* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Lei nº 14.717/2023
A Lei nº 14.717/2023 instituiu uma pensão especial aos filhos e dependentes crianças ou adolescentes, órfãos em razão do crime de feminicídio, cuja renda familiar mensal per capita seja igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
O benefício instituído pela referida lei, mesmo que denominado pensão especial, apresenta, na verdade, um nítido caráter de benefício assistencial. Isso porque não há a exigência da qualidade de segurado da instituidora do benefício, ou seja, da vítima do feminicídio.
Portanto, possui caráter mais parecido com o Benefício de Prestação Continuada – BPC (pago ao idoso e ao deficiente) do que com uma pensão propriamente dita.
O art. 1º da lei prevê que a pensão especial será paga aos filhos e dependentes menores de 18 anos de idade, órfãos em razão do crime de feminicídio tipificado no inciso VI do § 2º do art. 121 do decreto-lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), cuja renda familiar mensal per capita seja igual ou inferior a 1/4 do salário mínimo.
A pensão especial representa proteção e segurança aos filhos e dependentes órfãos dessas mulheres mortas por feminicídio.
A ministra das Mulheres, Márcia Lopes, destacou:
“O Estado tem a responsabilidade de assegurar a transferência de renda para que essa criança tenha suas necessidades básicas garantidas, mesmo vivendo com seus familiares, ou para uma criança que será adotada ou uma criança que vai viver, provisoriamente, em um abrigo”.
Princípio da dignidade humana
A norma tem por objetivo concretizar o princípio da dignidade da pessoa humana, previsto no art. 1º, III, da Constituição Federal, como fundamento da República Federativa do Brasil.
CF/88
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
O princípio da dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, reconhecendo que todo ser humano possui um valor inerente e inalienável, que se deve respeitar e proteger.

Ele garante um conjunto de direitos básicos, como saúde, educação e moradia, e serve tanto como limite à ação do Estado e de terceiros (impedindo que as pessoas sejam tratadas como objetos) quanto como uma tarefa estatal (dever de proteção e de garantir as condições mínimas para uma vida digna).
Não se desconhece que os desafios enfrentados pelos filhos que perderam a mãe por feminicídio são múltiplos e complexos, englobando:
- Traumas psicológicos profundos;
- Rupturas familiares;
- Dificuldades sociais;
- Dificuldades econômicas.
Além de lidar com a dor da perda, muitas dessas crianças e adolescentes presenciam o crime ou a violência anterior, e em muitos casos, o agressor é o próprio pai.
E não menos importante, esse menor, na grande maioria das vezes, passa por enormes dificuldades financeiras decorrentes da ausência da mãe, colocando em xeque sua capacidade de pleno desenvolvimento.
Portanto, a previsão de uma pensão mensal para esses menores chega como alento e esperança de uma vida melhor e mais digna.
Decreto nº 12.636/2025
Quase 2 anos após a publicação da lei, que possui lacunas importantes, publicou-se o decreto nº 12.636/2025. O dcoumento detalha e regulamenta o exercício e a aplicação prática dessa pensão especial destinada aos menores órfãos vítimas do feminicídio.
Essa regulamentação é fundamental para o exercício do direito dos órfãos de receber a pensão mensal. Vejamos os detalhes.
Conceitos importantes:
I - família, para o cálculo da renda per capita - a unidade composta por um ou mais indivíduos que contribuam para o rendimento ou tenham suas despesas atendidas pela unidade familiar e que habitem em um mesmo domicílio no momento do requerimento; II - renda familiar mensal - a soma dos rendimentos brutos auferidos por todos os membros da família; III - renda familiar per capita - a razão entre a renda familiar mensal e o total de indivíduos da família; IV - dependente - o enteado, a criança e o adolescente, menor de dezoito anos de idade, que estejam sob guarda, provisória ou definitiva, ou tutela, provisória ou definitiva, da mulher vítima de feminicídio, desde que comprovada a dependência econômica, observado o disposto no Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto nº 3.048, de 6 de maio de 1999;
Observações pertinentes:
A pensão representa a garantia de um salário mínimo mensal aos filhos e aos dependentes menores de dezoito anos de idade na data do óbito de mulher vítima de feminicídio (crime tipificado no art. 121-A do Código Penal), cuja renda familiar mensal per capita seja igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo
Importante ressaltar que essa pensão especial também é garantida aos filhos e aos dependentes de mulher transgênero vítima de feminicídio, bem como às crianças e adolescentes órfãos que estejam sob a tutela do Estado.
A pensão especial não gera direito ao 13º salário (abono anual) e não está sujeita a qualquer desconto. |
A pensão não é acumulável com benefícios previdenciários recebidos do Regime Geral de Previdência Social ou dos Regimes Próprios de Previdência Social, nem com pensões ou benefícios do sistema de proteção social dos militares, mas é garantido o direito de opção.
A competência para recebimento e processamento do pedido dessa pensão é do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS.
Na hipótese de haver mais de um filho ou dependente da mulher vítima de feminicídio, deve-se dividir a pensão em partes iguais entre aqueles elegíveis ao benefício, e em caso de cessação do direito de uma das partes, deve-se converter a cota específica da pensão em favor dos demais beneficiários.
Não computam como renda familiar mensal:
I - benefícios e auxílios assistenciais de natureza eventual e temporária;
II - valores provenientes de programas assistenciais de transferência de renda, com exceção do benefício de prestação continuada de que trata o art. 20 da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993; e
III - rendas de natureza eventual ou sazonal.
O filho ou o dependente com dezoito anos ou mais na data de publicação da Lei nº 14.717, 31 de outubro de 2023, não terá direito à pensão.
O INSS deverá revisar a pensão especial, a cada dois anos, para avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem, por meio do cruzamento de informações do beneficiário e de seus familiares existentes em registros e bases de dados oficiais.
Requisitos para a concessão, manutenção e revisão da pensão especial:
O decreto elenca os seguintes requisitos para a fruição da pensão especial:
I - a inscrição regular no Cadastro de Pessoa Física - CPF;
II - a apresentação de documento pessoal de identificação oficial com foto da criança ou do adolescente ou, na impossibilidade desse, a certidão de nascimento;
III - a inscrição e a atualização, a cada vinte e quatro meses, contados a partir da data de inclusão ou da última atualização ou revalidação no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal - CadÚnico, contemplada a informação referente ao CPF do requerente e de todos os membros da família; e
IV - a apresentação de um dos seguintes documentos que relacionem o fato a um feminicídio:
a) o auto de prisão em flagrante;
b) o decreto de prisão preventiva;
c) a portaria inaugural do inquérito policial;
d) o relatório de conclusão do inquérito policial;
e) o oferecimento da denúncia;
f) decisão cautelar ou de mérito que enquadre o fato como feminicídio; ou
g) a sentença penal condenatória transitada em julgado.
Na hipótese de a pensão ser devida ao dependente da mulher vítima de feminicídio, deverá ser apresentado, ainda:
I - o termo de guarda, provisória ou definitiva;
II - o termo de tutela, provisória ou definitiva; ou
III - outro documento que comprove a relação de dependência da criança ou do adolescente com a mulher vítima de feminicídio.
Cessação do benefício:
O pagamento da cota individual da pensão especial cessa nas seguintes hipóteses:
I - pela morte do filho ou do dependente;
II - quando o filho ou o dependente completar dezoito anos;
III - quando for identificada a superação do limite de renda familiar mensal per capita durante o período de vinte e quatro meses consecutivos, observado o direito ao contraditório e à ampla defesa;
IV - pela identificação de irregularidade na concessão ou na manutenção da pensão, observado o direito ao contraditório e à ampla defesa;
V - quando a sentença transitada em julgado não qualificar o fato como feminicídio;
VI - quando for aplicada medida socioeducativa ao beneficiário, mediante sentença com trânsito em julgado, pela prática de ato infracional análogo ao crime de feminicídio, consumado ou tentado, como autor, coautor ou partícipe, ressalvados os absolutamente incapazes e os inimputáveis;
VII - quando as informações familiares no CadÚnico ou a certidão do processo judicial não sejam atualizadas em até noventa dias após a suspensão decorrente da não apresentação da documentação exigida.
Como caiu em prova
Veja só como o tema relacionado à dignidade da pessoa humana pode surgir em prova de concurso:
CESPE - MPU A dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, apresenta-se como direito de proteção individual em relação ao Estado e aos demais indivíduos e como dever fundamental de tratamento igualitário dos próprios semelhantes. Gabarito: Certo
Ótimo tema para provas de direito constitucional. Muita atenção!
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