historicamente diferencia emendas meramente redacionais daquelas que alteram o conteúdo normativo.

Como destacou Ana Paula de Barcellos, citada no voto: “O STF entende que modificações puramente redacionais ou de estilo, que não alterem o sentido do projeto, dispensam o retorno para reapreciação”.
A jurisprudência mais recente consolidou este entendimento na ADI 7.442/2024, confirmando que modificações destinadas apenas a “corrijam imprecisões técnicas ou tornem o sentido do texto mais claro” não configuram emenda aditiva.
Questão processual delimita análise
Um aspecto processual relevante limitou o escopo da decisão. Embora o PSOL tenha pedido a inconstitucionalidade integral da lei, seus argumentos se dirigiram especificamente ao artigo 2º. O ministro aplicou jurisprudência consolidada sobre impugnações genéricas: “não se conhece da ação direta de inconstitucionalidade na qual a impugnação às normas é apresentada de forma genérica”.
A exigência de fundamentação específica para cada dispositivo impugnado impediu o conhecimento da ação quanto ao artigo 1º, que permaneceu inalterado durante a tramitação bicameral.
Para você entender melhor, segue um bom resumo sobre as emendas:
Deliberação legislativa: refere-se a discussão e votação das proposições.
- Regra geral, a Câmara funciona como Casa Iniciadora e o Senado como Revisora: A discussão e votação dos projetos de lei de iniciativa do Presidente da República, do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores terão início na Câmara dos Deputados.
- Excepcionalmente, o Senado será a Casa Iniciadora: iniciativa dos Senadores ou de Comissões do Senado.
- Haverá a análise prévia das comissões:
- a) Comissão Técnica: examina a matéria e emite parecer não vinculativo (opinativo).
- b) Comissão de Constituição e Justiça: examina a presença ou não dos pressupostos formais, regimentais, jurídicos e constitucionais; e emite parecer terminativo.
- Na fase de discussão, poderão ser apresentadas emendas parlamentares:
– Supressiva: suprime parte do projeto.
– Aglutinativa: mescla dois ou mais projetos.
– Substitutiva: altera o projeto formal ou substancialmente.
– Modificativa: altera uma parte do projeto.
– Aditiva: acrescenta parte nova ao projeto.
– De Redação: retifica erros redacionais.
– Subemenda: emenda sobre outra emenda.
- Na edição de emendas parlamentares, veda-se o contrabando legislativo (inclusão de emenda sem pertinência temática).
Tema relevante para a advocacia pública é a possibilidade de edição de emenda parlamentar em projetos legislativos de iniciativa reservada ao Chefe do Executivo. Para que a referida emenda seja constitucional, o STF (ADI 2810) elencou a necessidade de comprovação de pertinência temática e de que não haverá aumento de despesa (excepcionados os projetos de lei orçamentária).
Aprovação
- Não se admite aumento de despesa também em projetos sobre organização dos serviços administrativos da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, dos Tribunais Federais e do Ministério Público.
- Finda a fase de discussão, inicia-se a votação. Nessa etapa, não é admitida a edição de emendas.
- Quórum de aprovação das leis ordinárias: maioria simples (relativa), pois exige a maioria de votos dos presentes.
- Quórum de presença na votação: maioria absoluta.
- Votação pode ser:
- Nominal: manifestação individual de cada parlamentar.
- Simbólica: ocorre quando os líderes das bancadas votam em nome dos membros destas ou quando os parlamentares que concordam com o projeto ficam sentados, de acordo com a orientação do Presidente da Casa.
- Projeto rejeitado na casa iniciadora: será arquivado.
- Aplica-se o princípio da irrepetibilidade (relativo): via de regra, a matéria só poderá ser reapresentada na próxima sessão legislativa. Exceção: poderá constituir objeto de novo projeto, na mesma sessão legislativa, mediante proposta da maioria absoluta dos membros de qualquer das Casas do Congresso Nacional.
- Projeto aprovado na casa iniciadora: seguirá para discussão e votação, em um só turno, na revisora.
- Se aprovado: seguirá para a fase de deliberação executiva (sanção ou veto). Se rejeitado: será arquivado, com aplicação relativa do princípio da irrepetibilidade.
- Se emendado: retornará à Casa iniciadora para discussão e votação apenas da parte emendada.
- Obs. 1: A iniciadora não poderá emendar novamente (veda-se a emenda da emenda). No entanto, poderá concordar com a emenda (seguirá para a sanção ou veto) ou rejeitá-la (envio para sanção sem a parte emendada).
- Obs. 2: Somente retornará à Casa Iniciadora a emenda que altere substancialmente o conteúdo do projeto.
- Deliberação executiva: trata-se do veto e da sanção de projeto aprovado.
Como o tema já caiu em provas
Ano: 2022 Banca: CESPE / CEBRASPE Órgão: PC-PB Prova: CESPE / CEBRASPE - 2022 - PC-PB - Delegado de Polícia Civil
O chamado “contrabando legislativo” caracteriza-se pela existência de
Alternativas
A) iniciativa de projeto de lei com assunto de competência de lei complementar.
B) emenda parlamentar com matéria estranha a projeto de conversão de medida provisória em lei.
C) emenda parlamentar com matéria estranha a projeto de lei de iniciativa do presidente da República.
D) reedição de medida provisória na mesma sessão legislativa em que tenha sido rejeitada.
E) iniciativa de projeto de lei por parlamentar com matéria que tenha sido rejeitada na mesma sessão legislativa.
GABARITO: Letra B.
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