A Política Nacional de Biocombustíveis é constitucional

A Política Nacional de Biocombustíveis é constitucional

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

Decisão do STF

O Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, confirmou a constitucionalidade de dispositivos da Lei 13.576/2017, que instituiu a Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio).

O entendimento fixou-se no julgamento de duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade – ADI 7596 e ADI 7617, propostas pelo Partido Renovação Democrática (PRD) e pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT).

RenovaBio

A RenovaBio é a Política Nacional de Biocombustíveis do Brasil, criada para expandir a produção e o uso de biocombustíveis de forma sustentável, com o objetivo de descarbonizar a matriz energética do país e cumprir os compromissos do Acordo de Paris. A política promove a expansão da produção, a segurança energética e cria um mercado de crédito de carbono para os produtores de biocombustíveis e de matérias-primas.

Dentre os principais objetivos da RenovaBio podemos destacar:

  • Expansão da produção: incentivar o aumento da produção de biocombustíveis como etanol, biodiesel e biometano.
  • Redução das emissões: contribuir para a diminuição das emissões de gases de efeito estufa no setor de transportes, por meio da descarbonização da matriz energética.
  • Previsibilidade: garantir previsibilidade para o mercado de biocombustíveis, incentivando investimentos no setor.
  • Segurança energética: contribuir para a segurança energética do país.
  • Valorização dos biocombustíveis: remunerar os biocombustíveis pelo seu diferencial ambiental, transformando a redução de emissões em um ativo financeiro.

Funcionamento

A RenovaBio funciona da seguinte maneira:

1º) Metas de descarbonização: o governo estabelece metas anuais de descarbonização para o setor.

2º) Crédito de carbono (CBIO): produtores de biocombustíveis (como etanol, biodiesel e biometano) e de matérias-primas podem emitir um título de crédito de carbono, chamado CBIO, a cada tonelada de CO2 que conseguem evitar a emissão.

3º) Atuação do mercado: as distribuidoras de combustíveis fósseis são obrigadas a comprar uma quantidade mínima de CBIOs para cumprir as metas estabelecidas.

4º) Certificação: os órgãos reguladores, como a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), realizam o cálculo da pegada de carbono e a certificação dos biocombustíveis, com o uso de uma ferramenta de metrificação.

A RenovaBio busca, portanto, a transição energética e a sustentabilidade ambiental, tendo como objetivos principais reduzir a emissão de GEEs e expandir a produção de biocombustíveis no País, especialmente o etanol.

Metas compulsórias

O principal instrumento da RenovaBio são as metas compulsórias anuais de redução de emissões de GEEs.

Essas metas desdobram-se em metas individuais aplicadas aos distribuidores de combustíveis, proporcionais à participação de mercado na comercialização de combustíveis fósseis no ano anterior.

Biocombustíveis

A comprovação do cumprimento da meta individual faz-se mediante a aquisição e aposentadoria dos Créditos de Descarbonização (CBIOs). Os CBIOs são títulos registrados sob forma escritural.

Os produtores ou importadores de biocombustíveis são designados como emissores primários. Eles podem solicitar a emissão de CBIOs em quantidade proporcional ao volume de biocombustível produzido, importado e comercializado, observada a respectiva Nota de Eficiência Energético-Ambiental.

Os partidos autores das ADI’s alegavam que o programa daria tratamento discriminatório aos distribuidores de gasolina e diesel e favoreceria os produtores e importadores de biocombustíveis, especialmente o etanol.

Também contestavam a imposição de metas de descarbonização aos distribuidores de combustíveis fósseis e a obrigação de compra de créditos de descarbonização (CBIOs) para compensar a emissão de gases causadores do efeito estufa.

Princípios constitucionais

Os Requerentes sustentaram que a modelagem do RenovaBio violaria diversos princípios constitucionais, a saber:

1. Isonomia: alega-se tratamento discriminatório, pois o ônus da política recaiu exclusivamente sobre os distribuidores de combustíveis fósseis. Os emissores primários (produtores/importadores de biocombustíveis) não têm a obrigação de emitir ou comercializar CBIOs, o que desvirtuaria o programa.

2. Princípio do poluidor-pagador: os distribuidores foram eleitos como os únicos responsáveis pela descarbonização, apesar de serem responsáveis por apenas 0,39% das emissões de GEEs no ciclo de vida dos combustíveis. A exploração de óleo/gás responde por 39,86% e o usuário final por 59,66%.

3. Livre iniciativa e livre concorrência: a obrigação de adquirir CBIOs, combinada com a discricionariedade dos emissores primários em negociá-los, fomenta a especulação, elevando o preço dos CBIOs e prejudicando os distribuidores.

4. Defesa do consumidor: o repasse do custo dos CBIOs vai para o consumidor final (estimado em R$ 0,12 por litro de gasolina, conforme um estudo citado pelo partido), sem garantia de que os lucros obtidos pelos emissores primários sejam reinvestidos na expansão da produção de biocombustíveis.

5. Proporcionalidade e razoabilidade: as penalidades para o não cumprimento das metas (multas que variam entre R$ 100.000,00 e R$ 500.000.000,00, além de sanções administrativas e criminais) foram consideradas desarrazoadas e confiscatórias.

6. Outros vícios: o PDT também levantou a inconstitucionalidade formal da lei devido à rapidez do processo legislativo (28 dias) e alegou ofensa à vedação ao retrocesso, citando a falta de “adicionalidade” na redução de carbono e a ausência de exigência de “boas práticas de direitos humanos, ambientais e trabalhistas” para a emissão de CBIOs.

Argumentos do STF

O STF rejeitou as alegações de inconstitucionalidade com base nos seguintes argumentos:

• Ônus da política: a premissa de que o ônus recai apenas sobre os distribuidores é considerada equivocada. O repasse do custo da aquisição dos CBIOs vai para o consumidor final. Os distribuidores atuam como intermediários (em um mecanismo análogo à substituição tributária), transferindo recursos dos consumidores de combustíveis fósseis para os produtores/importadores de biocombustíveis.

• Princípio do poluidor-pagador: observa-se tal princípio porque o ônus recai sobre os consumidores que optam por combustíveis fósseis, que são os principais responsáveis pela geração de GEEs (quase 60% das emissões no ciclo). O encarecimento da gasolina estimula a escolha por combustíveis verdes (etanol).

• Isonomia: não há violação, pois distribuidores de combustíveis fósseis e produtores/importadores de biocombustíveis não estão em posições jurídicas equivalentes, uma vez que o último grupo colabora com a política de transição energética.

• Livre iniciativa e concorrência: o programa estabelece regras uniformes para todos os distribuidores de combustíveis fósseis. O sistema possui “âncoras” normativas: as metas são proporcionais à participação de mercado do distribuidor (Art. 7º, caput) e devem considerar a disponibilidade de oferta de biocombustíveis (Art. 6º, II), mitigando especulações.

• Penalidades: as sanções previstas (incluindo multas altas) se consideram razoáveis e proporcionais e se inserem na margem de conformação legislativa para concretizar políticas ambientais.

• Autocontenção judicial: o STF reafirmou que não lhe cabe substituir-se ao legislador na formulação de políticas públicas ou intervir no mérito das escolhas do Executivo e Legislativo, salvo em caso de manifesta violação constitucional.

Conclusão

O relator, ministro Nunes Marques, ressaltou que o encarecimento da gasolina e do óleo diesel em relação ao etanol não visa beneficiar produtores e importadores de biocombustíveis, mas estimular os consumidores a escolher os combustíveis verdes.

Para Nunes, o RenovaBio é uma política pública legítima para estimular a transição energética sem violar normas constitucionais.


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