* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Decisão do STF
O Supremo Tribunal Federal, julgando o ARE 1.472.760, decidiu que lei municipal que obriga as concessionárias de automóveis a plantarem uma árvore para cada carro novo vendido, não possui natureza tributária, e sim de política ambiental, sendo, portanto, constitucional.
Trata-se de impugnação à lei municipal de Londrina nº 10.766/2009, apresentada pelo Sindicato do Comércio Varejista de Veículos de Londrina.
Para o sindicado, a norma municipal veicula uma contribuição de intervenção no domínio econômico – CIDE, espécie tributária cuja competência é exclusiva da União.
Inconstitucionalidades formal e material
Na verdade, o sindicato arguiu tanto a inconstitucionalidade formal quanto a inconstitucionalidade material da norma municipal. Vejamos:
Inconstitucionalidade formal: para o sindicato, a norma municipal cria um tributo cuja competência é exclusiva da União (CIDE), já que o fato gerador é não vinculado e há destinação específica do produto da arrecadação. Portanto, haveria usurpação da competência tributária da União pelo Município.
Inconstitucionalidade material: para o sindicato, a norma municipal acaba por violar o princípio da livre iniciativa e da livre concorrência, previstos no art. 170, da Constituição Federal.
CF/88
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I - soberania nacional;
II - propriedade privada;
III - função social da propriedade;
IV - livre concorrência;
V - defesa do consumidor;
VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;
VII - redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII - busca do pleno emprego;
IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.
Contribuição de intervenção no domínio econômico – CIDE -> Espécie tributária, de natureza extrafiscal, de arrecadação vinculada e de competência exclusiva da União, criado para fins específicos de intervenção na economia. É uma das modalidades de contribuição, prevista na Constituição Federal. Sua aplicação está vinculada a setores específicos, como a indústria de petróleo e gás, transporte e agricultura.
FINALIDADES DA CIDE |
Incentivo à atividade econômica: as CIDES podem ser utilizadas para incentivar setores específicos ou atividades econômicas que são consideradas importantes para o desenvolvimento da nação. |
Corrigir distorções de mercado: as CIDES podem ser utilizadas para corrigir desequilíbrios de mercado, como a necessidade de subsídios ou de controle de preços. |
Financiamento de projetos específicos: os recursos arrecadados com as CIDES podem ser utilizados para financiar projetos específicos, como a construção de infraestrutura ou o desenvolvimento de programas ambientais. |
Intervenção estatal na economia: as CIDES são um instrumento de intervenção estatal na economia, que visa a realização de determinadas ações ou a promoção de determinados objetivos. |
Fundamentos do tribunal de origem
O tribunal de origem (Tribunal de Justiça do Paraná) afastou a natureza tributária da obrigação legal instituída pela norma municipal, sob os seguintes fundamentos:
1º) Apesar da compulsoriedade e da licitude serem características do tributo, não são as únicas, devendo haver a análise de outros critérios;
2º) O comportamento obrigatório imposto pela norma municipal não envolve uma prestação em dinheiro. Assim, não se pode falar que o fato de o bem ser suscetível de avaliação pecuniária torna-o adequado ao conceito tributário;
3º) O fato da norma estipular uma multa pecuniária em caso de descumprimento ao mandamento não é capaz de atrair o conceito de tributo. Isso porque aí temos uma sanção por violação de um preceito normativo, figura diversa.
4º) Conclusão: há, sim, uma obrigação administrativa, fundada na preocupação de proteção ao meio ambiente, e uma multa em caso de descumprimento.
A obrigação de as concessionárias de automóveis plantarem uma árvore para cada carro novo vendido não tem natureza tributária, e sim de obrigação administrativa, fundada na preocupação de proteção ao meio ambiente.
O Supremo, reconhecendo que a análise do Tribunal de origem demandaria reexame da legislação infraconstitucional aplicável à espécie, providência inviável no âmbito do recurso extraordinário, decidiu por negar provimento o agravo regimental para confirmar o não conhecimento do recurso extraordinário, com base no óbice da Súmula 280 da Corte.
Competência do município
O Supremo, no TEMA 145, já decidiu que o município é competente para legislar sobre o meio ambiente, juntamente com a União e o Estado, no limite do seu interesse local e desde que tal regramento seja harmônico com a disciplina estabelecida pelos demais entes federados (art. 24, VI, c/c 30, I e II, da Constituição Federal).
O município, portanto, ao legislar sobre direito ambiental, deve harmonizar-se com os demais entes federados e adequar-se aos limites de seu interesse local.

Ou seja, a legislação municipal poderá versar sobre tema já disciplinado por legislação de outro nível hierárquico e até mesmo excepcioná-la, desde que o faça por motivo de flagrante e inequívoco interesse local.
O Supremo Tribunal Federal tem ressaltado a importância de consolidar o equilíbrio federativo em matéria ambiental, com a intenção de fortalecer não apenas a autonomia dos entes da Federação, como atender às peculiaridades regionais e locais. Assim, se mais protetivas ao meio ambiente, prevalecem as normas estaduais e municipais.
O federalismo cooperativo é particularmente efetivo em um país como o Brasil. Detentor de um território amplo e de diferentes biomas de relevância substancial ao planeta, o país tem neste modelo a possibilidade de proteger e preservar o meio ambiente de maneira muito mais efetiva, pois os entes subnacionais, além de compartilharem competências, podem editar normas voltadas para as especificidades de cada região. No entanto, a moldura estabelecida pelas normas federais limita tal possibilidade.
Meio ambiente equilibrado
Importante pontuar que, entre as Constituições brasileiras, a de 1988 foi a primeira a expressamente citar, no art. 225, o direito ao meio ambiente equilibrado.
O fato de não haver menção ao meio ambiente no rol dos direitos fundamentais do art. 5° da Constituição em nada modifica o seu reconhecimento como direito fundamental.
O Supremo Tribunal Federal também o reconhece como direito fundamental, uma vez que o meio ambiente equilibrado está intimamente relacionado com a ideia da dimensão ecológica da dignidade da pessoa humana.
Em decorrência dessa constatação, não se pode exercer a atividade econômica em desarmonia com os princípios destinados a tornar efetiva a proteção ao meio ambiente, conforme art. 170, da CF/88.
A incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se tiver presente que a índole econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a “defesa do meio ambiente” (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, meio ambiente cultural, meio ambiente artificial (espaço urbano) e meio ambiente laboral.
Portanto, a lei municipal de Londrina, ao invés de carregar, em si, natureza tributária (CIDE), traz consigo uma índole de verdadeira política ambiental, necessária para garantir a proteção do meio ambiente, direito fundamental de terceira geração.
Ótimo tema para provas de direito ambiental, direito tributário e direito constitucional. Portanto, muita atenção!
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